Resultados Submersos III

Contemporaneamente, um dos elementos mais importantes e marcantes no desporto de alta competição é o económico.

Infelizmente as superfícies da incerteza, da indecisão e da admiração, texturas tão necessárias para o fenómeno desportivo, têm sido progressivamente restringidas e amputadas. Os fortes e vigorosos são ininterruptamente os mesmos, ganhando a maior parte dos jogos que disputam e conquistando cada vez mais troféus. Será que o desenvolvimento destes encadeamentos económicos, na medula do desporto de topo, não promoveu o aparecimento e a vulgarização das apostas? Será que o aparecimento e a vulgarização de apostas não foram impulsionados pelas novas tecnologias de comunicação, bem como pelo intrincado processo de globalização? Será que a manipulação dos resultados não fomenta drasticamente a redução dos índices de incerteza?

O desporto, degustado como exteriorização social, necessita de estar sujeito a um conjunto de regras. A prática desportiva implica um aglomerado de correspondências interpessoais, não existindo qualquer modalidade desportiva que faça sentido sem a presença de diagramas referentes a juízo de valores que espelhem, classifiquem ou promulguem determinadas normas. Para além das regras técnicas, inerentes a cada modalidade, existem aquelas que estão profundamente associadas aos sistemas filosófico e social dos valores morais. Neste sentido, acabamos por desaguar no âmago da deontologia desportiva.

A ética desportiva pode ser contemplada e saboreada como um bem em si mesmo, decorrente da aglomeração de múltiplos valores e princípios. Alguns exemplos de referências que exigem a atenção, a ponderação e o cuidado de todos aqueles que estão interligados a um desporto alicerçado na consideração e no esguardo da ética desportiva são: o jogo limpo, frequentemente denominado fair play; a imparcialidade; a honestidade na competição; e a verdade desportiva. Será que as acusações concernentes à combinação de resultados, existentes no ordenamento jurídico nacional, são satisfatórias, robustas e abrangentes para asseverar a salvaguarda da moral desportiva em relação aos perigos e às inquietações colocados pelas apostas desportivas online?

Desde épocas imemoriáveis que o jogo é parte integrante da vida social. Numa etapa inicial embrulharia unicamente contentamento e prazer, sendo seguramente uma configuração muito apreciada para abandonar os automatismos da vida quotidiana. Significava liberdade de actuação, de representação e de optação pessoal. O desporto fomenta e reforça o reconhecimento e a análise de percepções, de concepções, de pressentimentos individuais, de “instintos” colectivos, de apreciações e de crenças muito diferenciadas sobre os acontecimentos. As regras técnicas da esmagadora maioria das modalidades são extremamente simples e, deste modo, facilmente compreensíveis pela população em geral; o sentimento de pertença, o “vestir” da camisola e o apoio caloroso a um determinado clube são uma constante e irrefutável realidade, funcionando mesmo como componente gregário; e o facto de existirem, na maioria das ocasiões, favoritos à partida, constituem condições que espelham que o desporto não só não é uma actividade essencialmente assente no acaso, como também é a manifestação social mais favorável a ser alvo de palpites.

O apelo económico que envolve o desporto é tão proeminente que acabou por dar origem a uma nova profissão, os apostadores profissionais. Basicamente a sua actividade compreende a actuação e a laboração dos mesmos neste mercado como se fosse um mercado financeiro, fazendo cálculos contabilísticos e estatísticos para entender as transformações nas quotas e nas probabilidades oferecidas. A principal finalidade é a obtenção de lucro, independentemente das inconstâncias ocorridas nos próprios eventos desportivos, através de combinações de apostas submetidas racionalmente.

A reiteração consecutiva de operações de repartição de risco, por exemplo apostar concomitantemente na vitória, empate e derrota de uma determinado clube nos locais que ofereçam as melhores parcelas nos resultados respectivos, possibilita ganhos autênticos a médio prazo, tal como sucede num qualquer mercado financeiro. Será que não estão criadas as condições para que, em qualquer momento e em qualquer lugar, todo e qualquer indivíduo tenha a possibilidade de submeter apostas numa qualquer competição desportiva? Será que não é obrigatório associar valores económicos gigantescos a toda e qualquer competição desportiva? Será que as expectativas dos apostadores não se resumem ao lucro? Será que não existem milhares de sítios disponíveis para apostar e múltiplas apostas simultâneas?

