Manutenção das Tradições o que reconverter?

Manutenção das Tradições O que reconverter? O que devemos fazer para que isso seja possível? Tal como acontece na natureza, todos os organismos vivos se regeneram e se transformam, adaptando-se ao meio que os envolve e às novas exigências ambientais. Temos que ter em atenção que, tal como as cidades onde habitamos e a sua […]

Manutenção das Tradições

O que reconverter?

O que devemos fazer para que isso seja possível?

Tal como acontece na natureza, todos os organismos vivos se regeneram e se transformam, adaptando-se ao meio que os envolve e às novas exigências ambientais.
Temos que ter em atenção que, tal como as cidades onde habitamos e a sua malha urbana/centros históricos estão em permanente reorganização. Devemos pensar as capeias e toda a sua componente, social, económica e etnográfica como variáveis em permanente mutação, sem que para tal tenhamos que deixar de ter como base o reavivar das experiências passadas.
Assim sendo e recolhendo esta experiências que o mundo nos tem vindo a ensinar ao longo dos anos, deveremos ter uma atitude consentânea e uma análise fria e serena sobre as tradições que estão apensas ao meio que rodeia as Capeias Arraianas.
Não deveremos ter uma atitude estática, esperando que o meio ou as circunstâncias acabem por corrigir aquilo que nós no momento certo não fizemos, pelas mais diversas razões. Quer por inércia, ou manifesta falta de capacidade.

Como tal aproveito para trazer a debate alguns pontos que julgo serem fundamentais para podermos repensar em conjunto o futuro desta tradição, nomeadamente:

a) SEGURANÇA
Neste caso poderemos dividir este item em dois sub itens, um que diz respeito à segurança Humana e um outro que diz respeito à segurança Animal.
1) No que diz respeito ao primeiro, começa a ser incomportável que nos tempos atuais ainda tenhamos como único elemento que assegura o tratamento e deslocação dos potenciais feridos que decorrem da prática destas atividades (isto, sem pôr de forma alguma em causa, a boa vontade dos Bombeiros Voluntários que têm assegurado este serviço durante anos a fio), não nos esqueçamos que esta prática tem um risco inerente e que alguns dos casos acabam como todos já podemos verificar, em ferimentos de muita gravidade e até inclusivamente como já aconteceu podendo levar mesmo à morte. Como este assunto é revestido de uma importância vital, e nunca tão bem dito VITAL. Deveríamos tentar providenciar os meios físicos e humanos de acompanhamento por forma a tornar mais segura, mais responsável e consentânea com os desígnios da atualidade.
Existem formas de o fazer, temos é que arranjar a maneira de operacionalizar este tipo de ação e implementá-la obrigatoriamente em todos os espetáculos que decorrem durante o mês de agosto na Zona Raiana.

2) Quanto ao segundo Sub item Segurança Animal. Tal como todos os presentes sabem… é comum existirem alguns tipos de acidentes de maior ou menor gravidade, durante o decurso dos encerros e até inclusivamente durante o maneio dos cavalos nos momentos que precedem ou decorrem do ato do deste. Pelo que, será importante refletir no exemplo que nos é dado pelos nossos vizinhos fronteiriços, onde o encerro apenas é licenciado com a presença de um veterinário que acompanha a atividade e que está vinculado durante todo o período de duração desta, ao trato e cuidado dos animais que venham a sofrer algum tipo de ferimento. Escusado será dizer que, este está devidamente equipado com meios e medicamentos para socorrer os tipos de patologias mais convencionais nestas atividades.
Tendo o concelho do Sabugal e até mais propriamente dentro da estrutura municipal, dois veterinários, porque não um deles ser estar de prevenção no local para dar cabimento a esta nossa pretensão ?????

b) DESENVOLVIMENTO DE ESTUDOS
Será fundamental, para lá do trabalho já realizado pela C.M. Sabugal no sentido de concretizar um inventariado para a candidatura PATRIMONIO CULTURAL IMATERIAL, e de trabalhos realizados por pessoas individuais desenvolver, fomentar e apoiar a realização de estudos e documentários de forma a que possamos compilar a história para que esta não se perca. Dando particular enfase a temas já debatidos como as:
1) RAIZES e NASCIMENTO das capeias.
2) Histórias e lendas.
3) Factos de interesse.
4) Personagens marcantes que figuram na memória dos Raianos, que tiveram grande destaque no desenvolvimento e manutenção das capeias.
5) Personagens nascidos na nossa área geográfica que tiveram ou têm atividades relacionadas com o mundo taurino.
6) Levantamento das características particularidades e variáveis que existem em cada uma das localidades onde existem estas tradições.
7) Levantamento e recolha fotográfica, criação de uma secção de “fotografias com História”
8) Criação de um anuário com o registo fotográfico e escrito dos acontecimentos que marcaram a temporada taurina. Sim…. Porque podemos ter a plena consciência que, existe uma temporada perfeitamente marcada e datada.

