Os municípios portugueses vão ter de se preparar para um futuro com ondas de calor que podem ser três a doze vezes mais frequentes do que hoje. Vários concelhos terão de suportar mais de 50 dias adicionais com temperaturas acima dos 35ºC. A chuva pode diminuir para mais da metade no verão, mas aumentar até cerca de 20% no inverno.
Estes são cenários que resultam de um primeiro retrato nacional dos impactos das alterações climáticas a nível local no país, traçado por um programa pioneiro envolvendo 26 autarquias.
Nesse conjunto de municípios, meia centena de técnicos estão a ser formados para elaborar e pôr em prática estratégias locais de adaptação às alterações climáticas. E adaptar-se será inevitável.
Cientistas da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa olharam para o futuro de todos estes concelhos, segundo dois cenários de concentrações de gases com efeito de estufa na atmosfera, um mais moderado e outro mais extremo. Os resultados serviram de ponto de partida para as autarquias começarem a pensar no que devem fazer.
E o que se antecipa não é tranquilizador. No cenário mais moderado, prevê-se em todos os municípios uma subida da temperatura média anual de um a dois graus Celsius até 2100. No cenário extremo, os valores aumentam para algo entre três graus, nos Açores e na Madeira, e seis graus em Évora.
Onze concelhos poderão ver o termómetro subir em cinco graus: Castelo de Vide, Castelo Branco, Amarante, São João da Pesqueira, Bragança, Montalegre, Coruche, Ferreira do Alentejo, Tondela, Barreiro e Torres Vedras. Em Lisboa e no Porto, os valores vão de um a quatro graus.
O número de dias muito quentes – com mais de 35 ºC de temperatura máxima – vai subir em todos os concelhos. No topo da lista está Castelo Branco, que terá, em cada ano, mais 37 a 61 deles, conforme o cenário climático. Évora, Coruche e Ferreira do Alentejo poderão chegar aos 60.
Nalguns pontos do país onde há poucos dias tão quentes, como Seia e Montalegre, estes passarão a ser frequentes.
Haverá mais ondas de calor, e mais longas. No pior cenário, prevê-se um aumento de pelo menos três vezes na frequência destes episódios, chegando a seis vezes em Tondela, Amarante, Montalegre e Ílhavo, e mesmo a doze vezes em Loulé.
A primavera promete ser muito menos chuvosa, com uma quebra de 58% na precipitação em Loulé, 53% em Odemira, 52% no Barreiro e 51% em Lisboa. Em compensação, estima-se um aumento da chuva no Inverno, que pode chegar aos 19% em São João da Pesqueira e 16% em Viana do Castelo. Lisboa também está entre os que mais verá um aumento na precipitação no Inverno (15%), um problema adicional a uma cidade já vulnerável a cheias em dias de muita chuva.
Para todos prevê-se o mal dos dois lados da meteorologia: mais episódios de chuvas rápidas e intensas, porém mais secas e incêndios florestais. Numa nota mais positiva, poderá cair substancialmente o número de dias com geada.
Não foram feitos cenários locais da subida do nível do mar. Apenas há referência ao que se prevê para o mundo como um todo: um aumento de 26 a 82 centímetros até 2100.
Estes cenários climáticos são apenas o ponto de partida para o planeamento das acções dos municípios envolvidos no projecto ClimAdaPT.Local – liderado pelo centro de investigação climática CCIAM, da Universidade de Lisboa. O objectivo do projecto é não só chegar a estratégias de adaptação em cada um dos concelhos, como garantir que nas câmaras municipais haja técnicos treinados para elaborar, pôr em prática e monitorizar esses planos.
As 26 autarquias já fizeram parte do trabalho. Identificaram as suas vulnerabilidades actuais e também as futuras, com base nos cenários para 2050 e 2100. O passo mais recente foi a identificação de possíveis medidas de adaptação.
As mais comuns são as que têm a ver com os recursos hídricos, em particular as destinadas a prevenir cheias. Aí estão, por exemplo, a construção de bacias de retenção, para segurar a água de ribeiras em dias de forte chuva, ou o redimensionamento das redes pluviais.
Entre as medidas estão também a adopção de culturas agrícolas mais resistentes à seca, a regeneração de cordões dunares, a criação de sistemas de alerta local para eventos extremos ou a criação de corredores verdes nas cidades.
Muitas destas acções já existem noutros planos ou estratégias em vigor no país ou a nível local. “As opções em si podem não ser inovadoras conceptualmente, mas podem-no ser para concelhos que nunca tinham pensado nelas”, afirma Gil Penha-Lopes, coordenador do projeto ClimAdaPT.Local. “A adaptação às alterações climáticas vai fazer com que medidas que parecem óbvias passem a ser obrigatórias”, completa.
Por ora, não está nada decidido. “É apenas uma listagem de opções”, diz Penha-Lopes. Os municípios ainda estão a avaliar as medidas identificadas, para depois escolherem o melhor caminho para as suas estratégias climáticas. O objetivo é que, sejam quais forem, as medidas sejam incorporadas nos diversos tipos de planos municipais.
O projeto ClimAdaPT.Local termina no próximo ano. Além dos 26 concelhos directamente envolvidos, há outros a participar como observadores, assim como as comissões de coordenação e desenvolvimento regional. Um dos objetivos é criar uma comunidade de entidades locais ou regionais com estratégias para um futuro mais quente. “Vamos criar uma rede nacional de adaptação”, resume Gil Penha-Lopes.