Frágil a Memória da Compaixão – Parte II

A evolução da medicina proporcionou aos hospitais a assunção de modernas particularidades.

Estas “especificidades” ajudaram a ultrapassar, ainda que de forma lenta e algo desigual, a diferenciação que existia entre o atendimento curativo e o preventivo. Presentemente, qualquer cidadão tem a noção de que os hospitais agasalham a obrigação de actuar na totalidade dos vértices de saúde, ou seja desde a prevenção até à reabilitação. O hospital jamais se pode insular da sociedade que deseja servir e beneficiar. As comunidades acabam por ter interferência na origem, nas políticas, nas acções, nos procedimentos, na conservação e nos trajes de aperfeiçoamento dos hospitais. O hospital é um sistema complexo que deve facultar a conservação do conforto intelectual, físico e social dos indivíduos. Será que o hospital não é um prestador de serviços na superfície assistencial, na providência e na recuperação da saúde? Será que o mesmo não deve proporcionar mecanismos e recursos para a implementação de pesquisas, de esquadrinhamentos e de fisionomias de instrução em todas as actividades interligadas com a saúde? Será que os hospitais não devem ser um núcleo de formação médica e de investigação social?

A humanização, por ser importante em todos os sectores, aquartela também o lado dos profissionais de saúde e dos restantes colaboradores. Todos os funcionários precisam de ser tratados com estima e de ter equilíbrio físico, emocional e financeiro, bem como acesso à comunicação ascendente dentro da organização. O ambiente de trabalho deve ser hospitaleiro, higienizado, prazenteiro, luminoso e tranquilo. Será que a saúde não deve ser um elemento de paz e tranquilidade dentro e fora do hospital? Será que o acesso à saúde não é um direito de todos os cidadãos, assim como uma “incumbência” do Estado? Será que o Estado não deve garantir políticas sociais e económicas que autentiquem a diminuição do risco de doença, bem como o ingresso universal e igualitário dos cidadãos aos serviços hospitalares?

O paciente sente-se mais animado e esperançado quando tem conhecimento que o hospital, no qual está internado, aconchega profissionais habilitados e competentes. A maioria dos doentes não tem competência para computar se os procedimentos “técnicos” estão a ser aplicados de maneira profícua. Contudo, qualquer paciente consegue compreender a forma humana, ou pouco humana, que está por detrás do tratamento específico, bem como de todas as actividades. Será que a humanização pode dispensar a proficiência, a delicadeza, a dilecção e o afecto? Será que quando procuramos qualidade, não é obrigatório que a afectividade, a sensibilidade e a competência desfilem em íntima relação? Será que para tratar bem os doentes, não é necessário que o profissional de saúde também cuide bem de si? Será que os profissionais de saúde não necessitam de ser saudáveis exteriormente e interiormente?

A prática administrativa actual, ainda que longe de estar totalmente disseminada, está vocacionada para uma administração participativa, acreditando que os colaboradores são competentes para operar como agentes de mudança. Nesta fisionomia de administração, os profissionais são saboreados como protagonistas das organizações e estas, quando deixam de administrar funcionários e passam a administrar com os funcionários, demonstram identificar a criatividade e as aptidões intelectuais dos mesmos. Esta transfiguração está intimamente associada ao facto de a sociedade já não consentir injunções, almejando, através dos cidadãos, ser parte integrante das deliberações que ocorrem nas organizações. A sociedade precisa conhecer as enfermidades para as quais o hospital é especializado, assim como as necessidades efectivas dos cidadãos que ali se hospitalizam e as diversas opções de tratamento. Quando os gestores hospitalares se rodeiam destas configurações, mais oportunidades de humanização irão ter os ambientes hospitalares que orientam.

Os hospitais hospedam pessoas que labutam com vigorosas emoções, ou seja nascimento, enfermidade e óbito. Os espaços físicos em si, assim como todas as suas diversas componentes, passaram a ter mais significado, especialmente para os pacientes e funcionários. Nesta perspectiva, os profissionais que estão embrulhados com a estruturação e o planeamento hospitalar devem valorizar cada vez mais os espaços físicos. Será que os espaços físicos elegantes não colaboram para a humanização hospitalar?

