O INE publicou recentemente, nas últimas Estatísticas da Cultura em Portugal. Como são sempre publicadas com algum atraso são referentes a 2019, ou seja, pré-pandémicas. Neste sentido é interessante ver como se portou o sector e usar os seus valores como padrão para aferir, a posteriori, as alterações ocorridas nos anos de 2020 e 2021 – nomeadamente para ver as perdas causadas pela hecatombe provocada pela pandemia SARS-CoV-2. Vão ser vistas as despesas em cultura das CMs, a sua evolução ao longo dos 10 últimos anos, a sua repartição geográfica por grandes regiões e por área cultural, os preços dos espetáculos, o tipo de espetáculos que atrai mais público, a que gera mais receitas e os diferentes museus e o tipo de clientela que mais os procura. Regista-se o ainda fraco investimento que se faz no país em cultura e artes criativas, talvez porque os nossos decisores políticos ainda não se terem apercebido que o sector cultural é uma grande vector de desenvolvimento estratégico pois representa, nas principais economias do mundo, entre 8 e 10% quer do valor acrescentado bruto quer do emprego.
Segundo estas estatísticas do INE, as câmaras municipais gastaram 519 milhões de euros, em 2019, em atividades culturais e criativas. Este valor representa mais 49,2 milhões de euros do que os gastos do ano 2018 e +10,5% das despesas em Cultura e Atividades Criativas face a 2018. As áreas que mais contribuíram para esse aumento foram as do património cultural (com um crescimento de 16,8 milhões de euros), das atividades interdisciplinares (com mais 15,8 milhões de euros) e das artes do espetáculo (com mais 11,7 milhões de euros)”.
No período de uma década, 2019 foi o ano em que o poder autárquico mais despesa inscreveu em Cultura. De facto, em 2010 tinham sido gastos 434 milhões de euros. O ano de menor despesa municipal na área cultural foi o de 2014, com 354 milhões de euros. Mas apesar do aumento registado em 2019, as despesas em atividades culturais e criativas tiveram um peso médio de ‘apenas’ 5,9% no total do orçamento dos municípios. Por grandes regiões, autarquias que mais gastaram em Cultura foram as do Alentejo (7,6%), da região autónoma dos Açores (6,7%) e da região Centro (6,6%). Por sua vez as que menos gastaram nestas atividades Culturais foram a região Autónoma da Madeira (4,7%), a área Metropolitana de Lisboa (5,2%), a região Norte (5,5%) e a região do Algarve (6%). Dos 519 milhões de euros repartidos por áreas, em 2019, as câmaras municipais afetaram 148,2 milhões de euros às atividades interdisciplinares – incluindo aqui o apoio às diversas entidades. As autarquias afetaram-se ainda 133,9 milhões de euros às artes do espetáculo e 111,8 milhões de euros ao património cultural.
Da publicação do INE se vê que os espetáculos ao vivo geraram 125.3 milhões de euros de receitas em 2019, um acréscimo de mais 15% face a 2018 pois nesse ano faturaram-se 109 milhões de euros. Esta subida fica a dever-se sobretudo a dois fatores: à venda de mais bilhetes e também à subida dos seus preços. Segundo este relatório anual de Cultura, em 2019 realizaram-se 37.049 sessões de espetáculos ao vivo (música, teatro, dança, atividades multidisciplinares, folclore, circo). Este nº representa um ligeiro aumento de 1,2% face a 2018. Mas em termos de assistência aos espetáculos praticamente não houve alteração: 16,9 milhões de espetadores. A subida média do preço dos bilhetes foi de 5,8% – o preço médio unitário passou de 19,7 euros em 2018 para 20,8 euros em 2019. Dos 16,9 milhões de espetadores, seis milhões compraram bilhete, o que representa um aumento de 8,9% face a 2018. Houve ainda uma diminuição de 3,9% nos bilhetes oferecidos, para um total de 10,8 milhões. Por regiões, é na região Centro que o acesso aos espetáculos ao vivo é mais barato, com os bilhetes a custarem em média 7,8 euros. Por sua vez a Área Metropolitana de Lisboa é a mais cara, com o bilhete a custar, em média, 28,3 euros. Seguem-se a região do Alentejo (21,9 euros) e a região Norte (14,6 euros).
Podemos ainda acrescentar que o teatro é a atividade com mais sessões ou récitas. De facto, em 2019, o teatro voltou a ser o espetáculo ao vivo com o maior número de sessões – 13.516, correspondendo a 36,5% do total. Contudo, foi a música a que registou mais espetadores, 9 milhões, e gerou a grande fatia das receitas, com 98,5 milhões de euros. Analisando por regiões, das 37.049 sessões de espetáculos ao vivo, a Área Metropolitana de Lisboa foi a que acolheu mais eventos culturais, totalizando 12.282, seguindo-se a região Norte, com 10.165 sessões, a região Centro, com 8.229, o Alentejo, com 2.879, o Algarve, com 1.544, a Região Autónoma da Madeira, com 1.322, e o arquipélago dos Açores, com 628. No entanto, em assistência, a ordem inverte-se: em 2019, dos 16,9 milhões de espetadores registados, a região Norte totalizou 6,6 milhões de bilhetes emitidos, seguindo-se a área metropolitana de Lisboa, com 4,5 milhões de espetadores. Em 2019, foram contabilizados 388 recintos de espetáculos ao vivo, o que representa um aumento de 6,6% face a 2017. Isto porque os dados são revelados a cada dois anos. Aqueles recintos oferecem uma lotação de 257.400 lugares. A lotação média dos recintos registados foi de 440 lugares em 2019. Quanto à exibição de cinema em sala, foram registados 15,5 milhões de espetadores e 83,2 milhões de euros de receita de bilheteira, o que representou um aumento de mais de 5% em relação a 2018.
