Os cidadãos devem viver numa sociedade livre que robore os seus direitos e a sua identidade pessoal, bem como o desenvolvimento da personalidade e a consolidação da reputação, defendendo-os de todas as configurações discriminatórias.

Será que a videovigilância não está amplamente disseminada? Será que não somos filmados constantemente? Será que a nossa marcha e a nossa vida não são completamente controladas? Será que alguém questiona esta condição? Será que a era da tecnologia não permitiu e adensou esta condição? Será que existem medidas capazes de metamorfosear esta leitura?

As forças de segurança devem actuar de modo cauteloso, caso contrário podem elas próprias incorrer na prática de crimes. Contudo, e em contextos de crime, a captação e a gravação de imagens deviam ser sempre validadas e constituírem meio de prova em tribunal. Será que a lei é transparente e objectiva em relação às fronteiras da videovigilância? Será que em contextos de crime, e mesmo que não se respeite a totalidade dos direitos e dos interesses constitucionalmente consagrados, o interesse público não deve ter sempre primazia? Será que os tribunais não devem considerar a videovigilância como meio de prova mais que suficiente ou determinante para a condenação?

É seguramente oportuno destacar os princípios da legalidade e da proporcionalidade lato sensu, ou seja em sentido amplo. O princípio da legalidade alicerça-se e unifica-se na obediência à lei e na submissão à Constituição. Logo, as entidades policiais, ao efectuar a sua missão, devem garantir o apreço e o cumprimento das leis em geral. Será que os procedimentos da polícia não devem estar em consonância com as leis? Será que numa conjuntura invertida, esses procedimentos não estão submersos em ilegalidade? Qual é a dimensão negativa do princípio da legalidade? Quem esclarece o princípio da proporcionalidade?

A videovigilância encontra-se legalmente “conjecturada”, metamorfoseando-se, por essa razão, num importante mecanismo à disposição da polícia para garantir índices de segurança e de ordem pública razoáveis. Será que as forças de segurança não devem alicerçar o seu comportamento no respeito pelos cidadãos e pelas expectativas dos mesmos? Será que o princípio que defende o respeito pelos direitos do cidadão, de modo igual e imparcial, não constitui um limite ou um obstáculo ao próprio uso das câmaras de vídeo?

Os cidadãos devem ser informados quando um determinado espaço se encontra sob vigilância de câmaras de vídeo, assim como elucidados acerca do objectivo dessa captação de imagens e sons, e do responsável pelo tratamento das imagens. A Lei de Protecção de Dados Pessoais recorda e assevera a necessidade de cumprimento do princípio do respeito pelos direitos do cidadão no tratamento de dados. O princípio do respeito pelos direitos do cidadão de forma equivalente e isenta acaba por ter expressividade nos desfechos do processo penal, uma vez que cumpre ao Estado a garantia desses direitos. Será que não é fundamental respeitar os direitos elementares dos cidadãos, bem como a coerência e a harmonia de todo o sistema? Será que alguém conhece os parâmetros em que a perseguição criminal pode golpear a matéria essencial dos direitos que embrulham a liberdade, a imagem e a privacidade? Será que em matéria de segurança e de crime, não devemos imolar o “âmago” de outros direitos? Será que a videovigilância deve ser degustada como um instrumento de último recurso? Será que a utilização de imagens oriundas da videovigilância não deve ser concretizada segundo as especificidades de cada acontecimento? Será que cada acontecimento, não é um acontecimento?

A segurança, como meio de substantificar o interesse público e sendo também um direito objecto de tutela constitucional, deve agasalhar e assumir um temperamento mais vigoroso que o direito à privacidade, à liberdade e à imagem. Os cidadãos aquartelam a noção de que nenhum destes direitos é absoluto, todavia, e somente em determinadas conjunturas, o direito à segurança devia ser mais “robusto” do que os outros, mesmo desvirtuando o “centro capital” de cada um dos outros direitos. Há muito tempo que os mecanismos tecnológicos avançados amputaram o núcleo essencial da nossa privacidade. Apesar de todos estes direitos serem consagrados constitucionalmente e de qualquer um deles ser essencial num Estado de Direito Democrático, talvez seja pertinente e profícuo formular tais raciocínios e considerações. Será que estes contextos não são conhecidos por todos os cidadãos? Será que devemos tapar o sol com a peneira? Como se define o princípio da dignidade da pessoa humana? Será que a videovigilância, em cenários de crime, não deve constituir um valoroso meio de prova?

Podemos seguramente afirmar que o conceito de prova é complexo, podendo o mesmo ser compreendido em três formatos: a prova interpretada e contemplada como actividade probatória, ou seja um aglomerado de acções que procuram estruturar a convicção do magistrado acerca da existência ou inexistência de um determinado acontecimento; a prova apreciada como resultado, ou seja a convicção formada pelo juiz ao longo do processo concernente à existência ou inexistência de uma determinada situação ou conjuntura de facto; e a prova degustada como meio, ou seja como ferramenta que auxiliou a formação de uma determinada convicção.

O Código de Processo Penal, relativamente aos elementos de prova, diferencia os meios de prova e os meios de consecução de prova. Os meios de prova têm, habitualmente, “capacidade” para conceber ou alicerçar um juízo como são exemplo: as declarações das testemunhas, dos arguidos, dos injuriados e dos peritos; e os denominados “documentos” que, e embora se formem no espaço de tempo em que são produzidos no processo, são provas posteriores ao crime. Os segundos, os meios de consecução de prova, não constituem fonte de convicção do magistrado, no entanto autorizam que através dos mesmos se obtenham elementos ou declarações munidas de competência probatória e demonstrativa. Salientar que estes “instrumentos” probatórios podem ser recolhidos e compilados em qualquer estágio do processo, menos em audiência por ser o momento, por excelência, de produção de prova. Alguns exemplos de meios de obtenção de prova são: a busca, a apreensão, a escuta telefónica e a videovigilância. Será que alguns meios de obtenção de prova não podem ser também meios de prova? Será que devemos limitar ou restringir os meios de prova, bem como os meios de obtenção de prova? Quais são as provas que não estão proibidas por lei? Será que em cenário de crime, devem existir provas que não podem ser utilizadas em tribunal? Quais são os métodos e arquétipos proibidos de prova?

A esmagadora maioria dos locais onde a videovigilância está instalada não surpreende ou revolta nenhum indivíduo, uma vez que são espaços abertos ao público. Salientar que é precisamente nestes locais que a prática de crimes é mais frequente, devendo este sistema constituir um vigoroso dissuasor da prática de crimes, como também um meio de prova em tribunal. Nesta conjuntura específica, ou seja a de crime, nem sequer devia existir a possibilidade de ponderar sobre o grau de afectação dos direitos pessoais fundamentais. Será que não existe demasiada névoa em redor da videovigilância? Será que em determinadas ocasiões não metamorfoseamos o fácil em difícil; o simples em intrincado; e o óbvio em confuso?

Por decisão pessoal o autor não escreve sob as regras do Novo Acordo Ortográfico.