A cor pode ser saboreada como um conjunto de sensações visuais procedente do reflexo da luz sobre os objectos. As superfícies e extensões dos corpos exercem um movimento selectivo em relação aos raios luminosos, uma vez que os assimilam ou os reflectem. Será que cada estímulo visual não agasalha características próprias? Será que os estímulos visuais não possuem dimensão, comensuração, luz, cor e contiguidade? Será que o “entendimento” visual não é dissemelhante de indivíduo para indivíduo? Será que a cor não sensibiliza, emociona, abrange, exprime e edifica? Será que a mesma não aquartela um conjunto de símbolos? Será que a cor não aconchega a capacidade de comunicar um conceito?

Os hospitais necessitam de grandes transmutações físicas, uma vez que os doentes requerem melhores índices de atendimento, bem como de qualidade. A cor acaba por ser uma componente que também “notifica” essas transfigurações, pois possibilita comodidade, “momento” e serenidade. O equilíbrio visual e a simetria cromática são condições que estão subordinadas à dimensão e configuração do espaço físico. Será que que não existem cores que convidam e outras que repelem? Será que não há cores que encapelam e outras que embaraçam os indivíduos? Será que a cor não pode desenhar ilusões? Será que a mesma não pode influenciar profundamente o espaço físico, bem como os índices de compreensão, concentração e ponderação? Será que a cor não pode esboçar delineamentos de pasmaceira ou de movimento?

O homem aconchega a capacidade de se acomodar às mais dissemelhantes conjunturas ambientais. Por esse motivo, em muitos hospitais aquilo que efectivamente ocorre é uma aquiescência, por parte dos profissionais de saúde e dos doentes, das instalações, mesmo não usufruindo da colaboração destas para o cumprimento das suas funções. Será que esta situação não provoca um desmoronamento dos indicadores de produtividade? Será que nos hospitais, os funcionários não laboram debaixo de elevadas voltagens? Será que os contextos ambientais devem constituir mais um elemento de perturbação e fadiga?

As cores, quando usadas em edifícios, acabam por oferecer uma conspecção universal do conjunto, ou seja uma orientação espacial. Esta conjunção simplifica a deslocação dos cidadãos, possibilitando aos mesmos a definição de um género de mapa ou trajecto intelectual. Será que a arquitectura do ambiente não encaminha os cidadãos?

Alguns hospitais aquartelam espaços físicos com pouca iluminação natural, paredes brancas ofuscantes e umbrosas, e pisos escuros. Os resultados psicológicos provocados pela cor são, em certa medida, associações espontâneas com experiências anteriormente degustadas ou observadas. Lugares com escassa luminosidade deixam as pessoas afadigadas, enfraquecidas, depauperadas e abatidas. A combinação de cores assume um papel importante, devendo desfilar nos hospitais e em qualquer outo local. Será que os espaços físicos não necessitam de estar activos e “entusiasmados”?

Na realidade, a qualidade é um escalão outorgado a um determinado produto ou serviço. A comodidade visual, a temperatura, o ruído, a iluminação, a humidade, o equipamento e o espaço físico são condições que contribuem para a “classificação” da qualidade. Será que para alcançar certas metas não é indispensável um rigoroso planeamento? Será que a cor não ajuda a humanizar o edifício hospitalar? Será que os ambientes coloridos não humanizam o serviço hospitalar?

É fundamental adquirir a responsabilidade de proporcionar, através da arquitectura, os padrões funcionais e de bem-estar necessários ao salutar cumprimento dos procedimentos clínicos, assim como o conforto físico e psicológico dos doentes. Será que os arquitectos não podem auxiliar no processo de recuperação dos pacientes? Será que a arquitectura hospitalar não pode ser degustada como um importante instrumento de recuperação?

Somente um número reduzido de arquitectos teve a oportunidade de trabalhar em equipas multidisciplinares que valorizavam a ininterrupta permuta de conhecimentos. Neste sentido, podemos seguramente afirmar que a comutação estável e duradoura de sapiências entre os profissionais de saúde, os outros colaboradores, os arquitectos e os designers assume uma função essencial.

O crescimento da crise na saúde promove algumas conjunturas pardacentas nos hospitais como sejam: isolamentos com vários pacientes; crianças a ocupar o mesmo berço; corredores obstruídos por macas; doentes a competir pelo espaço físico; profissionais de saúde desgostosos e desinteressados; consultas constantemente proteladas; doentes infelizes e desmoralizados; filas infindáveis de utentes; e famílias desesperadas. Será que a arquitectura hospitalar não deve ter o mesmo grau de importância daquele que tem o gesto médico?