Outros dados interessantes do sector cultural dizem-nos que existiam em Portugal 436 museus no ano de 2019, mais 48 instituições do que em 2015, que foram visitadas, em 2019, por 19.777.691 pessoas, mais 6.117.023 visitantes do que há cinco anos. Por sua vez foram os museus dedicados à arte os museus mais visitados, pois registaram quase um terço das visitas, com 6 009 392 pessoas. A seguir vêm os museus de história, com 5 336 894 entradas. Mas os museus portugueses menos procurados são os dedicados às ciências naturais e à história natural que receberam, em 2019, 402 449 visitantes. Quanto ao consumo de Cultura, em 2019, os museus receberam 19,8 milhões de visitantes, um ligeiro aumento de 1,5% face a 2018. Foram os visitantes estrangeiros os principais clientes: representaram mais de metade (52,3%) do total dos visitantes de museus nesse ano de 2019.
Repartição das despesas em Cultura
As Despesa das Câmaras Municipais em cultura e desporto dividem-se em correntes e de capital. O seu montante global em 2019, segundo o Inquérito ao Financiamento das Atividades Culturais, Criativas e Desportivas pelas Câmaras Municipais (INE), ascendeu a 839.247,1 milhares de euros, dos quais 84.7% (711.043 milhares de euros) são despesas correntes e os restantes 15.3% (128.204 milhares) são despesas de capital ou investimento. A tendência, nos últimos anos, tem sido de crescimento tanto em termos das despesas correntes como das de capital.
Gráfico: Evolução da despesa geral das autarquias em Cultura (103 euros)
Os despesas correntes em cultura incluem património cultural (€80.2×106, 9.6%), bibliotecas e arquivos (70, 8.3%), livros e publicações (8.2, 1%), artes visuais (9.4, 1.1%), artes do espetáculo (118.1, 14.1%), audiovisual e multimédia (9.6, 1.1%), atividades interdisciplinares (139.4, 16.6%), atividades desportivas (257.3, 30.7%) e outras (18.7, 2.2%). O valor total desta rubrica ascendeu a €711 M€ ou seja, os tais 84.7% das despesas totais em cultura.
Gráfico Evolução das Despesas Gerais e Correntes em Cultura das Autarquias (103 €)
As despesas totais em capital em 2019 ascenderam a 128.2M€ (15.3% das despesas gerais), e repartiram-se assim: património cultural (31.6M€, 3.8%), bibliotecas e arquivos (4.4M€, 0.5%), livros e publicações (0.2M€, 0%), artes visuais (2.0M€, 0.2%), artes do espetáculo (15.8M€, 1.9%), audiovisual e multimédia (0.4M€, 0.1%), atividades interdisciplinares (8.8M€, 0.1%), atividades desportivas (62.9M€, 1%) e outras (2.1M€, 0.3%).
Despesas em cultura e desporto (%) nas nuts da Beira Interior (BSE-Beiras e Serra da Estrela e BB-Beira Baixa)
As despesas em cultura e desporto na sub-regiões das BSE-Beiras e Serra da Estrela (nuts III) e da BB-Beira Baixa, em proporção da despesa total, podem ver-se no quadro abaixo (anos 2001 e 2018). Os valores oscilam muito de município para município e de ano para ano. Por municípios as proporções vascilaram entre 2.4% do Fundão e Meda em 2001 e 27.7% de Celorico da Beira no mesmo ano; no ano de 2018 oscilaram entre 2.7% de Celorico da Beira e 21% de Pinhel. Por nuts III da BI-Beira Interior os valores oscilaram entre 9.8% (em 2018) e 11.9% (em 2001) na sub-região das BSE e entre 10.3% (em 2001) e 14.8% (em 2018) na nut da BB. Um concelho que, nos últimos anos tem apostado grandemente na cultura e desporto da nut BSE e que se regista pela positiva é o de Belmonte que reservou para esse fim 19.7% e 21% da despesa em 2001 e 2019, respetivamente. Os restantes municípios parecem estar um pouco adormecidos ao não perceberem a importância estratégica da Cultura e artes Criativas para o desenvolvimento. Apesar do imenso património de que dispõem que não é, assim, convenientemente valorizado.
Tabela: Despesas em cultura e desporto em % das despesas totais por municípios e nuts III da Beira Interior