Docente da UBI lidera equipa de especialistas portugueses para ajudar a monitorizar erupção em Cabo Verde

Quatro investigadores levam equipamento para medir sismos e deformações no solo do vulcão da ilha do Fogo. Autoridades de Cabo Verde estão a gerir a crise “de forma exemplar”, diz geofísico.

Uma equipa de quatro cientistas portugueses já chegou a Cabo Verde para ajudar a monitorizar a erupção na ilha do Fogo, ativa desde domingo.

A equipa coordenada por Rui Fernandes, da Universidade da Beira Interior, vai colocar no terreno dez estações de sismografia e sete estações de geodesia espacial para monitorizar sismos e deformações no solo.

A equipa voou na quinta-feira ao final do dia de Lisboa para a cidade da Praia, na ilha de Santiago. Na sexta-feira, os quatro especialistas chegaram à ilha por mar, depois do cancelamento das viagens aéreas para a cidade de São Filipe, capital do Fogo, devido às cinzas lançadas pela erupção.

“Só podemos colaborar quando há um pedido e esse pedido foi feito [pelas autoridades de Cabo Verde]”, disse ao PÚBLICO o geofísico João Fonseca, do Instituto Superior Técnico (IST),  em Lisboa. O cientista faz parte do consórcio Colaboratório para as Geociências (C4G), uma das infraestruturas científicas nacionais, financiada pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), que promovem a partilha de equipamento, informação e coleções na área das geociências e reúne o saber de vários laboratórios de estado e universidades portuguesas.

O colaboratório organizou esta expedição com a ajuda da FCT em 36 horas. No terreno, os sismógrafos vão dar leituras dos tremores de terra que, em situações de vulcanismo, estão associados ao movimento de magma debaixo de terra. Por outro lado, os recetores de GPS de alta precisão, as tais estações de geodesia, dão informação em tempo real de mudanças no terreno. “Vamos monitorizar as deformações do solo e dar essa informação ao Governo”, explicou o cientista.

Estas deformações – subidas e descidas do chão – podem estar associadas ao aparecimento ou desaparecimento de magma no subsolo. E podem ajudar a “detetar zonas onde poderão abrir-se novas bocas eruptivas”, acrescentou o cientista.

Na quinta-feira, a Lusa noticiou que as sete bocas da erupção uniram-se entre si e juntaram-se ainda a uma oitava boca. João Fonseca descodifica estes fenómenos do vulcanismo: “O magma em profundidade propaga-se em filões, numa espécie de parede vertical, sobe por fissuras e vai intercetando a superfície em vários pontos.” Esses pontos onde a lava acaba por surgir são as bocas de erupção que, segundo o investigador, tendem a unir-se.

O investigador acompanhou a última erupção do Fogo em 1995, a última vez que o vulcão ficou ativo. Naquela região, as erupções tendem a ocorrer de 20 em 20 anos. E uma erupção dura, em média, dois meses. Na altura, não havia monitorização e os habitantes foram apanhados desprevenidos. Depois de 1995, o Governo de Cabo Verde implementou um sistema de monitorização com ajuda de Portugal, o que permitiu prever esta nova erupção.

“Felizmente não houve perdas humanas”, diz o cientista, falando da erupção atual. “O mérito cabe às autoridades de Cabo Verde que estão a gerir isto de forma exemplar.” Mesmo assim, a progressão da lava desde domingo já destruiu 15 residências na localidade de Portela, 14 cisternas de água, 15 currais, duas casas de apoio à agricultura e uma vasta área rural e agrícola, adiantou a Lusa.

A localidade de Portela fica em Chã das Caldeiras, uma espécie de planície a mais de 1600 metros de altitude, na grande caldeira da ilha do Fogo. No passado, esta caldeira formava um cone completo. Mas há muito tempo a parte Leste do cone desabou. Hoje, há um vulcão que atinge os 2829 metros de altitude no Leste da caldeira e é o pico mais alto da ilha.

As últimas erupções, incluindo a atual, não são provenientes deste pico, mas de zonas laterais. A erupção iniciada no domingo ocorre a oeste do pico e alastrou-se até junto das localidades de Portela e de Bangaeira, no noroeste, próximas do cone da grande caldeira que naquela parte não desabou. “A parte central de Portela não foi afetada. A grande preocupação é a frente de lava junto à aldeia”, referiu João Fonseca, acrescentando que a perda das infraestruturas existentes no interior da aldeia seria dramática.

Assim que o vulcão entrou em erupção, o Governo do país declarou a situação de “contingência” nas ilhas do Fogo e da Brava (a cerca de 25 quilómetros para oeste), o que implica pôr em prática medidas de proteção civil. A maioria da população dos aglomerados populacionais existentes na caldeira, ao todo cerca de 1000 pessoas, já foi retirada e realojada em diversos pontos da ilha.

Na quinta-feira, o primeiro-ministro cabo-verdiano, José Maria Neves, considerou que as erupções vulcânicas já atingiram o estatuto de “catástrofe”. O Governo do país pediu ajuda internacional. Portugal anunciou enviar a fragata Álvares Cabral com apoio aéreo.

“É uma experiência traumática. Mas eu esperaria que, com a resiliência da população e com a ajuda internacional, a situação voltasse ao normal dentro de meses a anos”, disse o investigador, acrescentando que se estima que a duração desta erupção esteja dentro da ordem de grandeza de dois meses. “Devemos resistir à tentação de dizer que as pessoas não voltarão a viver ali.”


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