A história, simplesmente acontece, mas se não for devidamente registada, desaparece ou fica mal contada.
Não devemos permitir que a grandeza das nossas ações possa não estar devidamente documentada e aprofundada.

c) Projeto ACADEMIA
Criação de um grupo de aficionados e participantes nas atividades taurinas com capacidade de transmitir alguns dos ensinamentos. De modo a que pudessem ser ministrados “WORKSHOP’S ” para as crianças, nas diferentes aldeias. Deveriam ter como objetivo o contacto em modo de “brincadeira” com a atividade taurina raiana, focando as tradições, a história, as particularidades de cada localidade, sem esquecer as normas fundamentais da correta forma de pegar ao forcão, com particularidades e variáveis de cada posição.
Esta seria uma forma de transmitir e cimentar o conhecimento que as crianças já detêm por inércia do contacto que anualmente vão mantendo com esta atividade. Há quem diga que na nossa carga genética já existe uma variável do ADN que traz o conhecimento…..Mas… nunca é de descartar a necessidade de a melhorar e limar!!!!!
Como objetivo final poderíamos ter uma crescendo futuro, no apego às nossas tradições e ao mundo raiano daqueles que virão a ser homens desta região.
Como postura poética seria essencial voltar a ver as crianças a brincar ao “Boi” e ao Forcão, tal como a alguns de nós aconteceu em determinada altura das nossas vidas.

d) IMAGEM
Na atual era das tecnologias, onde a informação flui à velocidade de um click, devemos estar cada vez mais conscientes da necessidade da correção e do rigor como transmitidos, o que somos e qual é o nosso verdadeiro papel no seio onde nos inserimos, é fundamental termos cada vez mais veículos para fazer face a esta necessidade mas com o rigor e seriedade que lhe são inerentes. A ideia daquilo que somos e do que fazemos, é a forma como nós transmitimos aos outros essa mesma perceção. Para isso nunca é demais falar num tema que tem vindo algumas vezes a lume, mas que não tem sido substancialmente discutido.
Como por exemplo: As Praças. Qual é a sua imagem? Como que elementos a conseguimos manter? Como deveremos fazer a sua readaptação às necessidades de conforto e comodidade que são exigidas pelos espectadores. Mas de que forma é que o fazemos sem adulterar a essência?
Devemos ter imenso cuidado com as soluções usadas para o fecho das mesmas. Não deveremos perder a identidade centenária, procurando manter a sua rudeza, rusticidade, procurando um MIX de soluções que continuem a manter o ADN que as fizeram chegar até nós.
Compreendo que é uma tarefa complicada, uma vez que, temos que ter em atenção a versatilidade e a facilidade de montagem/desmontagem, assim como um incremento significativo do conforto e segurança. Mas, já foram testadas algumas soluções com interesse e que se adequam perfeitamente às exigências. Não podemos deixar que a evolução passe pela criação de grupos de módulos com tubos metálicos ao alto, simulando as vulgares praças de “PUEBLO” que abundam pela geografia Espanhola. Com as quais, não estamos de todo identificados e não são representativas dos nossos usos e costumes. A diferença foi aquilo que nos manteve até ao momento. É nessa diferença que devemos apostar, para continuar a elevar o padrão de qualidade que permitirá em tempos futuros uma digna passagem de testemunho aos nossos sucessores.

e) REGULAMENTO
Deveremos apontar para a criação de um regulamento simplificado, com as normas básicas que regem o licenciamento de uma atividade taurina. Regulamento esse que terá que ser perfeitamente flexível para não se tornar estrangulador. Mas que permitirá regulamentar setores como:
■ A gestão do tráfego nos encerros apontando para quais os indicadores de uma boa conduta no acompanhamento e visionamento,
■ A segurança e cuidado animal (toros e cavalos),
■ Horários de começo das atividades,
■ Tempo de duração da lide de cada touro.
■ Normas e condutas para um bom desempenho do touro na lide, isto é, ter em atenção as qualidades físicas dos touros a lidar, de forma a que não sejam lidados touros com manifesta incapacidade de dar um bom desempenho na atividade,
■ Objetos a serem usados durante a lide (maneio),
■ Necessidade do uso de cabrestos para recolha e devolução de touros para os “currais”,
■ A lide de touros virgens ou não,
■ O uso e regulamentação das bolas de protecção das astes dos touros,
■ O tempo de intervalo entre a lide de cada touro,
■Obrigatoriedade da permanência de dispositivos de emergência médica devidamente apetrechados para um suporte básico de vida e com capacidade para a realização de pequenas cirurgias, entre outras que deverão ser objeto de estudo mais aprofundado.

Notas Finais:
Fundamentalmente, a realidade com a qual nos deparamos hoje leva-nos a acreditar, apesar das contingências e das mutações e readaptações muito rápidas que temos que fazer face a um novo ciclo de exigências. Estamos convictos que o cenário que podemos analisar dá-nos indicações muito satisfatórias.
Porque basta uma pequena reflexão e visionamento despreocupado para me levar a dizer que:

■ Nunca tivemos “curros” de toiros de tão boa qualidade nas nossas praças.
■ Nunca tivemos tão bons pegadores ao forcão e em tão grande número.
■ Nunca tivemos tão bons corredores/recortadores.
■ Nunca tivemos tantos, nem tão bons encerradores.
■ Nunca tivemos tão boas praças e infraestruturas.
■ Nunca houve tanto conhecimento sobre touros e tauromaquia.
■ Nunca houve tanta gente tão bem informada e sensibilizada para esta atividade.

Estamos na altura certa para limar arestas, corrigir pormenores e detalhes. Os participantes já deram prova que estão a dar o seu contributo de alta qualidade e terão a perfeita capacidade para se integrarem num novo ciclo de exigências que culminará numa requalificação de levada responsabilidade.
Estamos num contexto tremendamente fértil para recolher os frutos semeados por outros. Está na altura de elevar o padrão do conhecimento das nossas tradições para lá das nossas fronteiras geográficas, com DIGNIDADE, RESPEITO E CONHECIMENTO. Reafirmo estes 3 últimos pontos, DIGNIDADE, RESPEITO E CONHECIMENTO.
Não podemos deixar que a imagem que continua a passar sobre nós seja a da desorganização e do acaso.

Não podemos, nem devemos, permitir que a evolução da nossa tradição seja fruto da casualidade. Está na altura de agir com firmeza e contundência…

João Madalena

Outubro 2012


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