“Um presidente de câmara, ou que queira ser e que não tenha uma visão…”
“Um presidente de câmara, ou que queira ser e que não tenha uma visão da importância das associações florestais, nunca deveria ser eleito”
Aproxima-se o dia 6 de Agosto e com ele a data em que um grupo de proprietários liderados por Luís Osório criaram a URZE (Associação Florestal da Encosta da Serra da Estrela), que actua nos concelhos de Gouveia, Seia e Manteigas. Dez anos passaram e ainda hoje o actual presidente, José Mota, se interroga como “fomos capazes de fazer tantas coisas, em prol da gestão, ordenamento e valorização do património florestal”, mas com a consciência de que “está quase tudo ainda por fazer”.
Nova Guarda (NG) – Naturalmente começamos por perguntar que balanço faz destes dez anos de existência da URZE?
José Mota (JM) – Temos mesmo que fazer um balanço positivo destes dez anos. Não estamos é satisfeitos e na carta que enviámos aos associados demos conta do muito trabalho que realizamos, mas com a consciência de que está ainda tudo por fazer. Na floresta, o que é feito hoje, amanhã volta ao princípio, nomeadamente em termos de silvicultura e de lavouras na própria floresta. O facto de há dez anos não existir uma estrutura que apoiasse o proprietário florestal e dez anos depois dizer que ela existe e que passou de 22 sócios para mais de 850 é porque alguma coisa fizemos.
NG – No País e na Região acordou-se muito tarde para a gestão das florestas?
JM – Em Portugal nunca houve por parte dos Governos, seja ele qual for, uma directriz clara do ponto de vista das florestas de apoio ao proprietário. Se há consciência de que mais de 85 por cento é propriedade privada, era necessário encontrar politicas para um sector que é maioritariamente privado. Começaram a surgir tenuemente há quinze anos e mais fortemente no segundo e terceiro quadros comunitários, uma vez que neste último havia apoios claros ao financiamento de movimentos associativos florestais e à floresta.
NG – Quais as actividades que realizam?
JM – Nestes 10 anos de existência temos procurado afirmarmo-nos como agente de desenvolvimento local/regional, de apoio aos proprietários na valorização do património florestal, de que é exemplo a criação do Núcleo da URZE em Seia. Neste período, centramos a nossa actividade na melhoria dos espaços florestais, na florestação e reflorestação de áreas ardidas, reduzindo o risco de incêndio e na criação de uma cultura florestal. Realizamos mais de 100 sessões de informação e esclarecimento sobre a importância dos espaços florestais e sobre os apoios financeiros à floresta. Promovemos várias acções de formação na área silvícola a associados, realizámos Jornadas técnicas e Seminários sobre a temática florestal, e prestámos apoio às escolas no âmbito da educação e sensibilização ambiental. A gestão florestal, é desde 2005, a grande aposta da URZE. A criação das Zonas de Intervenção Florestal (ZIF) constitui a mais importante medida política de gestão florestal da última década. Encontram-se constituídas no concelho de Gouveia quatro das cinco planeadas, pela URZE, para o concelho, (Alfátima, Farvão, Aljão Mondego e Gouveia Este). Já no concelho de Seia das sete planeadas pela URZE, só uma se encontra já aprovada, a ZIF Serapitel. Garantida está já a aprovação de mais três o que faz um total de oito. Fazemos trabalho social com a Empresa de Inserção Social criada em 2007 em parceria com o IEFP, que veio dar resposta ao crescente número de desempregados e proporcionar aos proprietários florestais, mais e melhores serviços. Tal medida permitiu de imediato a criação de 5 postos de trabalho. Os Viveiros Florestais de Folgosinho, foi outra aposta. Criados na década de 60, encontrava-se em 2005 num estado de completo abandono. A cedência de gestão à URZE, permitiu transformar este, num espaço moderno de produção de plantas autóctones e adaptadas à montanha. São produzidas anualmente cerca de 50000 plantas micorrizadas, (castanheiros e carvalhos), utilizadas na sua grande maioria na florestação da Serra.
NG – A URZE é uma Organização Não Governamental do Ambiente. Em termos práticos significa o quê?
