Portugal desperdiça todos os dias mais de 400 milhões de litros de água

Mais de 400 milhões de litros de água para consumo humano são desperdiçados todos os dias em roturas e fugas nas redes municipais em Portugal.

São cerca de 19% de toda a água que é injetada nas canalizações em todo o país. Ou seja, aproximadamente um em cada cinco litros de água captada, tratada e pronta a ser consumida perde-se pelo caminho e não chega às torneiras.

Esta média nacional esconde grandes disparidades. Na verdade, dois terços dos concelhos de Portugal continental têm perdas superiores. Em cerca de uma centena, são desperdiçados mais de 30% da água. Em 45, a taxa ultrapassa os 40% e há cinco municípios onde as perdas atingem valores superiores a 50%.

Este é um dos retratos que emerge de dados detalhados sobre o consumo de água em todos os concelhos do país obtidos pelo PÚBLICO junto da Entidade Reguladora para os Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR). A maior parte dos números está disponibilizada numa aplicação para smartphones lançada pela ERSAR em setembro passado, que permite a qualquer cidadão ter acesso a uma série de informações sobre os serviços de abastecimento de água, tratamento de esgotos e recolha de lixo no seu concelho.

Os dados todos em conjunto mostram que as chamadas “perdas reais” – ou seja, a água que se esvai em avarias ou fugas – variam de 2% em Boticas a 70% em Murça, ambos no distrito de Vila Real.

O presidente da Câmara Municipal de Murça, José Maria Costa, diz que parte dos 70% não equivale a perdas reais. Uma parcela refere-se a água que é fornecida de graça, sem medição de consumo – e que normalmente deveria estar associada a outra rubrica nas estatísticas da ERSAR. “Há um conjunto de serviços municipais e instituições que não têm contador associado”, afirma José Maria Costa, citando a rega de jardins, pavilhões desportivos, cemitérios, paróquias e escolas.

“Temos consciência de que há perdas de água. Mas em 2013 reduzimo-las em 112 mil metros cúbicos”, acrescenta. Até 2012, data dos dados mais recentes disponibilizados pela ERSAR, dos 780 mil metros cúbicos de água que entravam nas redes de abastecimento do município, 546 mil metros cúbicos eram reportados como perdidos.

Mais quatro concelhos têm desperdícios superiores a 60%: Mação, Arouca, Mourão e Santa Marta de Penaguião.

No outro extremo estão alguns dos maiores sistemas de abastecimento do país. Na maior rede, a da EPAL (Lisboa), a taxa era de 7%. Em Oeiras e Amadora, foram 9% e em Cascais, 8%. Já no segundo concelho onde mais água é distribuída, Sintra, a taxa foi de 24%. E no Porto, 14%.

Tudo somado, no país todo cerca de 155 milhões de metros cúbicos de água das redes de abastecimento não chegaram às torneiras. Isto equivale a 426 milhões de litros desperdiçados em cada dia.

Os dados da ERSAR mostram também grandes disparidades no consumo de água per capita. No topo da escala estão empreendimentos turísticos servidos por sistemas próprios de abastecimento. Vilamoura, em Loulé, é o primeiro da lista, com um consumo médio de 2.117 litros de água por dia por cada um dos seus residentes. Vale do Lobo, no mesmo concelho, consome 886 litros por dia per capita e Tróia, em Grândola, 816.

Em termos de concelhos, os do Algarve são líderes em consumo. Os números são inflacionados pelo forte turismo e também pela maior concentração de moradias com jardins. Em Albufeira, a quantidade total de água gasta dividida pela população resulta em 635 litros per capita. Vila do Bispo (480), Lagoa (458), Castro Marim (445), Loulé (378) e Lagos (375) vêm a seguir.

No fim da lista está Paredes, onde cada pessoa gasta em média apenas 85 litros de água por dia – 13% do consumo de Albufeira. “Admito que haja captações privadas para uma parte da utilização da água”, afirma o presidente da câmara municipal, Celso Ferreira.

