Quando o futebol se afasta das suas origens populares, ou seja do diletantismo, a conjunção do deleite e do contentamento vai desperdiçando cabimento para o contexto da realidade.

A história do futebol está bastante ligada ao espaço das manifestações sociais que tanto marcaram a nossa sociedade. O futebol, interpretado e admirado como talento, idoneidade, cultura popular e desporto, constitui um mecanismo de sociabilidade que paradoxalmente não desfila na sociedade capitalista, pois o mesmo transformou-se numa autêntica mercadoria pronta a ser transacionada e consumida. Os interesses individuais e “inconstitucionais” foram-se sobrepondo à dignidade do próprio desporto, o que caracterizou uma ilegalidade que acabou por injuriar as conveniências coletivas.
Em Portugal, a arbitragem no futebol está intimamente associada aos regulamentos da Comissão de Arbitragem da Liga. A Comissão é escolhida pelos clubes e sociedades desportivas, sendo responsabilidade da mesma fazer, sem “confecionar” atrás das cortinas, as nomeações das equipas de arbitragem para os jogos estruturados pela Liga Portuguesa de Futebol, bem como classificar os árbitros sempre com a “supervisão” das notas que são outorgadas pelos observadores dos jogos.
Talvez não faça muito sentido que numa atividade como o futebol, na qual se movimentam avolumadas parcelas de dinheiro, os árbitros não possuam a indumentária de profissional.
Aquando das nomeações dos árbitros para determinado jogo é necessário conhecer todo o historial do árbitro, assim como todos os “raciocínios” de escolha. Casos de putrefação no futebol português são mais que muitos. Quem não se lembra, entre outros, de José Guímaro ou de Jacinto Paixão. Tempos em que reinava o medo e o poder. A trepidez não é actualmente tão intensa, contudo o poder ainda desfila com tons bastante fluorescentes. Até quando a inverdade desportiva permanecerá no nosso futebol?
Muito se aborda o tema da corrupção no futebol português, todavia pouca matéria sumarenta, que ajude a resolver o problema, tem sido apresentada em público de uma forma oficial. É relevante delatar, uma vez que somente assim é que o futebol poderá readquirir a sua verdade e honorabilidade.
As competições futebolísticas embrulham elevadas doses de recursos financeiros e a atuação fraudulenta dos árbitros afasta e desarma inúmeras oportunidades para os clubes. Cedo se observou que os árbitros são as pessoas que efectivamente têm poder para manipular o resultado dos jogos, pois as deliberações imperfeitas retiram, por exemplo, campeonatos às melhores equipas. Na realidade as decisões dos senhores do apito não podem ser verdadeiramente impugnadas, razão que suporta a sua jurisdição, por vezes perversa, dentro das quatro linhas. Uma das “cláusulas” principais no futebol prescreve que as partidas sejam comandadas por árbitros desinteressados e neutros, porém esta “máxima” não passa de pura teoria.
Há ténues lideranças no seio do futebol, no que toca a requisitos tão importantes como a honestidade, lealdade e profissionalismo. Obviamente que essa situação acarretou, e continua a acarretar, o aparecimento de grupos bem organizados que de certa forma vão “argamassando” a sua jurisdição económica e financeira em prol da lavagem de resultados. A verdade é que parecem existir constantes permutas de interesses para adulterar os resultados, deslustrando-se o esforço e a dedicação daqueles que trabalham para o honesto desempenho dos seus clubes. A lealdade desportiva há muito tempo que não passa de uma miragem no nosso futebol. Será que este degredo não estará associado aos senhores que comandam as Comissões e Associações do futebol português?
Enquanto os malfeitores, conhecidos e identificados por a generalidade da população, não sejam condenados em moldes imparciais e exemplares, esta máquina depravada jamais será interrompida. Será que com este vestuário de corrupção, o futuro dos nossos jovens, que têm voluntariedade e determinação em dar o melhor pelo desporto, não ficará comprometido?
Quando a Polícia Judiciária inaugurou o esquadrinhamento dos “archotes” de corruptores e corrompidos que estavam embrulhados com o universo da arbitragem portuguesa, a mesma já era um lamacento e bem nutrido polvo. Os corruptos não só passaram de amadores a profissionais bem organizados, como também foram alvo de talentosas “supervisões”. Diversas firmas surgiram sem nome ou assentamento comercial, contudo rapidamente passaram a ser altamente lucrativas e isentas de tributação.
Os portugueses têm que afastar a ideia bacoca de que uma das essências do futebol é o erro de arbitragem, uma vez que falhar é congénito ao homem. Resguardando-se nas regras que os permitem fracassar, alguns árbitros tentam ludibriar os outros, perpetrando falhas premeditadas. No futebol português existem muitos vícios tingidos a tons de suborno que acabam por metamorfosear a própria história do desporto.
