O Decreto-Lei n.º 156/78, de 30 de Junho determinou um conjunto de princípios para o regime de recrutamento e funções dos Juízes Sociais. Compete às Câmaras Municipais desenvolver todo o procedimento referente à elaboração das listas de candidatos a Juízes Sociais que intercederão nos casos de competência dos Tribunais de Menores. A nomeação é pelo período de dois anos. Na composição das listas, as Câmaras Municipais podem socorrer-se da cooperação de entidades públicas ou privadas. Organizadas estas listas pela Câmara Municipal, as mesmas são submetidas a votação da Assembleia Municipal e posteriormente remetidas ao Conselho Superior da Magistratura e ao Ministério da Justiça. Os Juízes Sociais são nomeados por despacho do Ministro da Justiça, a publicar em Diário da República. Os Juízes Sociais tomam posse nos Tribunais instalados em Comarcas de Distrito Judicial, perante o Presidente do Tribunal de Relação, e nos demais Tribunais, perante o respectivo Presidente. Será que a Justiça não constitui matéria excessivamente importante para que a deixemos unicamente a cargo dos Juízes de Direito? Será que podemos falar abertamente em democracia se não desfilarem “argumentos” que, por jurisdição constitucional, executem a relevante função de garantir os direitos fundamentais?
O exercício do cargo de Juiz Social pode ser degustado como serviço público obrigatório, sendo considerado para todos os efeitos como prestado na profissão, actividade ou ocupação do respectivo titular. Dá direito a ajudas de custo e indemnização por despesas de transporte e perda de remunerações que resultem das suas funções, sendo o montante das ajudas de custo fixado por despacho do Ministro da Justiça. Salientar que os Juízes Sociais estão sujeitos às mesmas causas de impedimento e motivos de desconfiança que o Juízes de Direito, sendo-lhes aplicáveis, com as devidas e epidérmicas acomodações, os regulamentos sobre disciplina estabelecidos para estes. Sempre que os Juízes Sociais intervenham, a deliberação é tomada por maioria de votos, votando primeiramente os Juízes Sociais e por fim o Juiz Presidente. Será que os Juízes Sociais não colaboram, de modo significativo, para a denominada e ambicionada “democratização” das decisões dos Tribunais de Menores?
O período liberal compreendeu uma clara preponderância do Legislativo, afastando para segundo plano o Executivo e o Judiciário. Com o aparecimento do Estado Social verificou-se um engrandecimento da Administração Pública, que amorteceu e consumiu parcelas de competências normativas tradicionalmente conferidas ao Parlamento. O Estado Democrático de Direito acabou por equiponderar a balança, destacando a independência, a “insubmissão” e a autonomia do Judiciário, concedendo-lhe maiores competências na direcção e no sentido do processo, bem como no controlo do Executivo e do Legislativo.
Apesar de ser um facto bastante simples e compreensível, contudo sumarento no que diz respeito à significação, temos de admitir que o homem é um ser social. Desde os primórdios que o homem compreendeu a necessidade e a importância da vida em grupo. Sempre existiu uma dependência mútua, assinalada pelo instinto de sobrevivência, para a satisfação das necessidades elementares, ou seja a alimentação, o vestuário e a saúde. Cada membro da comunidade exercia uma determinada actividade e compartilhava os seus granjeios com os outros elementos da mesma. Na realidade, e contemporaneamente, esse encadeamento apresenta-se em moldes bastante mais intrincados, contudo a distribuição dos papéis sociais subsiste, ocupando a medula da contextura funcional da sociedade.
A indispensabilidade da vida em grupo também pode ser reforçada sob o ponto de vista espiritual, ou seja a necessidade intrínseca aos seres humanos de compartilhar ideias, sensações, sentimentos e agitações. No âmago dessa óptica, ressalta o conceito de sociabilidade humana como disciplina ou matéria natural inerente ao homem. Concomitantemente, o homem também percebeu que a confraternização e a comunhão com os demais acabam por se metamorfosear num manancial gerador de antagonismos e de discórdias, que reclama uma equitativa organização e disposição com a finalidade de recuperar a harmonia dilacerada.
Nas “primeiras” sociedades, nas quais não desfilava qualquer tipo de mecanismo estatal, outorgava-se, de modo geral, a apreciação dos conflitos aos chefes que eram geralmente os indivíduos mais idosos. Muitos dos procedimentos de justiça, mesmo aqueles de configuração criminal, eram determinados unanimemente no seio das comunidades e realizavam-se segundo arquétipos de mediação, de “ajuste” e de negociação, em detrimento da injunção de normas abstractas. Neste entrecho, podemos afirmar que os primeiros “Juízes” posicionavam-se como autênticos mediadores dos conflitos resultantes da convivência social, procurando apropinquar as conveniências das partes.
Posteriormente os Juízes começaram a procurar na própria sociedade os raciocínios, as “argumentações” e os requisitos para amputar as divergências e as altercações. Procuravam conhecer as práticas e os hábitos de uma determinada sociedade, a tradição jurídica e religiosa do País, assim como as concepções de ética e de senso comum vigorantes. Logo, este paradigma parqueia sobre a noção de Direito como aparelho de preservação do existente, na qual o Juiz, de forma “nativa”, também agasalha e exerce um papel conservador. Será que não é relevante conhecer os modelos característicos das sociedades antigas? Será que não é pertinente compreender a dinâmica dos povos com disposição jurídica de alicerce consuetudinário, ou seja baseada nos usos e nos costumes?