JM – A URZE é a única associação no País com o estatuto de Organização Não Governamental do Ambiente (ONGA). E há dois meses deixamos de ser uma ONGA local para ser regional. Para a URZE é uma forma de reconhecimento por um trabalho que faríamos de qualquer das formas, sendo ou não sendo Organização Não Governamental do Ambiente, mas que não estando vocacionados para a educação ambiental nós fazemo-lo por acharmos uma necessidade e com o maior gosto. Fazemos durante o ano inteiro e traduz-se em contactar as crianças desde o pré-escolar ao secundário, sensibilizando-os para o papel da floresta em termos de equilíbrio ambiental, conservação do solo, qualidade do ar, da pesca e recursos hídricos. Quanto melhor qualidade tiver a nossa floresta, melhor é a qualidade da água que se bebe. Porque muita gente esquece-se que a Serra da Estrela dá de beber a muita gente. A floresta tem diversas vertentes em termos de valor financeiro, a madeira por exemplo, mas há um valor económico que não tem sido contabilizado e que na Serra da Estrela é maior que o outro.
NG – Em termos de apoios, como vive a URZE?
JM – Gostaríamos de fazer muito mais em termos de educação ambiental, mas não temos apoios, nem em termos governamentais e o financiamento por parte da autarquia é zero e é uma associação que emprega 32 pessoas.
NG – Como é feita a gestão da URZE?
JM – Esta é uma associação sem fins lucrativos e quando ela deixar de ser, esta estrutura deixará de fazer sentido. Existe todo um conjunto de dirigentes voluntários que dão graciosamente o seu tempo para esta casa e são o rosto visível dela. Vivemos dos serviços que prestamos aos associados. Nós geramos 40 a 50 por cento da despesa que temos e o resto é financiado pelas equipas de Sapadores Florestais e através de projectos e candidaturas a fundos comunitários. Os grandes gastos são para o pagamento de salários.
NG – A Associação vive de ‘boa saúde’ financeira?
JM – Estamos de boa saúde. Não temos dinheiro, mas não temos dívidas. Existem momentos em termos de tesouraria, por atrasos de pagamento de serviços ao próprio Estado, complicados, mas neste momento não temos razão de queixa.
NG – Já se olha para a floresta de forma diferente?
JM – Na Serra da Estrela a floresta é muito mais que produzir madeira. Na Serra falamos de uma floresta de ambiente, de paisagem e de turismo e o principal objectivo terá de passar pelo aspecto hídrico e de conservação dos solos. É preferível o dinheiro ser investido na plantação na Serra da Estrela do que depois estar a jusante gastar em desassoreamento. Na Serra da Estrela terá de passar por uma outra coisa, que é a vertente do uso múltiplo da floresta. Isto é, o proprietário não pode continuar a gastar as suas poucas economias na floresta quando sabe que aquilo que vai produzir já não é para si, mas entretanto ele vai contribuir para benefícios que toda a sociedade vai usufruir. Esses benefícios têm de ser pagos e é ao Estado que cabe fazer este pagamento, uma vez que os proprietários fazem Serviço Público. O proprietário não tem tido a contrapartida que deveria ter. Estão abertas as candidaturas a novas plantações e os apoios são de 70 por cento no máximo e com estes valores será muito difícil convencer o proprietário a investir. Todos temos o dever de fazer floresta para os outros, mas o proprietário não tem recursos financeiros para o fazer e daí o abandono das florestas. Eu sou contra financiamentos a cem por cento, mas 80 a 90 por cento já era aliciante. Se não formos para esses apoios será difícil cativar os proprietários.
