“A CNA espera que as notícias vindas a público não sejam apenas ‘fogo de vista’ e que sejam retiradas as devidas conclusões e adotadas medidas para impedir que engordem os bolsos de alguns à custa do empobrecimento dos agricultores e dos consumidores, pois esta forma de atuação será sempre ilegítima”, sustenta a confederação em comunicado.
Para a CNA, “este é mais um dos exemplos de que o mercado não se autorregula e que em Portugal reina a lei do mais forte, sendo por isso necessário que, para além de prosseguir com as atividades de fiscalização, se garanta regulamentação eficaz para impedir que a grande distribuição continue a esmagar agricultores e consumidores”.
“E, para isso, basta vontade política”, salienta.
Referindo-se aos dados apresentados na quinta-feira pela Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE), na sequência de ações fiscalizações desenvolvidas junto de super e hipermercados que apontam para margens de lucro na ordem dos 50% em alguns produtos agrícolas, a confederação da agricultura afirma que “confirmam uma situação que há muito a CNA tem denunciando e para a qual tem exigido uma solução urgente”.
“Perante os dados, não será de estranhar que a inflação nos produtos alimentares se mantenha acima dos 20%, mesmo quando a inflação geral está nos 8,2%”, nota.
A CNA salienta, contudo, que, “se hoje grande parte da população tem enormes dificuldades financeiras para pôr comida na mesa, não são os agricultores que estão a tirar proveitos, muito pelo contrário”.
“Se tivermos em conta que o rendimento dos agricultores desceu 11,8% em 2022, segundo o INE [Instituto Nacional de Estatística], por não conseguirem escoar a produção a preços justos e capazes de compensar os aumentos dos custos de produção, não é preciso fazer grande exercício para saber quem fica com a fatia de leão”, argumenta, acrescentando: “Basta olhar para os crescentes lucros milionários – e escandalosos – das empresas da distribuição de alimentos”.
Na opinião da confederação, a “transparência” é a base “para uma justa distribuição de valor na cadeia agroalimentar”, mas “não é possível garantir essa transparência quando o ‘Observatório de Preços Nacional é Sustentável’, criado com esse propósito há já meio ano pelo Governo, disponibiliza apenas os preços no produtor (algo que até já existia)”.
Simultaneamente, a CNA reclama a “promoção e adoção regulamentar dos circuitos curtos e mercados de proximidade, designadamente através de cantinas e outros estabelecimentos públicos”.
O objetivo é “garantir às explorações agrícolas familiares o escoamento da produção nacional a preços justos e aos consumidores o acesso a produtos de qualidade e proximidade a preços acessíveis”.
A ASAE anunciou na quinta-feira que instaurou perto de 70 processos-crime e mais de 100 processos contraordenacionais por especulação em fiscalizações a mais de 1.000 super e hipermercados desde o segundo semestre do ano passado, tendo detetado, por exemplo, margens de lucro superiores a 50% na cebola.
Do cruzamento entre a aquisição do retalhista ao fornecedor e a venda ao consumidor, a ASAE identificou margens de 30% em produções como o açúcar branco, óleo alimentar e a dourada.
Com margens de lucro entre 30% e 40% surgem as conservas de atum, leite e a couve coração, seguindo-se produtos como os ovos, laranjas, cenouras e as febras de porco, com margens a partir de 40% e até 50%.
O cabaz alimentar de bens essenciais definido pela ASAE para calcular a evolução dos preços aumentou quase 29% desde 2022 até fevereiro deste ano, para 96,44 euros, o que levou o Governo a prometer que vai “ser inflexível” para com todas as situações anómalas no setor alimentar.
No mesmo dia, a Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição (APED) contestou, em comunicado, estas conclusões da ASAE, assegurando que o setor do retalho alimentar não aumentou as margens de comercialização.
Sustentando que a distribuição e o retalho é um setor que “não engana os consumidores”, estando sempre “do lado da solução”, a APED acentuou que a distribuição alimentar “é um negócio de volume e não de margem” e que “a margem média do setor do retalho alimentar” ronda, em todo o mundo, os 2 a 3%, valor “que compara com margens da indústria na ordem dos 15 a 20%”.
“O setor do retalho alimentar não aumentou as margens de comercialização e reinventou-se para absorver o acréscimo generalizado dos custos operacionais, evitando que o ónus da inflação em geral para o consumidor fosse muito superior”, asseverou.
A APED sublinhou ainda que a distribuição “está a comprar os produtos cada vez mais caros”, já em 2023, aos fornecedores (indústria e produção), indicando que estes aumentos no início da cadeia refletem a subida dos custos dos fatores de produção decorrentes dos aumentos dos preços dos fertilizantes, das rações e de outros custos relevantes.
A associação deixou ainda um apelo à ASAE para que “cumpra o que prometeu e analise toda a cadeia de valor” e que promova “uma comunicação clara, objetiva e sustentada em evidências, que contribua para a promoção de um ambiente de serenidade junto dos consumidores”.