Autarcas críticos da descentralização de competências, e que há um ano ameaçaram abandonar a Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP), continuam hoje a apontar diversos problemas ao processo e a afirmar que gostariam de ter uma ANMP “mais acutilante”.
Há cerca de um ano, autarcas descontentes com o processo de descentralização, sobretudo com as verbas disponibilizadas para assumirem competências na Educação e na Saúde, ameaçaram abandonar a Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) por não se sentirem bem representados nas negociações com o Governo, seguindo a Câmara do Porto, que tinha entretanto aprovado a sua saída da associação.
No seguimento das críticas, a ANMP e o Governo assinaram um acordo, em 22 de julho de 2022, sobre as áreas da Educação e da Saúde, que atualizou os termos em que estas competências seriam descentralizadas para os municípios, assim como as verbas correspondentes.
Um ano após este acordo, o presidente da Câmara de Coimbra, José Manuel Silva, que tem sido crítico da atuação da ANMP, considera que houve uma evolução positiva no processo de descentralização, mas nota que se continuam a registar diversos problemas.
As despesas administrativas e logísticas que as autarquias suportam não são contabilizadas no processo, o rácio de assistentes operacionais associados à transferência de competências na área da Saúde ainda se encontra por definir e o pagamento por parte do Governo das despesas na área da Educação tem demorado a chegar às contas das autarquias, constatou.
“O Ministério da Educação está a dever mais de 600 mil euros e apenas paga quando lhe apetecer. O Governo não está de boa-fé relativamente à descentralização. Se não, pagava as despesas à medida que estas são confirmadas”, criticou o autarca eleito pela coligação Juntos Somos Coimbra (PSD/CDS/Nós/Cidadãos!/PPM/Aliança/RIR/Volt).
Para José Manuel Silva, continua a faltar uma ANMP “mais acutilante e mais defensora das autarquias”, considerando que as autarquias não estão “suficientemente representadas” por aquela instituição.
“Se nada mudar na ANMP, mais cedo ou mais tarde, haverá outra associação”, referiu, acrescentando, no entanto, que não está a desenvolver qualquer iniciativa nesse sentido.
Também o presidente da Câmara de Pinhel, Rui Ventura (PSD), considera que a ANMP “é demasiado passiva e submissa em relação ao Governo”.
“Não tem de andar a fazer guerra, mas tem de defender os seus associados. Não me revejo na ANMP, que tem uma força que podia exercer e não tem exercido”, salientou, notando que há “um descontentamento muito grande” por parte de vários municípios na forma com aquela associação tem lidado com a pasta da descentralização.
Para Rui Ventura, face à forma como o processo foi desenhado, os municípios passaram a ser “tarefeiros do Governo, a resolver problemas com dinheiro” que não lhes é dado.
Fonte oficial da Câmara de Vale de Cambra, liderada pelo CDS-PP, realçou que o executivo camarário sempre teve “algumas reservas” quanto ao processo de transferência de competências precisamente por entender “que o envelope financeiro que as acompanhava não era suficiente para a cobertura dos custos que o município teria que assumir”.
“As transferências até agora realizadas não cumprem o acordo estabelecido”, disse, revelando que o Estado só transferiu 70% das verbas necessárias para o município desempenhar as competências que lhe foram delegadas na área da Educação, estando os restantes 30% a ser suportados pelo orçamento municipal.
A mesma fonte realçou, aliás, que “todas as rubricas que foram objeto de descentralização apresentam défice”, com os custos da descentralização a pesarem “significativamente nos orçamentos municipais, confirmando os receios que a Câmara de Vale de Cambra demonstrou desde o início deste processo”.
“Apesar de ter sido uma hipótese colocada em cima da mesa, até ao momento não foi efetuada qualquer ‘démarche’ no sentido de abandonar a ANMP”, disse à Lusa a mesma fonte.
Na Póvoa de Varzim, depois da ameaça de deixar a ANMP, em maio do ano passado, o presidente da Câmara, Aires Pereira, disse continuar “reivindicativo”, mas, embora peça um “papel mais ativo” da associação, acabou por não consumar a saída.
“É uma questão que está em ‘banho-maria’. A ANMP, depois do nosso apelo, quando foi debatida a descentralização, também deu a ‘mão à palmatória’, mas continua a haver questões por resolver”, disse o presidente da Câmara da Póvoa de Varzim.
Na altura, Aires Pereira tinha mostrado desagrado pela forma como a ANMP tinha conduzido o processo de descentralização, apontando “a necessidade de haver um reforço de verbas que defenda a sustentabilidade do processo”.
“Hoje mesmo, o Governo está em falta com pagamentos aos municípios, e gostava de ver um papel mais ativo da ANMP. Por isso, continuo reivindicativo, porque, até a situação ser acautelada, há sempre um caminho para continuar a levantar questões”, apontou o autarca poveiro, eleito pelas listas do PSD.