Covid-19: Cervejeiros artesanais já fabricaram 80 mil litros de antisséptico para todo o país

Um grupo de 26 micro-cervejeiros disponibilizou o bactericida que usa nas suas unidades produtivas para ajudar a conter a Covid-19, revelando hoje que, só desde segunda-feira, já ofereceu 80.000 litros de solução desinfetante a instituições de todo o país.

A iniciativa partiu de produtores e distribuidores que, perante as dificuldades de esquadras da PSP e unidades de saúde no acesso a desinfetante, lançaram um apelo informal à comunidade cervejeira com vista a reunir o máximo volume possível de ácido peracético.

“Nós temos sempre esse produto disponível porque é o que usamos para matar as bactérias todas. É bactericida, fungicida e viruscida. Então decidimos reunir a maior quantidade que pudéssemos, juntámos todos os borrifadores que conseguimos arranjar e, desde segunda-feira, já fizemos 80.000 litros de solução desinfetante”, explicou hoje à Lusa Sofia Oliveira, uma das dinamizadoras da iniciativa enquanto proprietária da marca Lindinha Lucas, do Porto.

Esse produto sanitário resulta da diluição do ácido numa determinada proporção de água, mediante procedimentos por técnicos “com a formação necessária para o fazer em segurança”, e vem sendo distribuído pelas instituições que apelaram à ajuda dos cervejeiros, entre as quais “esquadras da PSP, centros de saúdes, lares de idosos, câmaras municipais, quartéis de bombeiros, etc.”.

Hugo Santos, proprietário e ‘brewer’ da Cerveja Chica, de Lisboa, deixou na quarta-feira nos Bombeiros de Queluz, por exemplo, nove litros de ácido peracético puro, com os quais a corporação irá agora produzir “3.000 a 4.0000 litros” de solução desinfetante.

“Fazemos isto de forma oficiosa e alertamos bem que o produto final não é o ideal para limpeza das mãos, porque na pele pode ser corrosivo. É uma solução adequada, isso sim, para limpeza de superfícies como portas, maçanetas, corrimões, chão, carros, viaturas de bombeiros, hospitais e até ruas”, realça o empresário.

Dono de uma cervejeira e de um bar, Hugo Santos antecipa que a produção e distribuição do antissético o vai ocupar pelo menos enquanto vigorar o estado de emergência em Portugal: “Tenho bicho-carpinteiro e vou ter que continuar a fazer alguma coisa, porque nesta altura não há vendas. O bar está fechado e a cervejeira está parada porque não tem bares para onde vender a cerveja”.

Mesmo nesse contexto económico, todo o desinfetante criado pelo setor está a ser “oferecido”.

Sofia Oliveira insiste que “não era correto os micro-cervejeiros retirarem proveito desta situação” e defende que o objetivo comum é “ajudar o país a ultrapassar este problema o quanto antes, para benefício de toda a sociedade”.

Nem todas as entidades ligadas a essa indústria artesanal, contudo, pensarão assim. O facto de cada bidão de 25 litros de ácido peracético custar “uns 80 a 100 euros” poderá explicar determinados comportamentos: a associação que representa estes empresários “nem sequer respondeu ao apelo” na origem da iniciativa, outras marcas também não reagiram ao pedido de envolvimento lançado pelo grupo e houve fornecedores que, “de, uma semana para a outra, começaram a cobrar o dobro” pelo produto, o que obrigou as marcas a trocarem de abastecimento.

Os borrifadores também vêm implicando uma logística própria. “Demos todos os que tínhamos disponíveis e pedimos às pessoas para nos arranjarem os que pudessem”, revela Sofia.

Um dos cidadãos que acedeu a esse apelo foi André Ribeiro, que, enquanto distribuidor de equipamento médico para fisioterapia, está particularmente sensível à carência atual de material de limpeza e proteção, e, entre várias outras aquisições, comprou de uma só vez “uns 300 borrifadores” para oferecer ao novo grupo de higienistas.

“Nem era bem o modelo que queríamos, mas limpámos tudo o que havia no armazém”, explica. Quanto à despesa, diz que só aí foram “200 e tal euros” a expensas próprias, mas nota que o comerciante até “fez um desconto, o que demonstra que há gente com bom senso, que sabe o que está em causa nesta altura”.

André tem igualmente ajudado nas entregas do desinfetante e só na quarta-feira distribuiu “350 litros pelos bombeiros de Leixões, Matosinhos e São Mamede Infesta, pela polícia, pela Santa Casa da Misericórdia”, etc. Diz que as reações são efusivas: “A dificuldade em arranjar estas coisas é tanta que as pessoas ficam realmente muito contentes e agradecem imenso”.

Chica, Trevo, Lindinha Lucas, Epicura, Temple Craft, Gayata, Rima, Piratas Cervejeiros, Velhaca, Post-Scriptum, Fidélis, Tough Love, Biltre, Sovina, Barona, Praxis, Xô Carago, Alvoreada, Ermida, Lince, Açor, Christeyns, Quimiserve, Lupum, Colossus e Maldita são as marcas de cerveja e distribuição envolvidas neste projeto solidário.

O novo coronavírus, responsável pela pandemia da Covid-19, foi detetado em dezembro de 2019 e entretanto infetou já mais de 220.000 pessoas em todo o mundo. Dessas, mais de 9.000 morreram e mais de 85.500 recuperaram.

Em Portugal, a Direção-Geral da Saúde (DGS) elevou hoje o número de casos confirmados de infeção para 785, mais 143 do que na quarta-feira. O número de mortos no país subiu para três.

Portugal encontra-se em estado de emergência desde as 00h00 de hoje.

O Conselho de Ministros aprova hoje as medidas que concretizam o estado de emergência proposto pelo Presidente.


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