As razões são históricas e circunstanciais. Na cidade de Paredes em si, a rede de abastecimento tem já meio século. Mas no resto do concelho, onde vive a maioria dos seus 87 mil habitantes, a rede começou a expandir-se sobretudo a partir de 2001, num processo ainda em curso.

Ainda hoje, a água dos poços continua a ser utilizada por muitos. “Uma coisa é instalar uma rede de abastecimento onde os níveis freáticos são baixos. Outra coisa é instalar onde o solo é rico em água”, diz o presidente da câmara.

E com as dificuldades económicas dos últimos anos, os poços ficaram ainda mais atractivos. “É possível que a crise tenha levado a uma redução do consumo de água da rede”, afirma Celso Ferreira.

As razões são históricas e circunstanciais. Na cidade de Paredes em si, a rede de abastecimento tem já meio século. Mas no resto do concelho, onde vive a maioria dos seus 87 mil habitantes, a rede começou a expandir-se sobretudo a partir de 2001, num processo ainda em curso.

Ainda hoje, a água dos poços continua a ser utilizada por muitos. “Uma coisa é instalar uma rede de abastecimento onde os níveis freáticos são baixos. Outra coisa é instalar onde o solo é rico em água”, diz o presidente da câmara.

E com as dificuldades económicas dos últimos anos, os poços ficaram ainda mais atrativos. “É possível que a crise tenha levado a uma redução do consumo de água da rede”, afirma Celso Ferreira.

Em Paços de Ferreira, vizinho de Paredes, acontece o mesmo, mas com um fator adicional. Ali praticam-se tarifas da água que estão entre as mais altas do país. Em 2013, para um consumo intermediário, de dez metros cúbicos num mês, a fatura chegava aos 34 euros. Só na Quinta do Lago e em Vale de Lobo, no Algarve, pagava-se mais.

Muitos consumidores também continuam a valer-se de poços, usando pouco a rede pública ou nem sequer ligando-se a ela. A taxa de adesão ao sistema de abastecimento é de 79%, segundo dados da ERSAR. “Há uma resistência da população”, diz o presidente da câmara municipal, Humberto Brito, que lidera a autarquia desde 2013.

O abastecimento e o saneamento estão entregues desde 2004 a um concessionário privado, a Águas de Paços de Ferreira. Mas como a procura de água está a ser inferior à que se esperava, a empresa quer cerca de 100 milhões de euros para um reequilíbrio económico-financeiro da concessão.

Sem dinheiro para tal, a autarquia aponta outro caminho: remunicipalizar os serviços, pagando à concessionária um valor inferior. “Estamos a negociar”, afirma Humberto Brito.

Os baixos índices per capita de alguns concelhos exprimem antes males económicos do que virtudes de poupança. Um dos indicadores utilizados nas estatísticas da ERSAR é o da “água não faturada”. Aí entram tanto as perdas reais, quanto as perdas comerciais – a água consumida sem autorização, ou mal cobrada por erros de medição. Também aí está a água fornecida gratuitamente. Macedo de Cavaleiros é a campeã da água não facturada: a câmara municipal não recebe nenhum tostão por quatro em cada cinco litros que põe nas suas redes, de acordo com os números da ERSAR.

“As perdas comerciais deviam ser tratadas rapidamente, porque são fáceis de resolver”, afirma o presidente da ERSAR, Jaime Melo Baptista. As receitas seriam úteis para ajudar a combater as perdas reais, nas roturas, que exigem investimentos preventivos na rede. “Tudo isso é mais caro e mais difícil”, refere Melo Baptista.

O presidente da ERSAR diz ainda que não utilizar a rede pública de abastecimento pode ser ilegal: “O que a lei diz é que quando uma habitação tem rede disponível a menos de 20 metros, é obrigatória a ligação”.

O objetivo da lei é garantir o consumo de água de qualidade, uma medida sanitária essencial. Mas, em tempos de crise, é difícil convencer os cidadãos. E para Humberto Brito, presidente da Câmara de Paços de Ferreira, recorrer aos poços “é um direito constitucional”.


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