NG – Disse que as ZIF são um importante instrumento de gestão florestal…
JM – Com as Zonas de Intervenção Florestal, a URZE será a maior entidade gestora dos concelhos de Gouveia e Seia, no território não urbano. Cerca de 45 mil hectares, o que significa que é preciso ter capacidade de gestão e que os apoios às infra-estruturas não faltem, senão está tudo falido. Pela primeira vez temos a oportunidade de gerir a propriedade de uma forma agrupada. A floresta só é gerível se tiver dimensão. O proprietário é livre de aderir ou não ao projecto, mas o que não pode é colocar em causa o território do vizinho. Está prevista na própria lei a obrigatoriedade de o proprietário, que não aderir á ZIF, cumprir os regulamentos para manter a sua propriedade limpa. As ZIF têm dois instrumentos determinantes para a sua gestão que é o Plano de Gestão Florestal e o Plano de Defesa da Floresta Contra Incêndios. Nós adiantamos mais um que é o plano de Salvaguarda do Património Arqueológico. O problema é como motivar o proprietário, mas não podemos pedir mais de dez por cento para investir. As ZIFS são o maior instrumento de Politica Florestal feita nos últimos dez anos e pode dar a volta ao problema da fracção da propriedade e de gestão. A entidade não se vai substituir ao proprietário, só o faz se ele autorizar. Têm um regulamento interno, plano anual e orçamento. Temos o instrumento capaz de colocar este território, até agora abandonado, minimamente organizado e gerido, mas não nos podem faltar os meios financeiros e aqui ainda muito menos porque fazemos uma floresta com benefícios indirectos que toda a sociedade vai gozar e nada tem contribuído para isso.
NG – Desafios para o futuro?
JM – Temos no nosso lema um grande desafio que é uma questão de cultura florestal que não temos. Isto é uma mudança de comportamentos que não muda de imediato, mas que temos de iniciar. Os 822 sócios demonstram algo, mas isto acontece porque não é o proprietário que vai a URZE, mas a associação que vai ter com os proprietários. A fileira florestal é um sector com uma amplitude enorme em termos de empregabilidade e de criação de riqueza e que não temos sabido aproveitar. O nosso número de trabalhadores pode duplicar, assim se invista na floresta. A floresta é uma fonte de riqueza, uma forma diferente de encarar a vida rural. Nós só podemos olhar para a zona rural se soubermos olhar para a floresta, e assim mantermos as pessoas nos locais e isso faz-se com emprego. Temos de ajudar o proprietário a encontrar formas de rendimento que até aqui não tinha e esse é o nosso grande desafio. Falo da produção de cogumelos, mas para isso tem que haver floresta, da apicultura, da caça e da biomassa florestal.
NG – Quais foram as maiores dificuldades encontradas ao longo destes dez anos?
JM – Esta função é um tipo de sacerdócio. A maior dificuldade foi a de chegar junto dos proprietários, mas com o tempo e com a persistência fomos conseguindo. Nos últimos oito anos o relacionamento com o Município de Gouveia, não tem sido o melhor. Por vezes colocam entraves. Quando nos querem ceder os hortofotomapas em troca do serviço dos Sapadores Florestais, pedir isso a uma associação sem fins lucrativos e que faz um Serviço Público… A URZE é a única associação do País que não recebe um cêntimo do Município de apoio às Equipas de Sapadores Florestais. Andámos três anos a ter prejuízo com as equipas de sapadores porque não queríamos que o valor pago pelos associados aumentasse, mas não tivemos alternativa e tivemos de aumentar. Eu costumo dizer que um presidente de câmara ou que queira ser, e que não tenha uma visão da importância das associações florestais, do benefício e do Serviço Público que fazem, esses senhores nunca deveriam ser eleitos. O mais caricato deste município é que na ZIF do Farvão, o Município que tem uma área de 300 hectares não aderiu. Este processo que demorou quase dois anos, com essa área era mais fácil. Tivemos de bater a mais portas para que o processo tivesse culminado com êxito. As associações devem ter um bom relacionamento com os municípios, mas a URZE não é criada de ninguém, pelo menos enquanto eu for presidente. Um outro problema é as Equipas de Sapadores Florestais que não viram a questão dos apoios serem revistos. Desde que foram criadas não houve alterações. É das maiores medidas tomadas, mas tem de ser revista do ponto de vista do financiamento, do serviço público e da formação.
NG – Qual a maior prenda que gostariam de receber no décimo aniversário da Associação?
JM – A grande prenda era um espaço onde conseguíssemos colocar a nossa maquinaria e a pensar até em novos projectos. Um espaço que nos permitisse crescer com tranquilidade. Já manifestei esta necessidade à autarquia. Nós concorremos a um concurso para um lote na zona industrial, criando seis postos de trabalho, e foi entregue a outra entidade a criar menos empregos.
Por: Eduarda Pereira