Incêndios: Guardiões da Serra da Estrela querem que plano de revitalização não esqueça a natureza

Guardioes

Para a coordenadora de projetos da associação ambiental Guardiões da Serra da Estrela, Sara Boléo, a palavra-chave para o futuro será “equilíbrio”.

A associação ambiental Guardiões da Serra da Estrela defende que o plano de revitalização daquele território deve pôr em primeiro lugar a natureza, sem nunca esquecer a melhoria das condições de vida das pessoas que vivem no Parque Natural.

Um ano após os incêndios que consumiram 28 mil hectares do Parque Natural, associações locais contactadas pela Lusa esperam que o Plano de Revitalização da Serra da Estrela (PRSE) possa marcar o avanço para um novo ordenamento florestal, mas também uma nova relação do Parque Natural com as comunidades, onde se garanta que o território é atrativo para quem lá vive ou quer viver e em que as entidades possam estar mais próximas das pessoas, muitas vezes frustradas com a burocracia e a demora associada às regras de se viver numa área protegida.

Para a coordenadora de projetos da associação ambiental Guardiões da Serra da Estrela, Sara Boléo, a palavra-chave para o futuro será “equilíbrio”.

Sara vinca que, quando se desenha qualquer projeto para a Serra da Estrela, no topo das prioridades terá de estar a natureza, já que é ela que dá razão de ser àquele território.

No entanto, defende que essa estratégia também tem de ter atenção às pessoas que lá vivem.

“Nós não acreditamos que possa haver preservação ou conservação da natureza se não houver cuidado e apoio às pessoas que lá vivem, que são os primeiros guardiões de todos”, disse à agência Lusa Sara Boléo.

O ano que passou foi “cheio” e “sem parar” para aquela associação, que participou nas ações de estabilização de emergência, apoiou a comunidade pastoril, começou um projeto para promover a certificação de viveiros e outro para criar ilhas de biodiversidade no território e dinamizou assembleias comunitárias nas 24 freguesias mais afetadas pelo incêndio, onde tanto se aproveitou o momento para divulgar medidas de apoio como para ouvir a população sobre os problemas que enfrentam e as soluções que gostariam de ver implementadas no terreno.

A primeira ronda de assembleias terminou no fim de junho e os contributos serão compilados e entregues às entidades gestoras do território, estando prevista uma segunda ronda para apresentar sugestões e críticas quanto ao PRSE, do qual ainda só se conhece um esboço.

Desse trabalho de auscultação, surgiram preocupações como o envelhecimento da população e o abandono das terras, ficando também clara a relação pouco pacífica com o Parque Natural, refere à Lusa a responsável.

“As pessoas não sentem que é uma mais valia viver no Parque Natural. Algumas até preferiam não viver dentro do Parque porque para fazerem qualquer coisa nas suas terras precisam de obter uma licença e é tudo muito burocrático, lento e com resposta que não vem em tempo útil”, conta Sara Boléo.

Para aquela dirigente da associação, as pessoas “sentem-se de mãos atadas e veem os gestores do Parque como um inimigo”, depois de terem assistido a um gradual desinvestimento do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) no território.

Sara Boléo olha com alguma esperança para o PRSE, considerando que é “um bom sinal” ver uma grande fatia do orçamento daquele plano estar associada ao ordenamento florestal e ao ambiente.

No entanto, a possibilidade de o plano centrar-se apenas numa perspetiva economicista da Serra da Estrela é algo que preocupa os Guardiões da Serra da Estrela, frisa a gestora de projetos da associação, notando a pressão que já hoje existe, seja por via do turismo ou da exploração de gado bovino.

“É preciso encontrar equilíbrios entre zonas que se querem produtivas e as que contribuam para a conservação. Estamos apreensivos para perceber se haverá esse tal equilíbrio”, referiu.

Filipe Sanches pertence a um grupo de cerca de 25 pessoas de Valhelhas – o mais velho estará “na casa dos 45 anos” – que decidiram criar uma comunidade nova de baldios (anteriormente geridos pela junta), após o incêndio ter devastado os 600 hectares do seu perímetro florestal.

Já criaram um pequeno bosque juvenil e avançaram com uma candidatura ao programa de Condomínios de Aldeia para alterar o tipo de vegetação que está em redor de Valhelhas.

No entretanto, estão a estudar a possibilidade de avançar com projetos de gestão florestal com privados, para mudar o paradigma, numa perspetiva que não seja “puramente económica”, disse.

Sobre o PRSE, Filipe Sanches espera que o plano possa mudar a relação do Parque Natural com as pessoas.

“As restrições colocadas pelo próprio Parque Natural desincentivam a presença das pessoas, sobretudo nas zonas mais florestais. É importante que haja pessoas. Não se pode colocar árvores e depois abandonar o território”, alertou.

Também Corinna Lawrenz, presidente da associação Veredas da Estrela, criada após o incêndio, por habitantes de duas aldeias do concelho de Gouveia, considera que é “importante o olhar a partir das comunidades”.

“Eu gostava que o Parque pudesse ser visto como algo positivo na vida das pessoas e na vida das comunidades. E, quando se vive dentro do Parque, para muitas pessoas, não é uma coisa positiva, mas sinónimo de regras e proibições pouco claras”, constatou, considerando que a serra da Estrela poderia e deveria ser “um território atrativo para as pessoas”.


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