“Eu, às vezes, costumo dizer que isto acaba em mim, porque hoje quer-se menos trabalho e mais rendimento e isto dá muito trabalho e pouco rendimento. (…) E, depois, também já se gastam poucas, o forte [das tosquias dos rebanhos], hoje, é tudo à máquina”, disse o ferreiro à agência Lusa.
Mateus Filipe Miragaia lembra outros tempos quando chegava a trabalhar 15 horas por dia e fazia anualmente “à volta das 1.500” tesouras. “Agora, já só trabalho para aquecer”, refere.
“Este ano não sei. Algum cento delas. [Será] o mais que se poderá fazer, porque a tesoura agora já não é para tosquiar grandes rebanhos, mas sim para pessoas que têm meia dúzia de ovelhas e que são eles, os próprios donos, que cortam, e não os pastores profissionais”, justifica.
As tesouras de tosquia que saem das mãos do ferreiro do Jarmelo também são vendidas como recordações turísticas em algumas lojas da cidade da Guarda, a par de podoas em miniatura e facas. “Eles [os visitantes] até já pensam que o velho está a morrer e então querem uma recordação. E vão comprando uma tesoura, aqui e além, para recordação”, brinca.
O último artesão do país a fazer tesouras de tosquia para ovelhas, que iniciou a atividade há 59 anos, lamenta que a sua arte não tenha seguidores, mas tenciona continua a martelar o ferro enquanto tiver forças.
“Desejo chegar aos 75 [anos] de trabalho, que são 90 de idade. E eu acho que aos 90 ainda darei a martelada no ferro, se o ferro estiver em quente”, vaticina o homem que, em 2015, recebeu a medalha de mérito da Câmara da Guarda.
O filho de lavrador iniciou a profissão em 1957, com um cunhado, e nessa altura, na aldeia de Donfins do Jarmelo, a cerca de 20 quilómetros de distância da Guarda, existiam “sete ou oito” oficinas de ferreiro: “Os ferreiros levantavam-se às 4 horas e trabalhavam até às 20 horas”.
Mateus Filipe Miragaia é, há vários anos, o único da terra a transformar pedaços de metal em tesouras de tosquia.
O fabrico de cada tesoura leva cerca de uma hora e o processo começa com o corte de tiras de chapa de aço laminado com 20 centímetros. Na fase seguinte solda a cada tira uma peça mais fina, que é para fazer a asa.
O ferrador, que utiliza um pequeno martelo para moldar o metal incandescente, revela que o segredo da sua arte “está nas pancadas” que dá no ferro.
Antes da conclusão da peça, passa as duas partes da tesoura pelos quatro esmeris que tem na oficina. “Começo por um que é mais grosso e termino no polidor”, explica.
A última fase da conceção do utensílio é a colocação do eixo que liga as duas partes da tesoura, mas antes de dar a obra por terminada, leva-a junto do ouvido para escutar o “toque” e experimenta-a cortando um pedaço de lã de ovelha.
A produção de cada tesoura, que o artesão vende a cerca de 13 euros, é dada por concluída com a gravação da sua marca, semelhante a um “pé de pita”, que cinzela num dos lados.