Cultura no interior sofre efeitos "desastrosos"

Passados dois anos sobre a entrada da ‘troika’ em Portugal muita coisa mudou na vida dos portugueses, mas não foi só o aperto financeiro das famílias, também no país cultural ficaram marcas. A presença da ‘troika’ refletiu-se na produção cultural do país, com os efeitos a serem particularmente visíveis nalgumas zonas do interior, mas também […]

Passados dois anos sobre a entrada da ‘troika’ em Portugal muita coisa mudou na vida dos portugueses, mas não foi só o aperto financeiro das famílias, também no país cultural ficaram marcas.
A presença da ‘troika’ refletiu-se na produção cultural do país, com os efeitos a serem particularmente visíveis nalgumas zonas do interior, mas também em grandes cidades. Na Guarda, o programa de ajustamento teve efeitos «negativos» no Teatro Municipal local (TMG), segundo o seu diretor, Américo Rodrigues. «O TMG passou a ter um orçamento muito mais baixo, uma programação com menos iniciativas e foi perdendo público, porque as pessoas deixaram de ter capacidade económica», disse à agência Lusa. Segundo Américo Rodrigues, estes dois anos «têm sido tempos terríveis na área da cultura e das artes, trazendo muitos prejuízos a salas como o TMG, que estavam afirmadas na sua região». «Os tempos da ‘troika’ são tempos de retrocesso total, tempos perdidos. Na Guarda sentimos uma redução substancial do número de espetadores e, como consequência, uma redução do número de propostas», sublinhou. «O TMG estava a progredir na afirmação a nível nacional e internacional, com a ligação a Espanha, e essa progressão não só foi atalhada como perdeu características que faziam do TMG um teatro de referência», lamentou. No distrito vizinho de Viseu, o diretor da Associação Cultural e Recreativa de Tondela (ACERT) considerou que «as medidas que vêm sendo aplicadas estão a ter um reflexo desastroso na cultura». José Rui Martins recordou que, em «devido tempo», alertou para o facto de a cultura «nem sequer figurar no memorando da ‘troika’». Segundo este responsável, «a política de recessão e austeridade obrigou também a uma diminuição das verbas das autarquias para a cultura», além de «o poder de compra por parte dos espetadores ser cada vez menor». Depois de ver um quarto do seu financiamento desaparecer, cerca de 100 mil euros, a ACERT tenta resistir redobrando os espetáculos. «Em 2012 tivemos o dobro dos trabalhos, mas a receita passou para metade», lamentou. Mais a sul, o diretor do Centro Dramático de Évora (Cendrev), José Russo, não tem dúvidas: os últimos dois anos foram «devastadores» em matéria de cultura em Portugal. «Não posso garantir que isto se deva à ‘troika’ (…), mas as políticas do Governo têm tido um efeito devastador» e «aceleraram o processo que estava em curso de desativação da atividade cultural no país», criticou. Neste período, «quatro ou cinco funcionários» do Cendrev saíram e outros, embora sem se desligarem da companhia, «suspenderam os contratos de trabalho para poderem receber o subsídio de desemprego», disse. «Os valores destinados à cultura têm tido uma redução drástica», criticou, acrescentando que, há quatro anos, o Cendrev recebia «cerca de 300 mil euros anuais» da Direção-Geral das Artes e para o próximo quadriénio vai ter «pouco mais de 100 mil euros por ano». «Estamos a tentar perceber como é que vamos conseguir funcionar, mas (…) é impossível manter a atual estrutura de 14 pessoas. Temos de esvaziar a companhia para sobreviver e vão ter de sair mais umas nove ou dez pessoas», admitiu. Se as câmaras, que são «quem compra os espetáculos», não tivessem sido afetadas pelos cortes do Orçamento do Estado «ainda teria havido uma escapatória», mas «toda a gente sabe que a esmagadora maioria das autarquias está na penúria». Em 2012, o Cendrev reduziu para metade o preço dos bilhetes nos espetáculos — de oito para quatro euros -, pelo que José Russo, apesar de tudo, não se queixa da afluência de público. Os cortes para a Cultura sentem-se, também, em muitas fundações, com o que se passa no Porto a ser um exemplo. Na cidade, o caso mais mediático foi o da Casa da Música, que viu a administração demitir-se em protesto contra o corte de 30% dos apoios para o ano de 2012. Reclamava a administração liderada por Nuno Azevedo que Francisco José Viegas, ex-secretário de Estado da Cultura, prometera que o corte seria de 20%, mas o Governo, sem nunca o desmentir, manteve o corte em 30%. A Casa da Música, em 2012, fez ajustes à programação, mantendo os agrupamentos residentes e a aposta na música clássica, mas recuando em áreas como o jazz ou o pop-rock. Uma adaptação do género foi feita na Avenida da Boavista, por outra fundação, para também ajustar o corte de 30%. Em Serralves, a aposta foi ocupar parte do espaço expositivo com peças do seu acervo, poupando no pagamento aos artistas, seguros e comissários. As duas instituições têm procurado junto dos parceiros privados as verbas que escasseiam por parte do Estado. No Porto, também se assistiu à extinção de fundações, como a Fundação Ciência e Desenvolvimento, uma parceria entre a Câmara e a Universidade do Porto, que geria o Teatro de Campo Alegre e o Planetário. A autarquia optou pela sua extinção, dividindo com a Universidade os equipamentos e integrando no universo camarário o seu pessoal.
 

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