Projeto português que luta pelo peso certo das crianças

Nos últimos anos, os portugueses modificaram o seu estilo de vida, passaram a ter comportamentos alimentares menos saudáveis – com elevados consumos de energia e calorias, açúcares rápidos, gorduras e sal, e consumos decrescentes de cereais completos e de hortofrutícolas –, mas continuaram com níveis reduzidos de atividade física.

Portugal é, também, um dos países da Europa com maior prevalência de excesso de peso e obesidade infantil: uma em cada três crianças com idades compreendidas entre os seis e os oito anos tem excesso de peso. Nos últimos tempo, porém, um estudo COSI Portugal observou-se um aumento do número de crianças que apresentam desnutrição e baixo peso.

“Em tempos de constrangimento económico a malnutrição infantil constitui um dos mais sérios problemas de saúde pública que o país enfrenta, uma vez que determina a perda de qualidade de vida e eventual mortalidade prematura”, explicou ao Green Savers a investigadora Ana Rito, presidente da direção do CEIDSS (Centro de Estudos e Investigação em Dinâmicas Sociais e Saúde) e uma das dinamizadoras do projeto MUNSI, um programa de promoção da saúde infantil em municípios.

O projeto pretende oferecer uma resposta interventiva e interativa à problemática da malnutrição infantil e tem a sua vertente prática nas autarquias. “O papel das autarquias é determinante. Procuramos a sua prevenção, ao nível municipal, com base em ações contínuas e sustentáveis por períodos mínimos de quatro anos”, garantiu Ana Rito.

O principal objetivo do programa consiste em retardar a progressão da malnutrição infantil em Portugal, envolvendo a comunidade. Tendo como base dois níveis de intervenção – primária e secundária – o projeto articula-se com o governo nacional e governos regionais e locais, Centros de Saúde, ONG, parceiros privados, redes de associações, sociedade civil, media e universidades

Hoje, o MUNSI dirige-se a uma rede de 29 municípios portugueses – a Rede Portuguesa de Cidades Saudáveis,– através de ações multidisciplinares. Nos últimos seis anos, o projeto chegou a 10 municípios e 6.000 crianças de todo o país. “Só no ano de 2015 foram promovidas, no município de Oeiras, atividades que envolveram 18 escolas, 1120 alunos e 36 professores do 1ºciclo do Ensino Básico”, avança Ana Rito.

De acordo com a investigadora, o MUNSI segue a metodologia do programa francês EPODE, que se fundamenta em estudos de base científica e demonstra que é “possível reverter a situação através de ações ao nível comunitário”.

Segundo a responsável, o programa MUNSI assenta em três pilares essenciais: Intervenção, através de planos de ação coordenados e abordando uma ou mais temáticas por ano com um prazo mínimo de quatro anos; comunicação, com mensagens positivas passadas repetidamente através de uma comunicação com grande impacto mediático; e a avaliação científica, realizada através de uma comissão multidisciplinar de peritos que avaliarão e validarão todas as ações e materiais do programa.

O MUN-SI é destinado a crianças, adolescentes e respetivas famílias nos seus espaços comunitários e actua ao nível da prevenção da malnutrição infantil. Nas atividades em ambiente escolar, as crianças são os principais actores de modulação comportamental e a intervenção é realizada através de ações lúdico-educativas adequadas à idade, com o objetivo de incorporar conceitos sobre estilos de vida saudável, resultando não só na alteração de comportamentos nas crianças mas também na sua ação enquanto principais pivots no espaço familiar. “A prevenção secundária, direcionada para crianças com desnutrição, pré-obesidade ou obesidade, é desenvolvida por profissionais de saúde, que intervêm junto das crianças, adolescentes e suas famílias, através de um programa que segue uma metodologia de sucesso”, concluiu Ana Rito.

Desenvolvido por sete profissionais – um investigador principal e seis nutricionistas -, que são coadjuvados por um técnico municipal e um responsável escolar, o projeto veio para ficar e já angariou cinco novos municípios para 2016. E, recentemente, ainda recebeu a 1ª menção honrosa no Food & Nutrition Awards, na categoria de Mobilização

“BAIXO NÍVEL EDUCACIONAL DOS PAIS ESTÁ LIGADAO A MAIOR OBESIDADE INFANTIL”

Quais as principais conclusões que retiraram deste projeto e como é que estes dados podem ser trabalhados para melhorar a saúde infantil portuguesa?

Ana Rito – As principais conclusões prendem-se com a eficácia que a implementação de programas de base comunitária têm na promoção da saúde e na prevenção da malnutrição infantil. Algumas dessas conclusões estão evidenciadas em alguns papers publicados em revistas nacionais e internacionais. Podemos citar como exemplo o estudo feito no âmbito do MUNSI em que se avaliou a associação do estado nutricional infantil avaliando com o estatuto socioeconómico (SES). Os resultados mostraram que o baixo nível educacional dos pais pareceu estar associado a uma maior prevalência da obesidade infantil, demonstrando, assim, que o baixo SES é um fator de risco importante no desenvolvimento da obesidade infantil na população Portuguesa. Os resultados verificados comprovam que a obesidade infantil e dietas pobres estão inversamente relacionadas com o rendimento familiar e suportam a ideia de que as intervenções comunitárias de base familiar ao nível local são necessárias para combater a obesidade.

No estudo POZ, um estudo de intervenção multidisciplinar, de base comunitária em crianças com excesso de peso, de famílias de baixo estatuto sócioeconómico, em contextos escolares e familiares, focando principalmente na promoção de estilos de vida saudáveis, verificamos que cerca de 80,5% das crianças intervencionadas reduziram o seu percentil IMC/idade. Os resultados suportam que programas como o POZ são uma intervenção promissora, a nível municipal, no combate ao excesso de peso e obesidade na infância. 

Como é que os municípios receberam este projeto e que medidas tomaram para melhorar a saúde infantil dos seus cidadãos?

Ana Rito – A implementação do Programa MUN-SI representa um ganho potencial por município em vertentes tão distintas como o rastreio do estado nutricional infantil de toda a população escolar do 1º ciclo do Ensino Básico, o aumento da literacia em alimentação e nutrição das crianças, dos profissionais de educação e de saúde, o contributo para a sustentabilidade do projecto ao nível local através da participação de técnicos municipais, o mapeamento do estado da oferta alimentar nas cantinas das escolas dos municípios participantes, que se traduz em termos práticos na diminuição da prevalência de desnutrição, pré-obesidade e obesidade infantil.

As seis temáticas principais (Escola Saudável; Comunicação Informação e Sensibilização; Investigação; Cidade Ativa; Formação em Nutrição de Profissionais de Saúde e de Educação e Família) são discutidas em cada município e a estratégia assumida com cada um é a de beneficiar todos os agentes envolvidos, através de uma participação multidisciplinar que por sua vez assegura o carácter sustentável do projeto. Desde os técnicos municipais até às famílias, o aumento da literacia em saúde e nutrição contribui decisivamente para a adoção de estilos de vida saudáveis melhorando, por sua vez, os aspetos sociais e económicos  e ainda ambientais da comunidade envolvida. O programa MUN-SI tem assim contribuído para  a formação de comunidades mais saudáveis, mais informadas em saúde, que utilizam melhor os seus recursos, que são mais produtivas e nesse ciclo positivo, melhoram não só os aspectos sócio-económicos mas igualmente o ambiente comunitário onde se inserem.  De salientar que as actividades são realizadas utilizando os espaços e recursos ambientais naturais de cada município contribuindo assim de forma directa e sustentável para o programa local de saúde.


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