Estudantes do ensino superior devem mais de 200 milhões de euros aos bancos

Sistema de garantia mútua lançado há seis anos chegou ate agora a 20 mil alunos, um terço dos quais é simultaneamente bolseiro. Valor dos empréstimos em incumprimento é de 8,5 milhões de euros. Estudantes queixam-se que é cada vez mais difícil pagar o crédito

Há uma data que não sai da cabeça de Sofia: outubro de 2014. É nessa altura que começa a pagar ao banco o empréstimo que pediu para estudar. A partir de então, terá que encontrar 300 euros mensais para devolver os 20 mil euros que lhe foram disponibilizados para conseguir concluir o seu curso Relações Humanas e Comunicação Organizacional no Politécnico de Leiria. O seu caso é apenas um entre os de 20 mil pessoas, ainda estudantes ou já diplomados, que recorreram ao sistema garantia mútua lançado há seis anos.

“Encaro essa data com pânico”, confessa. Tem 31 anos, terminou o curso no final do ano passado, e ainda não consegue encontrar emprego na sua área de formação. Decidiu, por isso, lançar uma empresa própria, para criar um restaurante de soul food na Lourinhã, onde vive. O projeto está ainda a dar os primeiros passos e Sofia diz o que pensa “frequentemente”: “Como vou conseguir pagar o empréstimo?”

Num país em que a taxa de desemprego jovem não tem parado de aumentar – 35,4%, a terceira taxa mais alta da OCDE –, escasseando as dificuldades de emprego, os diplomados que recorreram a estes empréstimos têm cada vez mais dificuldades em pagar, ainda que o incumprimento esteja em níveis residuais. Ao todo, ao abrigo do sistema de garantia mútua, os jovens portugueses devem mais de 200 milhões de euros à banca.

O PÚBLICO lançou esta semana um apelo aos seus leitores, tentando encontrar casos de pessoas que tenham recorrido a estes empréstimos para completar uma formação no ensino superior. Nas primeiras 24 horas, chegaram ao jornal cerca de 200 contributos de estudantes. Depois disso, os e-mails continuaram a entrar. Entre eles, uma questão-chave: a dificuldade que têm em encontrar meios para pagar de volta aquilo que receberam.

É o caso de Cláudia Duro, 25 anos. Formou-se em enfermagem e para pagar o empréstimo pedido em 2008 teve que encontrar um emprego. O melhor que conseguiu foi um part-time de quatro horas diárias num hipermercado. Ricardo Rocha, 27 anos, licenciado em Psicologia Aplicada, tem que trabalhar em dois empregos, num total de 11 horas por dias. Entra às 8h30 no trabalho a full time e só sai às 21h00 do part-time. “Praticamente deixei de ter vida própria”, diz.

Há outra expressão que se repete entre as centenas de contributos recebidos nos últimos dias: emigrar. Muitos dos que ainda estão a estudar ou acabam de chegar ao mercado de trabalho, estão a pensar fazê-lo face às dificuldades de encontrar um emprego. Outros já o fizeram, como José Nogueira, que foi para Londres há um ano e meio, onde trabalha para a empresa de catering do British Museum. Foi a única maneira de começar a devolver o dinheiro ao banco. Tem 27 anos, uma licenciatura, terminada em 2010, em Artes Visuais – Fotografia, na Escola Superior Artística do Porto, mas nunca conseguiu arranjar emprego para começar a pagar a prestação de 242 euros com que se comprometeu.

O sistema de empréstimos como garantia mútua é subscrito pelo Estado, que funciona como fiador, pelo que não exige recurso a garantias patrimoniais. A aprovação é quase imediata, com taxas de juro e spread reduzidos, que têm bonificações em função das notas dos alunos. Quem tem média inferior a 14 valores, terá um spread de 1%, que pode ser reduzido para, no máximo, 0,2% para os estudantes com média igual ou superior a 16. O montante do empréstimo poderá variar entre 1.000 e 5.000 euros por ano, com um máximo de 25 mil euros para os cursos com cinco anos de duração.

Apesar dos retratos de dificuldades, o incumprimento dos estudantes que recorrem ao crédito com garantia mútua não chega sequer aos 4% (3,66% em finais de março) e tem vindo a diminuir desde o primeiro ano – de 8,5% em 2007/2008, passou para 0,11% em 2011/2012. Para Luísa Cerdeira, professora da Universidade de Lisboa e especialista em financiamento do ensino superior, esta realidade “não é alarmante” no contexto internacional. “Houve casos em que os bancos perderam o rasto aos diplomados”, conta. Por exemplo, no ano passado, nos EUA, universidades como a de Yale ou Pensilvânia abriram processos judiciais contra os estudantes com dívidas que, em todo o país, ascendiam a 964 milhões de dólares – mais de 700 milhões de euros.

Em caso de dificuldades, os estudantes devem contactar o banco no sentido de renegociar os empréstimos, o que pode passar pelo alargamento do prazo de pagamento, ou  pela negociação de períodos de carência de juros  (só pagam capital) ou de capital (só pagam os juros), ou mesmo uma moratória  (período em que não há pagamento do empréstimo). Todas estas soluções têm o efeito de baixar a prestação mensal, mas implicam pagar mais juros no total, o que ainda assim pode compensar face a dificuldades de cumprir o empréstimo.


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