Como é do conhecimento geral, a marcação indevida de um lance pode constituir uma configuração que modifica a orientação de um determinado jogo, ou até de um campeonato. Esta situação vai naturalmente maleficiar alguns clubes, jogadores, dirigentes e adeptos. O triunfo no futebol, ainda que muitas vezes manufacturado nos bastidores, é sinónimo de receita e antónimo de perda.
A função social do árbitro de futebol acaba por ser a de auxiliar o incitamento da prática desportiva e do lazer, salvaguardando o cumprimento das leis de jogo através de comportamentos alicerçados na ética e na transparência. Quanto à finalidade económica, os árbitros somente deviam agasalhar a dos honorários correspondentes ao jogo apitado, pois nas regras do jogo também desfila o vocábulo probidade. O problema é a existência de um local cinéreo que se situa entre os lapsos derivados de interpretações equivocadas das regras e os procedimentos que aconchegam corrompimento. Frequentemente os prevaricadores, com a finalidade de não levantarem tantas desconfianças, actuam em jogos de “resultado óbvio”, como por exemplo em partidas em que a equipa que está no topo da tabela classificativa joga na condição de visitada.
Convém seguramente não esquecer que os direitos foram concedidos ao homem para serem utilizados num vértice que se acomode aos interesses e ambições coletivas. Em consequência dos desleais e tenebrosos comportamentos, toda a estrutura do futebol é influenciada e persuadida, acabando por perder a credibilidade. Os adeptos já não acreditam que são as melhores equipas que vencem os desafios ou que o resultado será definido pela coragem e bravura colectiva dos jogadores. Em diversas ocasiões é legítimo, e proveitoso, hastear as bandeiras da especulação e da conspiração sobre as incapacidades e conveniências que aconchegam o homem de negro.
Na realidade, os encadeamentos que aformoseiam o desporto acabam por ser exactamente os mesmos que alicerçam a sociedade. Logo, não pernoitam isentas as voltagens, interesses, orientações e distribuições que compõem as conexões sociais.
Os formatos sociais do desporto, onde a simetria de poder tem a clara propensão para não ser imóvel e uniforme, são correlativos, sendo quase inexequível raciociná-los de modo diferenciado. Ou seja, há como que uma espécie de acoplagem entre as federações, associações, clubes, árbitros, desportistas, adeptos e imprensa desportiva.
Como sabemos, o futebol quanto à sua prática é desobstruído para toda a sociedade. Neste sentido, torna-se necessário que o mesmo agasalhe normas e que se mantenha debaixo de “monitorização”. Ao longo dos tempos sempre que uma classe alcançou a hegemonia sobre um determinado grupo social, foi necessário, para a disposição não sofrer transformações, que a classe dominante instituísse um quadro de princípios a ser religiosamente aceite e seguido.
O futebol, contrariamente ao que sucede, devia proporcionar às populações a experiência da equidade social, uma vez que o mesmo alberga um conjunto de regras simples e acessíveis que todos conhecem e compreendem. Neste contexto, o futebol confirma, mas somente de forma alegórica, que aqueles que desfrutam de indicadores de mérito e de trabalho mais elevados acabarão sempre por triunfar. Infelizmente, no jogo da sociedade acontece, e de forma amiudada, que aqueles que possuem supremacia financeira empregam esse trunfo para exercer persuasão em seu próprio proveito.
Os árbitros, mesmo sendo os autores de condutas ilegítimas, não respondem directamente pelas perniciosidades causadas a terceiros, pois são amadores e não possuem qualquer vínculo de emprego. Quando apitam estão a exercer as suas funções tendo em conta as diretrizes das Comissões e Associações, entidades que são hierarquicamente superiores aos mesmos.
Devia constituir uma obrigação, por parte das entidades organizadoras do espetáculo futebol, garantir arbitragens isentas de coações e “condicionalismos” financeiros. Será fundamental fiscalizar a vida dos árbitros com o propósito de diminuir a corrupção existente, bem como não olvidar que os mesmos têm na sua boca um “silvo” altamente poderoso que eventualmente poderá oferecer suculentas somas de dinheiro.
A chegada da tecnologia ao mundo do futebol seria certamente contemplada como um cartão vermelho para todos os manipuladores de resultados, uma vez que os árbitros iriam ser obrigados a rever as jogadas polémicas, ou “pseudopolémicas”, e logo de seguida a voltar atrás com a decisão. Deste modo, não só não haveria lugar para lapsos mascarados, como também seria o fim das discussões sobre a prática de ações ilegais por parte dos árbitros.
Contemporaneamente as tecnologias somente servem para a imprensa desportiva. Esta conjuntura é de difícil compreensão, uma vez que há unanimidade em relação à ideia de que as mesmas ajudariam a terminar com os lances controversos. Infelizmente a Federação Internacional de Futebol (FIFA) impede que os árbitros utilizem este tipo de recurso.