Uma simulação efetuada pela PwC para o Dinheiro Vivo permite perceber que os contribuintes sem dependentes são prejudicados com as novas regras, independentemente do valor do rendimento. Por exemplo, um solteiro com rendimento de 800 euros mensais, sem filhos, que deduza o valor da renda e complete a sua despesa em saúde, perde 158,95 euros com o novo sistema; se for casado, nas mesmas condições, perde 92,90 euros. No caso de um português casado, sem filhos, que ganhe 3000 euros, em que as despesas com rendas e saúde se mantenham, as novas regras tiram mais 73,90 euros, se este mesmo rendimento for de um solteiro, a perda é de 121,05 euros.
Porquê? Em 2015, as deduções à coleta sofrem alterações mas quem não tem dependentes, e acabará por perder a dedução de encargos com imóveis que atualmente permite abater as despesas com juros do crédito à habitação e rendas, esta reformulação não chega para garantir um rendimento líquido, pelo menos, igual ao que teria com as regras atuais. Atualmente as deduções pessoais são de 213,75 euros, a que se juntam os juros até 296 euros, num total de 504 euros, mais do que os 300 euros de deduções que a Reforma do IRS vai permitir a partir de janeiro com a introdução das despesas gerais familiares.
“O perfil das despesas dedutíveis à coleta pode ser favorável ou desfavorável, tendo mais probabilidade de ser desfavorável em caso de despesas de educação e imóveis”, justificou ao Dinheiro Vivo, Ana Duarte, especialista em impostos da PwC.
Ora, é aqui que entrará a nova regra que o primeiro-ministro anunciou e que se deverá manter até 2017. A ideia do governo é permitir que os contribuintes que não têm filhos possam decidir se querem submeter a sua declaração de IRS com base nas regras que já vigoram há um ano ou se preferem fazê-lo com as novas regras – as do pacote de despesas familiares.
A escolha só terá de ser feita no momento dos acertos que começam a chegar ao fisco a partir de 15 de março de 2016 – para os rendimentos recebidos em 2015. Mas o sistema não será simples. Por um lado, a declaração estará já pré-preenchida – uma das regras de simplificação introduzidas com a Reforma do IRS -, mas os portugueses que acharem que estão a ser prejudicados podem não validar a sua declaração eletrónica. Sempre que isto acontecer, significa que aquele agregado optou por acionar a cláusula de regime mais favorável e a autoridade fiscal será obrigada a fazer os cálculos para as regras novas e antigas e optar por validar o imposto pelo regime que for mais favorável para o contribuinte. Este acionamento pode ser feito tanto pelas famílias sem filhos, como pelas famílias com filhos. Só que neste último caso, como as novas regras ditam que cada filho passa a pesar 0,3 no imposto do agregado, as vantagens serão poucas .
Ainda não se sabe ao certo como vai o governo estabelecer as retenções na fonte a que os trabalhadores são submetidos todos os meses, uma vez que seria de esperar que o aumento das deduções tivesse de ser acompanhado de retenções menos gravosas. No entanto, como passam a estar os dois regimes em cima da mesa, permanecem as dúvidas quanto à forma como será feito o pagamento do imposto.
É precisamente por ser uma novidade, e ainda não se saber ao certo como será aplicada, que esta cláusula está a gerar controvérsia. O presidente da Reforma do IRS, Rui Duarte Morais, é um dos mais críticos. “Queremos tudo. Somos o povo do sol na eira e da chuva no nabal. Obviamente que se há desagravamento do ambiente fiscal para as famílias com dependentes, há um agravamento necessariamente relativo [para] as que não têm dependentes. É tão óbvio… Não percebo como é que se possa mascarar uma coisa destas”, afirmou, citado pelo Público, referindo-se a esta nova cláusula.
Ana Duarte também não vê nesta regra a simplificação que a Reforma do IRS advogava. “comparando o imposto apurado pela aplicação do regime de deduções à coleta em vigor em 2014 com o novo regime de deduções proposto para 2015, apesar de ser uma medida favorável a todas as famílias que iriam pagar mais imposto em 2015 do que em 2014, vem tornar o cálculo do imposto muito mais complexo e não vai ao encontro a um dos objetivos primordiais da reforma do IRS”.
José Tribolet, conselheiro de governo para a área informática, é mais dramático e prevê um futuro negro para o sistema das Finanças. À TSF, o professor catedrático admitiu que “o sistema informático está no limiar do colapso” e que “seria muito grave se a máquina tributária falhasse. No entanto, confidenciou que “falar com a autoridade tributária é como falar com uma parede”. “Ficam a olhar para mim com aquele ar de quem diz “este gajo é parvo””, admitiu.