Tanto os defensores da escola privada como os da escola pública, na tomada de posições compactas e extremas, aformoseiam o cenário, colorindo o seu arquétipo com cores edénicas e isentas de todas as imperfeições e vícios. Será que este quadro não é pintado em telas de ocultação, de hipocrisia e de impostura? Será que não existem configurações de complementaridade entre os dois tipos de educação? Será que ambos os lados lutam pelos mesmos interesses? Será que chegar a um consenso de ideias não constitui um processo bastante espinhoso? Será que o carácter político, económico e social não diverge nos dois tipos de ensino?
Na realidade, o espaço que a educação privada preenche no mercado escolar, bem como as funções sociais que desempenha acabam por não ser lineares, nem tão pouco transparentes. Ao longo dos tempos, podemos facilmente comprovar que a educação privada cumpriu vários papéis, incluindo exercícios explícitos de concorrência com o sector público.
O conceito interesse público agasalha determinados valores fundamentais que pauteiam a gestão pública nos regimes democráticos, como sejam: a imparcialidade aquando da distribuição dos recursos educativos; e a promoção e disseminação da igualdade, da eficiência, da eficácia e da própria liberdade. Será que tradicionalmente estas condições não são reconhecidas e degustadas como pedras basilares das políticas educativas, da gestão da educação e da administração das escolas? Será que o ensino público não tem como emblemas a justiça, a integridade e a igualdade de oportunidades? Será que estes princípios não ficam tolhidos ou comprometidos no ensino privado? Será que a autonomia de aprender e a liberdade de ensinar não podem materializar-se sem o contributo do ensino privado?
A escola privada carece de um certo clima social, no qual desfilem e dominem os valores da sociedade civil democrática. O ensino privado tem obrigatoriamente que ser solidário e integrador. É elementar que a escola esteja ao alcance dos múltiplos grupos sociais, promovendo a integração de alunos com necessidades educativas especiais, assim como a edificação de projectos educativos plurais. Será que a escola privada tem capacidade e legitimidade para exercer um serviço público? Será que a escola privada se tem envolvido verdadeiramente no combate à exclusão?
O ensino público também tem que ser reformulado, assumindo carácter imperioso a redução das taxas de insucesso, bem como dos índices de abandono escolar. Quais são os contextos que são capazes de metamorfosear em mais pública a própria escola pública? Será que as escolas públicas escolhem os alunos? Será que as mesmas não recebem jovens desfavorecidos que não são pretendidos pelas escolas privadas? Será que o perfil dos alunos é todo igual? Será que as escolas privadas não integram somente determinados perfis de alunos? Quem deve ou pode assumir o cargo de gestor escolar? Como deve um gestor escolar cumprir correctamente as suas funções? Qual o significado dos conceitos eficácia e qualidade das escolas e rankings nacionais? Será que os índices de qualidade não emergem quando são meticulosamente desenhados, narrados e implementados, consoante modelos e regulamentos explícitos e transparentes? Será que os sistemas educativos não têm procurado o envolvimento com determinadas codificações de padrões de qualidade? Será que essa trajectória de envolvimento é perfeita, abrangente e suficiente? Será que os resultados obtidos não devem servir, como suporte de deliberação, para regulamentações futuras? Será que os “rankings de escolas” não despontaram como uma forma de exigência reflectida na necessidade de prestação de contas? Será que os mesmos, e perante a opinião pública, não constituem o resultado de uma avaliação de escolas? Quais são as vantagens da introdução dos “rankings de escolas”? Como se define qualidade?
A qualidade pode ser saboreada como sendo o produto de um processo de desenvolvimento e de aprendizagem colectivos, no qual os agentes embrulhados são encaminhados a edificar um conjunto de novas estratégias e de novas competências. Logo, podemos seguramente afirmar que quanto mais densa for a movimentação de esforços e de acções para fortalecer os requisitos ou as competências de direcção e de regulação das formas de gestão e de estruturação do trabalho escolar, maiores são as superfícies de qualidade. Será que a competição é o único caminho para aguilhoar os contextos de qualidade? Será que os mesmos não constituem caminhos de perfilhamento obrigatório?
As escolas podem albergar culturas robustas ou desvigorosas, funcionais ou disfuncionais, operacionais ou não operacionais. Realçar que as escolas “eficazes” parecem usufruir de uma cultura escolar vigorosa e praticável, enfileirada com a conspecção de excelência. As culturas devem ser acalentadas, nutridas e sustentadas através de um aglomerado de encadeamentos com uma liderança cultural de eficácia, de eficiência e de excelência.
