Há largos anos que as taxas mais altas de suicídio em Portugal surgem sobretudo associadas à região sul do país, sobretudo ao Alentejo, mas um estudo recente, que analisa o fenómeno ao nível dos municípios, mostra que os suicídios aumentaram no centro e no interior norte de Portugal junto à fronteira com Espanha. As diferenças entre norte e sul estão a esbater-se e é nas zonas mais pobres e mais rurais que existe maior risco de suicídio.
Os autores do estudo científico “Suicídio em Portugal: determinantes espaciais num contexto de crise económica”, que foi publicado na revista científica Health & Place no final de agosto, analisa duas décadas de taxas de suicídios em Portugal, divididos em três períodos de tempo: 1989-1993, 1999-2003 e 2008-2012. Este último já inclui o período de crise, assinala o estudo, que faz remontar o seu início a 2009.
A coordenadora do estudo, a geógrafa Paula Santana, nota que encontraram uma relação entre o suicídio e os municípios “com maiores graus de privação material e social”, medidos através do chamado “índice de privação material”. Este indicador junta a taxa de desemprego, a taxa de iliteracia (percentagem de pessoas com mais de 10 anos que não sabem ler ou escrever) e más condições de habitabilidade (traduzidas na percentagem de casas sem casa de banho). Ou seja, “independente ou além das características individuais de cada um, o local onde se vive pode influenciar atos de suicídio”, explica o artigo. Nos municípios com maiores níveis de privação o risco de suicídio é de mais 46% do que no grupo dos municípios mais afluentes.
O trabalho não estabelece uma relação causal entre a crise e o aumento dos suicídios mas não deixa de notar que, enquanto entre os dois primeiros períodos de tempo houve um decréscimo de 5,4% nos suicídios, a comparação entre o segundo período e o último dá conta de um acréscimo de 22,6%. “Os padrões recentes de suicídios podem resultar do atual período de crise”, escrevem os autores.
O que a crise pode ter trazido “é o agravamento destas condições nos municípios”, nota Paula Santana, investigadora do Centro de Estudos de Geografia e Ordenamento do Território da Universidade de Coimbra. Refere-se, por exemplo, que uma das consequências da aplicação das medidas de austeridade foram os cortes nos apoios ao transporte de doentes para os hospitais.
Os dados mostram também que quem vive em zonas rurais tem maior risco de suicídio. O “índice de ruralidade” agrega a densidade populacional (número de pessoas por km2), a acessibilidade a hospitais (tempo necessário para ter acesso a uma unidade) e a percentagem de população rural. Se é verdade que já era nos espaços rurais que havia mais suicídios nos dois primeiros períodos de tempo estudados, essa associação intensificou-se, sublinha a investigadora. “A investigação conclui que as padrões de suicídio norte/sul esbateram-se mas a divisão entre espaços urbanos e rurais intensificou-se”, o que é o mais notório no casos dos suicídios de homens do que de mulheres.
O aumento do suicídio em zonas rurais pode ter vários fatores explicativos, entre eles “o isolamento social, o estigma em relação a perturbações mentais (especialmente nos homens), o fácil acesso a pesticidas tóxicos e dificuldades económicas”. Ao mesmo tempo, refere-se que, com a crise, pode ter havido um aumento da dificuldade destas populações em ter acesso a antidepressivos e a serviços de saúde mental. Embora os autores notem que nas zonas urbanas se encontraram “importantes bolsas de pobreza”, notam que tende a existir maior acesso aos serviços e redes de suporte social, tendo as áreas urbanas resistido mais à crise do que as rurais.
“As caraterísticas dos locais de residência têm um efeito relevante no comportamento suicidário a nível local”, escrevem os autores, que recomendam então “a alocação de recursos para os locais onde existe maior concentração de suicídios nestas áreas particulares do Portugal rural.
O interior alentejano continua a apresentar um risco muito alto de suicídio, mas nos mapas incluídos no trabalho nota-se que, de 2008 a 2012, os maiores aumentos das taxas maiores de suicídio incluem municípios rurais do distrito de Bragança junto a Espanha, assim como o interior centro do país.
O diretor do Programa Nacional para a Saúde Mental, o psiquiatra Álvaro Carvalho, que hoje se vai referir a este estudo na conferência “Prevenção do Suicídio: Responsabilidade Partilhada”, que se realiza em Beja, assinalando o Dia Mundial de Prevenção do Suicídio, constata que o estudo “mostra uma relação dos suicídios com a crise”. E se é verdade que mais pode ser feito ao nível do diagnóstico precoce de situações de depressão, “em situação de crise não é com antidepressivos e psicoterapia que se resolvem os problemas, pode-se amenizar o desespero”. O médico sublinha que é “com medidas concretas que levem à redução do desemprego é que se pode alterar o estado de humor das pessoas. A solução não está na saúde mental, está na segurança social, no desenvolvimento de programas activos de criação de trabalho”.
Tradicionalmente, Portugal é um dos países com a mais baixa taxa de suicídios na Europa”, diz-se, mas o estudo ressalva que os dados oficiais têm problemas de qualidade, e o suicídio pode estar subrepresentado, uma vez que nos dados do Instituto Nacional de Estatística (usados neste trabalho) 9,6% das causas de morte estão por definir.
Um em cada cinco suicídios tem a ver com o desemprego
Em termos internacionais, em cada ano, cerca de 45.000 pessoas põem fim à vida porque estão desempregadas. E isso já acontecia antes da recessão económica dos últimos anos – embora a crise global de 2008 tenha obviamente exacerbado a situação. Esta é a principal conclusão de um artigo publicado este ano na revista The Lancet Psychiatry por investigadores Universidade de Zurique (Suíça) e que PÚBLICO noticiou.
Os autores concluem que o desemprego associado à crise de 2008 provocou efetivamente um excesso de suicídios: cerca de 5000. Mas os novos resultados revelam que mesmo em tempos de estabilidade económica (anos antes da crise), cerca de 45.000 pessoas suicidaram-se por ano porque não tinham emprego. Ou seja, o estudo mostra que o número de suicídios anuais associados ao desemprego é nove vezes maior do que o número diretamente relacionado com a crise.
Assim, cerca de um suicídio em cada cinco é devido ao desemprego e, em todas as regiões consideradas, o risco de uma pessoa desempregada se suicidar é 20 a 30% mais elevado do que o risco de uma pessoa empregada se suicidar.
Os resultados mostram também que, de uma forma geral, tanto as mulheres como os homens, e tanto os mais novos como os mais velhos, são vulneráveis face às variações da taxa de desemprego.
Uma outra conclusão do estudo é que os suicídios associados à atual recessão económica mundial começaram a aumentar seis meses antes do início “oficial” da crise em 2008. “A evolução do mercado de trabalho foi claramente antecipada e as incertezas relativas à situação económica já tiveram, naquela altura, consequências negativas”.