Lamentavelmente a pedofilia está embrulhada numa superfície de persistente fragilidade jurídica. Torna-se absolutamente indispensável que os legisladores actuem de modo a amputar as lacunas presentes na disposição jurídica nacional. A pedofilia encerra características muito especiais que devem ser visualizadas e analisadas de forma minuciosa e precauciosa. Os reflexos oriundos de comportamentos pedófilos e os “desejos” legislativos por parte da população devem “auxiliar” o legislador a desenhar um apropriado e congruente ordenamento jurídico.
Aqueles que consomem pornografia infantil, através da Internet, não sofrem qualquer espécie de exprobração pelo armazenamento, sem fins lucrativos, do material pornográfico infantil. Infelizmente a actual legislação não os incrimina. No entanto, esses perversos consumidores fomentam, promiscuamente e extraordinariamente, este género de redes e de sites. Será que não é elementar descrever, de modo rigoroso, as diferentes configurações que são necessárias para que a acção pedófila se materialize? Será que não é essencial incluir na legislação outras configurações? Será que não é importante dissecar exaustivamente a legislação nacional que procura a repressão dos actos pedófilos? Será que não é fundamental “acondicionar” as questões controversas que desfilam no panorama internacional?
É certamente oportuno abordar o tema facto social. Trata-se de um conceito precípuo da sociologia e da antropologia, referindo-se aos comportamentos ou propósitos presentes num determinado grupo social que são transferidos de geração em geração, através da própria sociedade, para cada indivíduo. A esmagadora maioria dos fenômenos que ocorrem na medula da sociedade podem ser denominados de factos sociais. São modos de proceder, de actuar, de analisar, de meditar, de experimentar e de sentir que acabam por patentear a excepcional propriedade de existência fora, ou isoladamente, da consciência individual. Salientar que este género de comportamentos, procedimentos ou pensamentos são exteriores aos indivíduos, estando apetrechados com uma espécie de poder injuntivo e coercitivo que lhes outorga a faculdade de se decretarem, independentemente da vontade dos indivíduos. Porém, o facto social pode ser, ou não, respeitado pelos cidadãos. Será que as ideias, movimentos e inclinações são elaboradas pelo cidadão? Será que essas configurações não são impostas pelo exterior? Será que toda e qualquer imposição social é forçosamente exclusiva da personalidade individual? Será que os factos sociais existem para um indivíduo específico? Será que os mesmos não desfilam para a comunidade? Será que podemos entender a universalidade através da disseminação das tendências dos grupos pela sociedade?
A opinião pública controla o comportamento dos cidadãos e vigia as sanções específicas que podem ser aplicadas a determinadas condutas. O individualismo absoluto e extremo assevera que os indivíduos são independentes. Será que o indivíduo fica “subtraído” quando dizemos que não depende unicamente de si?
Podemos considerar a sociedade como um conjunto manifestamente maior do que o somatório dos cidadãos que a constituem. Todavia, a sociedade é recriada pelos indivíduos, na qual a maioria determina as práticas, os exercícios, os procedimentos e os juízos éticos a escoltar, sem que exista uma discussão ou contestação prévia. Os padrões culturais são tão vigorosos que acabam por obrigar os indivíduos a perfilhá-los e a reverenciá-los. Realçar que esses arquétipos de cultura são exteriores aos indivíduos, pois advêm do exterior e são independentes das suas consciências e percepções.
A desconsideração, por parte de um indivíduo, relativamente a um fato social pode provocar a exclusão social do mesmo, ou seja, o acto de não acompanhar a conduta estandardizada pela sociedade pode provocar a exclusão do indivíduo do grupo social a que pertence. Nos procedimentos externos, o desrespeito pela conduta padronizada pode acarretar um aglomerado de sanções que, obedecendo ao grau de gravidade da contravenção decretada pela sociedade, pode ir desde o descomplicado desaplauso moral até à aplicação de correctivos e sanções penais. O grau de gravidade está intimamente ligado, e em encadeamento directo, com a relevância concernente ao facto social e à sua validade. Será que a pedofilia não constitui um facto social negativo?
