As celebridades, como as contemplamos e compreendemos contemporaneamente, emergiram no zénite de Hollywood. Nessa altura, inúmeros actores de cinema “superiorizaram-se” aos seus próprios filmes, edificando à sua volta uma espécie de halo. As notícias oriundas da “capital” do cinema representavam um dos maiores mananciais de informação nos Estados Unidos. Desde então, a correspondência entre os actores e os espectadores passou a ser aparentemente mais próxima e “cúmplice”. Portanto, a insígnia celebridade, que desafortunadamente com o decorrer do tempo se foi trivializando, não é mais do que um status social “formoso” concedido a alguém no cabimento público.
As celebridades eram constantemente apresentadas ao lado dos seus bens materiais. Esta ostentação até ajudou a promover as texturas de veneração. A fama que contemporaneamente é espalhada sem critérios, jamais causaria a consideração alheia em épocas passadas. Mesmo reconhecendo que os comportamentos egoístas sempre desfilaram em todas as comunidades, não será seguramente exagero referir que habitamos numa sociedade altamente narcisista. O pretérito perdeu o seu “preço”; as ideologias e os valores depauperaram-se; a fidelidade esfumou-se; a esperança e a sensatez abrandaram o ritmo; os saudáveis relacionamentos sociais e familiares desapareceram; o capital e a aparência vestiram-se de gala e confraternizam no cume da confraria; a sapiência foi ofuscada pela estupidez; e o culto ao consumo foi promovido a “senhor omnipresente”.
Em épocas mais sãs, o universo e os pensamentos eram frequentados por heróis oriundos da utilidade e grandeza do próprio homem. Eram períodos em que a dimensão de um indivíduo era determinada pelas suas conquistas, tomadas de decisão, e comportamentos de coragem e bravura. Adjacentes à elevação desses grandiosos homens estavam componentes de coragem, sacrifício ou religiosidade. A celebridade, que na maior parte dos casos não passa de um nome subjectivamente “grande”, é evocada pela sua representação ou etiqueta. Neste contexto, podemos afirmar que o herói conseguia erigir-se a si mesmo, enquanto a celebridade é uma produção dos meios de comunicação de massas.
Antigamente era necessário ler e “estudar” a história de uma celebridade para conhecer e compreender alguns momentos verdadeiramente importantes da sua vida. Presentemente a biografia das fictícias celebridades é escrita, desenhada e explanada todos os dias nos meios de comunicação. A desmesurada exposição e exibição acabam por revezar a integridade, habilidade, inteligência, sabedoria e competência como qualidades máximas das sociedades.
Felizmente que os heróis, de alguma forma arquitectados e elevados pelas tradições, são imortais, ou seja permanecem no tempo e no imaginário colectivo, sendo mesmo destapados e divulgados pelas consecutivas gerações. As celebridades, fabricadas por simples fragrâncias de familiaridade, permanecem meramente no cosmos contemporâneo. Muitas vezes as celebridades, consideradas por muitos como os verdadeiros ídolos do consumo e da quebra de regras, espelham a opacidade da nossa própria existência. A realidade patenteia que a conexão com a família vai sendo diariamente esvaziada de sentimentos, partilhas e afeições, circunscrevendo-se simplesmente a um pálido plano de sobrevivência e continuidade.
Quando abordamos este controverso e abrangente tema aparecem sempre algumas questões pertinentes como sejam: Qual a função das celebridades na actualidade? Será que este fenómeno tão mediático reporta-se unicamente aos indivíduos que conquistam a reputação através dos seus dons congénitos? Será que a ficção, a falsidade e a simulação podem continuar a rivalizar com os dramas e desgraças que compõem a vida real? Será que os talentos franzinos são mais fortes do que os autênticos? Será que a ilusão, aparência e fantasia constituem condomínios tão luxuosos ao ponto de haver milhares de cidadãos a pretender habitar neles?
Embora desfile um enorme hiato social entre a celebridade e o seu público, consegue-se descobrir, no meio de uma ausência de mutualidade, profundos traços de comoção. Em descoincidentes vértices sociais e profissionais, alguns cidadãos são reconhecidos por as suas qualidades, capacidades e expugnações. Esta conjuntura constitui uma modalidade de fama circunscrita ao grupo social a que correspondem.
Presentemente os profissionais da “biografia” são obrigados a meditar e a interrogarem-se sobre o seu próprio papel laboral e social. Que género de prédica devem edificar e posteriormente empregar nos vértices do seu trabalho? Qual a forma de abandonar a fantasia que permite mostrar a vida como uma história congruente e coesa? Será que estes novos ídolos são imprescindíveis para legitimar e autenticar os meios de comunicação? Qual o tipo de linguagem a utilizar? Qual o conjunto de informações que deve aconchegar o título prioridade?
A excitação entre o que a população pode efectivamente saber e conhecer, e aquilo que é complicado enxergar sobre as celebridades constituem ambientes que acabam por contribuir de forma espontânea para a celebração de vínculos, mais ou menos consistentes, entre ambas. Será que a vida privada das celebridades não constitui uma nascente de trabalho, de ganho e de conveniência?