Na verdade, configurar uma cultura que promova e suporte a excelência na escola tem uma sequência de implicações para os líderes e directores das escolas, como sejam: percorrer, relatar, analisar e avaliar a cultura da escola; asseverar a presença e consistência dos valores, das crenças, dos objectivos e das exteriorizações da cultura escolar; contemplar aquilo que acontece na escola numa perspectiva ampliada de conjunto; constatar que são imprescindíveis algumas etapas espaciais e temporais para metamorfosear a cultura da escola; e usufruir de capacidade para acolher proveitosamente as transformações contínuas, tão indispensáveis para a estruturação e fundação da cultura de escola. A liderança deve operar tendo em conta alguns vértices: o humano; o educacional; o social; o técnico; e o cultural. Será que os objectivos de um sistema escolar não devem servir de indicador para computar a qualidade? Será que o incremento do “parâmetro” de qualidade não está intimamente ligado à proximidade ou ao afastamento existente em relação aos objectivos delineados? Quais são os fundamentos, no que toca à escola pública e à escola privada, implícitos à opção parental?
Os professores, principalmente no ensino público, recebem turmas absolutamente heterogéneas, não podendo estruturar o trabalho num único formato. Porém, contemporaneamente as necessidades e prioridades passam por incorporar os alunos de modo a promover a inclusão social, facultando e facilitando uma aprendizagem eficaz e convincente vocacionada para alunos com dissemelhantes experiências, conhecimentos, comportamentos, capacidades e expectativas. Será que com a desigualdade de realidades escolares existente, é fácil generalizar, tanto em metodologias aplicadas, como em medidas implementadas? Será que os gestores das instituições conhecem verdadeiramente o grau de complexidade e de gravidade dos problemas e das diversidades existentes? Onde estão os programas de intervenção social para pelejar a exclusão social? Será que a liberdade de escolha da escola não origina um fortalecimento da estratificação social e étnica entre as escolas, patenteando a existência de marcas de estratificação e de marginalização? Quem contabiliza e suporta o custo dos alunos no ensino público e no ensino privado? Quem beneficia com os contratos de associação? Será que os contratos de associação não albergam uma vertente profundamente económica? Será que os mesmos não enchem os bolsos de alguns directores? Será que esses contratos não constituem um negócio bastante lucrativo?
Há quase quatro décadas, e segundo o Decreto Lei nº 553/80, de 21 de Novembro, que o Governo estabeleceu contratos de associação com estabelecimentos de ensino particular e cooperativo com a finalidade de garantir o direito gratuito e espontâneo à educação de crianças e de jovens que não dispusessem de oferta pública na sua zona de residência. A medida era indeclinável e equitativa, uma vez que a superfície escolar pública era exígua para revestir todas as necessidades. Todavia, é seguramente importante salientar que a finalidade era que este recurso assumisse o rótulo de temporário e jamais que constituísse uma configuração de negócio extremamente lucrativa e longa.
Infelizmente temos conhecimento que, mesmo com a desafogada expansão da rede pública de ensino, o Estado continua a assinar contratos de associação com estabelecimentos privados que se localizam ao lado de escolas públicas vazias. Torna-se extremamente urgente que o Estado indague com “inflexibilidade” os locais onde realmente fazem falta estes contratos de associação, assim como os locais onde os mesmos deixaram de ter qualquer razão para existir. Será que a esmagadora maioria do território não está abrangido pelas escolas públicas? Será que presentemente os contratos de associação não constituem um autêntico furto ao erário público? Será que os directores destas escolas privadas, algumas integrando mesmo grupos económicos amplos e influentes no País, não tentam, por todos os meios, construir uma nova dissertação social e económica, tentando ludibriar, desse modo, o “senso comum”?
O Estado acaba por gastar bastante mais com cada aluno se o colocar numa escola privada, ao abrigo de um contrato de associação, do que preservar esse mesmo aluno numa escola pública. É fundamental acabar com os lucros adiposos que os donos destes grupos económicos vão fervorosamente alcançando. Os contratos de associação são um óptimo e pigmentado negócio para os estabelecimentos de ensino privado e um malévolo e pardacento negócio para o País.
A escola pública responde a inúmeros estímulos e reptos, hospedando múltiplas valências no âmbito da educação especial e dos “itinerários” alternativos. As turmas na escola pública apresentam custos bastante mais franzinos do que aqueles oriundos dos contratos de associação, com o infortúnio de existirem milhares não só de docentes com “horário-zero”, como de negócios, chorudos e pérfidos, coligados ao ensino privado.
O ensino público também tem que ser reformulado, assumindo carácter imperioso a redução das taxas de insucesso, bem como dos índices de abandono escolar.