O termo parafilia está profundamente associado às depravações ou perversões sexuais, bem como aos transtornos ou anomalias da sexualidade. Estas configurações não se encaixilham nas fileiras de comportamento sexual admissíveis pela sociedade contemporânea. Na realidade, as parafilias são comportamentos sexuais que se contrapõem ao acordado, por cada sociedade, como normal ou modelar.
As parafilias são caracterizadas por desejos, caprichos, impulsos, fantasias, devaneios ou condutas sexuais reiteradas e veementes que embrulham objectos inanimados, atividades ou disposições inusitadas que provocam significativos graus de padecimento, de tensão, de desvalorização e de humilhação. Esta conjunção acaba por influenciar o exercício social, o funcionamento afectivo e o desempenho ocupacional dos indivíduos. As parafilias catalogadas são a pedofilia; o exibicionismo; o sadismo e o fetichismo. Existem duas particularidades fundamentais para se definir uma parafilia: a presença de enérgicas e iteradas “extravagâncias” sexuais; e o sequente “desconforto clínico”, desequilíbrio social e desprendimento laboral. Destacar que nem toda a parafilia é alvo do interesse do Direito Penal, uma vez que só algumas afectam ou influenciam a comunidade.
As imagens ou as fantasias relacionadas com a parafilia podem constituir elemento de excitação sexual para um determinado indivíduo sem que essa conjuntura atinja o “patamar” de parafilia. Alguns contextos de excitação sexual só podem ser considerados parafilia quando o indivíduo é afectado pelos mesmos de modo descomunal ou desmesurado. Logo, podemos certamente concluir que as parafilias podem não ter saliência legal ou reprovação jurídica. Será que, e em modo de exemplo, o fetichismo acarreta a vitimização do indivíduo?
No que respeita à pedofilia temos uma conduta de pertinência, de sensibilidade e de importância social que circula em contramão aos estatutos e às normas éticas de comportamento determinadas pela própria sociedade hodierna. Esta conduta deve ser apresentada e analisada não só nos cabimentos jurídicos, como também nas curvas da psicologia. A pedofilia pode ser definida como um desarranjo sexual de natureza clínica que desagua na atracção sexual de um adulto por crianças de qualquer sexo. Como categoria clínica, a pedofilia agasalha “perspectivas” limitadas e específicas, uma vez que o termo pedofilia, no enquadramento médico, refere-se ao adulto que sofre de uma deformação vigorosa da personalidade que se traduz num interesse sexual concentrado unicamente em crianças que ainda não atingiram a puberdade.
É seguramente imprescindível identificar certos automatismos comportamentais de temperamento pedófilo, devendo-se individualizar o facto de que os indivíduos portadores deste género de perturbação sexual pertencem a todas as classes sociais, ou seja, estão disseminados por toda a “malha social”. Estes indivíduos aquartelam um comportamento aparentemente normal e em variadíssimas ocasiões estão completamente integrados na sociedade. Os pedófilos podem metamorfosear-se em predadores sexuais da infância e transformarem as suas pérfidas fantasias em actos efectivos.
Na superfície clínica, nem todos aqueles que exploram sexualmente as crianças são inevitavelmente pedófilos. Neste sentido, acaba por ser mais apropriado e elucidativo aplicar o termo agressor sexual para mencionar indivíduos que têm relações sexuais com menores, pois este conceito, para além de abranger os pedófilos, não se limita aos mesmos. Será que no conjunto dos agressores sexuais, aqueles que oferecem maiores índices de perigosidade não são os indivíduos nos quais os menores mais confiam? Será que este tipo de ataque sexual, pelo facto de ser oriundo de pessoas hipoteticamente confiáveis, não provoca feridas ainda mais profundas?