Na cronografia do sistema sancionatório ou penal, as organizações e as instituições judiciárias, quando tentaram aclarar e circunscrever o protótipo “fantástico” de Juiz, entremearam entre o semblante do Juiz Cidadão e o semblante do Juiz Magistrado. É seguramente pertinente asseverar que esse “revezamento” acondicionou, na maioria das ocasiões, concatenação com a doutrina processual perfilhada. O primeiro esteve sempre mais relacionado com o sistema acusatório. O segundo esteve constantemente mais ligado ao sistema inquisitório. Os iluministas, desassossegados com os horrores da inquisição e apesar de reconhecerem que a inexistência de conhecimento legal podia influenciar negativamente a capacidade de deliberação, passaram a defender e simultaneamente a promover o arquétipo do Juiz Cidadão.
A esmagadora maioria dos cidadãos, aplaudidos pelos meios de comunicação social, classifica o Poder Judiciário como vagaroso, extemporâneo, obsoleto, pardacento, inoperante, ineficaz, corporativista, burocrático, rígido e mutilado relativamente à gestão administrativa. Salientar que as voltagens concernentes à justiça podem ser degustadas segundo alguns ângulos. O primeiro, de disposição estrutural, está intimamente associado ao seu financiamento. O segundo, de temperamento pragmático, inventaria-se à burocracia e à lentidão dos procedimentos judiciais. O terceiro ângulo, relacionado com o espaço físico, arrola-se com a deterioração de muitos dos edifícios de justiça e com a adjacente dificuldade de organização e acondicionamento de processos. O Quarto, de impressão tecnológica, relaciona-se com a inabilidade dos operadores jurídicos em laborarem com novas texturas comunicacionais. O Quinto, intimamente ligados aos paradigmas, cataloga-se com os procedimentos e matérias aplicadas pelo direito na perspectiva da solução dos conflitos. Será que o Poder Judiciário, em inúmeras circunstâncias, não pode ser considerado como um insciente prestador de um serviço público fundamental? Será que não existe uma incompatibilidade entre a estrutura judiciária clássica e a verdade socioeconómica sobre a qual tem de agir? Será que a concepção tradicional de função jurisdicional não desfila actualmente?
A lei, apesar da sua silhueta genérica, ostenta, como norma ou princípio, matéria bastante específica, todavia deve admitir maiores “expedições” em relação ao seu próprio conteúdo. Os argumentos manejados pelos Juízes devem ser capazes de mostrar que as deliberações “arremessadas” nos autos são consequência da sua razão e do seu livre convencimento, bem como de algumas fundamentações que porventura ultrapassam aquelas que estão descritas e prescritas no sistema jurídico-constitucional.
Sabemos que a legislação é profusa, anárquica e confusa; a burocracia está abundantemente presente nos procedimentos e nas próprias estruturas de funcionamento ou laboração; o formalismo processual é desproporcionado; os Juízes em determinadas circunstâncias adejam fora do espaço real e “corpóreo”; e a lentidão da justiça é persistente e perpétua. Como são os julgamentos bem formulados? Será que os mesmos acomodam as reivindicações sociais? Qual é a capacidade administrativa dos Juízes? Será que os Juízes estão preparados para lidar com a natureza e a fragrância dos novos conflitos colectivos? Como se classificam os novos conflitos? Será que no campo jurídico, os motivos e os resultados não se trespassam a alta rotação?
Salientar que em qualquer Estado Constitucional de Direito existem complicações, cavalos-de-batalha e dilemas na aplicação de uma justiça célere, equitativa, concreta, consistente, firme e segura. Uma justiça vagarosa é certamente uma justiça imperfeita e malévola, contudo uma justiça muitíssimo veloz pode não corresponder a uma justiça perfeita e benévola. Na verdade, e numa perspectiva geral, todos os cidadãos ambicionam uma performance jurisdicional profícua, porém para isso suceder é necessário acelerá-la.
É seguramente importante realçar a necessidade do reconhecimento e da aceitação, por parte dos outros poderes e da própria sociedade, da superfície de responsabilidade que lhes pertence e do exequível tributo que deles se espera para a implementação de uma justiça equitativa, pigmentada e sumarenta. Quais são os itinerários que aformoseiam a soada “reforma silenciosa da justiça”? Como se define a “reforma silenciosa da justiça”? Será que não existem dois poderes judiciários? Será que um desses poderes não é preocupantemente conservador, ou seja contrário à mutação e visceralmente enraizado nos automatismos? Será que o outro poder judiciário não procura modernizar a maior parte dos vértices que compõem a justiça e a sociedade, procurando mesmo conviver com o pormenor ou o detalhe? Será que actualmente este “segundo” poder judiciário ainda não é minoritário e insuficientemente compreendido? Será que uma autêntica reforma no sistema judicial dispensa este “segundo” paradigma de judiciário? Será que a efectivação da justiça deve ser sinónimo de texto de lei ou de excerto de lei?
A sociedade contemporânea está profundamente interessada na democratização do judiciário; no alargamento do acesso à justiça; e na aprovação, por parte dos Juízes, de atitudes e disposições mais flexíveis e permeáveis à compreensão dos desejos e das reais carências sociais. Será que o Direito não pode constituir um valoroso mecanismo de transfiguração social? Será que não é capital ter uma justiça eficiente, competente e democrática?
Uma justiça eficiente tem que ser acessível a quem dela necessita, regulada pelos princípios legais e capaz de dissolver completamente e verdadeiramente os problemas num período de tempo razoável. Por sua vez, a democratização da administração da justiça compreende inúmeras prescrições como sejam: o maior compromisso dos cidadãos na administração da justiça, quer seja de uma forma individual ou colectiva; o encorajamento à concertação das partes envolvidas; a descomplicação dos procedimentos judiciais; a maior participação do “senso-comum” nos tribunais; e a edificação de um serviço de assistência jurídica que promova a igualdade de acesso à justiça, independentemente da “classe social” a que os cidadãos pertencem.
Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.