O resultado acaba por ser uma infinidade de conveniências económicas combinadas, que obviamente poderão ser bastante “ternurentas”. Logo, é certamente fácil compreender que existe o risco, profundamente real e espesso, de que alguém tente garantir os seus próprios objectivos manuseando “momentos” desportivos. Será que a incerteza das competições desportivas é, na sua extensão completa, uma configuração imutável? Será que a incerteza das competições desportivas não é manipulável ou influenciável? Será que no mercado global das apostas desportivas online não desaba a incerteza e se iça a aposta desportiva dolosa? Será que não existe perigo, para a ética desportiva, na correspondência polifacetada instituída entre as apostas desportivas e as manifestações de combinação de resultados? Será que a motivação económica não é a rainha de todas as motivações?
Contemporaneamente, a inclinação dos Países europeus vai ao encontro da normalização desta actividade, procurando controlar e regularizar o problema, bem como diminuir a ameaça de forma directa e pragmática. Nunca se deve actuar como se não “existisse” o problema ou ofuscando a dimensão do mesmo. O problema é corpóreo, é extenso e está bastante disseminado. Será que a imposição de um limite das margens de lucro oferecidas não constituía uma medida pertinente para amenizar o problema? Quem estabelece os preços das apostas? Como se diminui a atractividade que envolve o mercado de apostas desportivas? Como se impede a possibilidade de enriquecimento fácil neste mercado?

Os Países têm forçosamente que exterminar as apostas fraudulentas e a consequente combinação de resultados. A totalidade destes perigos e infracções, que deflectem especificamente das particularidades do mercado global de apostas desportivas online, somente têm lugar porque há indivíduos com poucos escrúpulos e organizações transnacionais criminosas na abordagem ao fenómeno desportivo, procurando, promovendo e escoltando interesses económicos individualizados em prejuízo do respeito pelos valores sociais do desporto, num menosprezo claro e directo em relação à ética desportiva. Será que não é essencial identificar e avaliar os actores protagonistas desta autêntica e pardacenta “catástrofe” que tem como palco o desporto? Será que uma assemelhação com o universo das artes dramáticas ou com o cosmos das literaturas trágicas é despropositada? Será que algumas das manipulações que ocorrem nas competições desportivas não foram retiradas de livros ou de filmes de ficção?

Desligar deliberadamente os projectores durante um jogo; jogar com suplentes em vez de apresentar os jogadores titulares; e a falta de comparência num jogo constituem exemplos de condições insólitas que relatam perfeitamente a imaginação, a criatividade e a originalidade daqueles que procuram garantir, a todo e qualquer custo, os seus interesses individuais. Será que o catálogo sobre as manifestações de combinação de resultados não tem potencialidade para ser incomensurável? Será que o desrespeito pela ética desportiva não constitui sempre um corolário da combinação de resultados? Será que essa combinação não pode aquartelar origens individuais, concertadas ou oriundas de influxos coercivos? Será que a combinação de resultados não tende a aumentar? Será que essas organizações transnacionais criminosas não vão aproveitando a ausência de cooperação entre os Estados no combate ao crime? Será que não é imprescindível e urgente controlar esses grupos organizados, diminuindo as suas potencialidades e amputando os seus campos de acção?

Estas organizações criminosas agasalham enorme capacidade de pressão, sendo altamente danosas. Qualquer manifestação social que movimente avultados recursos económicos acaba por constituir um alvo desejado, importante e apetitoso para todos aqueles que procuram, sem se preocuparem com o emprego de procedimentos menos éticos, garantir as suas próprias conveniências. Será que não é necessário consagrar categoricamente a ética desportiva? Será que a mesma não deve ser degustada como um princípio elementar e inatacável?

Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.


Conteúdo Recomendado