A humanização dentro dos hospitais deve conglomerar as seguintes fisionomias: estima pelos dissemelhantes agentes comprometidos no sistema de produção de saúde; aumento dos índices de autonomia, sentimento de pertença e protagonismo nos profissionais de saúde; encorajamento à comunicação ascendente e ao escalão de co-responsabilidade; implementação de verdadeiras ligações interdependentes; edificação de ambientes afectivos; participação colectiva nos arquétipos de administração; identificação e compreensão das efectivas indispensabilidades sociais de saúde; aperfeiçoamento das condições de trabalho; desenvolvimento constante de interacções profícuas entre os funcionários; elaboração de verdadeiros e abrangentes programas hospitalares; criação de atléticas pantalhas de planeamento; “ilustração” correcta e pigmentação coerente dos espaços físicos; e aprimoramento no atendimento. Será que as texturas de humanização não se encontram ainda em processo de estruturação? Será que não existe uma conexão directa entre a humanização do edifício hospitalar e os princípios que governam a benigna arquitectura? Será que os hospitais não se devem metamorfosear em espaços afáveis, lúdicos e ricos em tamanho, qualidade e pigmentação?

A humanização do edifício hospitalar necessita de projectos que embrulhem a formosura do desenho; o apreço pela funcionalidade; a análise da composição da população; o carácter interdisciplinar da equipa; o enquadramento da tela nosológica; a “observação” rigorosa da localização; a formação urbanística do arquitecto; o respeito pelas configurações construtivas adjacentes; a decomposição de eventuais antagonismos com as vocações de expansão da cidade; a investigação sobre a contiguidade de “equipamentos municipais” incompatíveis com o exercício hospitalar; o estudo de uma possível ampliação futura; o esguardo pela recuperação da saúde; a estima pelo conforto dos doentes; e a incorporação de novas práticas e tecnologias nos procedimentos médicos. Será que o cuidar não envolve a actuação nos limites humanos? Será que as equipas de saúde já conseguiram fortificar a ideia de que a família é um conjunto que possui necessidades específicas dentro da conjuntura hospitalar? Será que a arquitectura hospitalar não deve ser “sinónimo” de cura? Será que os edifícios hospitalares não agasalham singularidades que os distinguem de todos os outros edifícios de complexidade análoga? Será que o hospital não reúne, no mesmo edifício, um espaçoso número de funções? Será que algumas dessas funções não são mesmo incompatíveis? Será que os hospitais não aglomeram as actividades terapêuticas, bem como, entre outras, as funções hoteleira, industrial, laboratorial e comercial? Será que a multiplicidade funcional do hospital não constitui o carácter simbólico que o mesmo obteve ao longo dos tempos?

Os hospitais são palcos de alegria, de sofrimento, de angústia e de morte. Na realidade, é nestes edifícios que o homem se consciencializa, diante da enfermidade, da sua própria debilidade, impotência e isolamento. Contudo, também deve ser nos mesmos que o homem encontra a coragem, a bravura, o companheirismo, o afecto, a serenidade e a esperança para o processo de cura. Será que os edifícios hospitalares não “convivem” com um constante processo de transfiguração? Será que não era importante que os arquitectos fossem obrigados a escoltar o funcionamento do hospital, por um tempo a determinar, logo após a sua inauguração? Será que o desenvolvimento tecnológico não exige uma persistente adaptação do edifício hospitalar? Será que não é elementar a implementação de estratégias que de alguma forma garanta que as edificações, quando concluídas, sejam leais aos projectos que as originaram? Será que os hospitais não são as organizações mais complexas até agora concebidas pelo homem?

O mundo sofre as vantagens e as desvantagens da globalização. Os cidadãos assistem frequentemente, e em todas as superfícies, ao ingresso de novos avanços tecnológicos.

Os consumidores estão cada vez mais exigentes, escrupulosos e comprometidos com as inovações que diariamente lhes são patenteadas. Logo, torna-se indispensável que as empresas estejam organizadas e preparadas para adaptar as tecnologias aos apetites e necessidades dos clientes.

Tendo em consideração que os hospitais não deixam de ser uma espécie de empresa, os administradores hospitalares acabam por agasalhar a incumbência de estruturar estratégias capazes de granjear os resultados aguardados pela instituição, onde se inclui o “contentamento” dos clientes. Qual a pertinência da atitude do administrador em investir no planeamento arquitectónico do ambiente hospitalar? Quais são os benefícios alcançados com a implementação dessa estratégia?

Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.


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