Há algumas celebridades, estas quanto a mim com toda a razão de ser, que foram concebidas e fundamentadas no seio das realizações e méritos individuais. Contudo, o título de celebridade, aqui já bastante preocupante, em diversas circunstâncias está associado à linhagem de determinado indivíduo ou aos intermediários culturais capitalistas, nos quais também se incluem os meios de comunicação. As celebridades edificadas sem alicerces acabam por ofuscar, ainda que em circunstâncias bastante sumárias, as celebridades confeccionadas no mérito e no talento.
A cultura de mercadoria, que activa nos consumidores o desejo de diversos tipos de posse, transformou o semblante popular de celebridade num autêntico e pardacento bem de consumo. Na realidade, foram surgindo renovados arquétipos de desejo, ambição, apetite e paixão. A encenação, a representação e a distância física que os cidadãos têm das celebridades aconchegam ambiências circundadas de magia, deslumbramento e encantamento. A “exposição” do corpo também constitui uma das estratégias fundamentais para a continuidade das celebridades. Qualquer criação instantânea de celebridade feminina agasalha curvas corporais sinuosas, harmoniosas e esculturais. Esta conjuntura até que não é má para a vista, contudo o problema reside quando as mesmas abrem a boca, uma vez que geralmente só verbalizam disparates. Enfim, uma situação que de certa forma nos desalenta. Uma celebridade alicerçada somente nos contextos físicos e na celeridade do processo, jamais pode ser considerada uma “fidedigna” celebridade.
Nos reality shows, mesmo tendo em conta a célula da realidade que está contígua aos mesmos, os intervenientes têm de explanar e apresentar uma sequência de papéis previamente confeccionados e manipulados pelas respectivas produções. A verdade, e que faz toda a diferença, é que essas personagens não são eles mesmos, somente se interpretam a si próprios. Porém, será conveniente não esquecer que em relação a este tipo de programas, ou protagonistas, os catálogos de audiências evidenciam que os grupos sociais considerados mais “elevados” também gostam da porta entreaberta. Será que não existe um sentimento de desejo nos cidadãos que os estimula a lutar para alcançarem os emblemas de “artista do espectáculo”?
As indústrias de “distracção” partem diariamente à procura de novos talentos, mesmo dos talentos frágeis, com a finalidade de os metamorfosear em estrelas, perfilhando uma espécie de monólogo autoritário, implementado a maior velocidade possível, administrando as suas carreiras, escolhendo os caminhos a seguir, bem como impulsionando os seus próprios réditos. No fundo, superintendem os encadeamentos entre “imortais” e “mortais”, determinando as direcções e os contextos daquilo que se vai consumir. Logo, boa parte dos meios de comunicação e das indústrias de entretenimento confeccionam celebridades para terem a oportunidade de se alimentar das mesmas em movimentos assíduos.
O conhecimento, a cultura, mas principalmente o dinheiro, são em variadíssimas ocasiões empregues para acorrentar e subjugar os outros. Ninguém deve ter dúvidas de que na medula do espectáculo “existência”, a maior parte dos actores está no papel de algemado. Todos os dias, na encenação do autêntico, a configuração vida concebe modernos factos e episódios, fazendo com que o conjunto de diligências e utilizações que os meios de comunicação de massas desencobrem para esses acontecimentos exceda a “energia” do palanque. Será que a encenação da vida não arrebatou a cadeira dos formatos costumeiros de diversão e de informação?
As celebridades instantâneas podem mesmo ser consideradas mercadoria fast-food. No rótulo das celebridades está escrito que as mesmas não podem ser agitadas com contextos complexos e de delicada identificação e interpretação, uma vez que essa situação iria ter profundas contra-indicações para as suas silhuetas e maquilhagens. A chancela celebridade, em variadíssimas ocasiões, não pode ser degustada como sendo uma configuração individual alicerçada nos dons.
Todavia, a estrada das celebridades pode não ser unicamente escoltada de luxo, riqueza, adoração e holofotes. Em determinadas situações a imagem de sucesso e glamour é tão proveitosa quanto a de fracasso e esgotamento. Deste modo, a autonomia da imprensa mais especializada em notoriedades também é colocada no trilho da desconfiança.
Actualmente as celebridades também mantêm blogs e contas no Facebook e no Twitter. As novas tecnologias constituem mais um importante veículo para a estruturação da celebridade enquanto produto. É certamente oportuno e justo referir que a pujança das redes sociais na Internet autoriza que indivíduos sem o suporte de poderosas disposições mediáticas consigam arrecadar os “aplausos” de um auditório já bem composto.
Todos os responsáveis pelo discurso mediático convivem no caminho do contratempo, correndo o risco de se tornarem os palhaços tristes do circo social, pois a vida é um espectáculo e os meios de comunicação o seu estrado. Mesmo os telejornais não escapam a esta pigmentação, acabando por competir com todos os modelos de entretenimento. As matérias fundamentais são quase sempre as celebridades ou os aspirantes ao palco. Infelizmente qualquer momento da história de um candidato a celebridade é “sobrevalorizado”, metamorfoseando-se em “parágrafo” e consumindo-se vorazmente como se de um livro erótico se tratasse.