Câmaras castigadas por não multar quem não limpa a floresta

Em 2013, a GNR abriu mais de 19 mil contraordenações. O ministro Miguel Macedo queixa-se de que as autarquias não aplicaram as coimas devidas e alterou a lei. A competência passou para o Governo.

As câmaras municipais não dão seguimento aos milhares de contraordenações que a GNR levanta todos os anos aos proprietários privados que não limpam os seus terrenos e, por isso, o Governo retirou-lhes essa competência.

Em 2013, o Serviço de Proteção da Natureza e do Ambiente (Sepna) da GNR levantou 19.046 processos de contraordenações por não limpeza de matas e florestas, um número ligeiramente superior ao registado em 2012, 16.767.

Nos últimos dois anos, o distrito de Braga liderou, destacado, o número de levantamento de contraordenações, 1.829 em 2012 e 2.240 em 2013. A responsabilidade de dar seguimento ao processo de contraordenação era da autarquia, mas, contactado pelo Observador, o atual presidente da Câmara, Ricardo Rio, disse que não tem “essa contabilidade feita, isso não está tratado estatisticamente”. Ricardo Rio, eleito em setembro de 2013, salientou que “a aposta da autarquia tem sido na prevenção” e que, por isso, fez acordos com os Grupos de Intervenção de Protecção e Socorro, da GNR. Quanto à decisão do Governo, de retirar a competência às autarquias para multar quem não limpa, considera que “não é negativa, acaba por ter vantagens porque muitos municípios nem têm meios para o fazer”.

Não faltam exemplos espalhados pelo mapa nacional de autarquias que não conseguiram dar seguimento às contraordenações levantadas pelo Sepna. Tal como Braga, a Câmara de Viseu não conhece os dados. Sintra só passou 31 multas, cerca de metade dos casos em que devia ter agido. Vila Nova de Famalicão passou 12 multas e tem 21 casos pendentes, entre 62 contra-ordenações (as restantes foram arquivadas ou aplicadas admoestações). É o retrato do país, feito numa ronda aos principais concelhos que tiveram incêndios florestais em 2013, numa altura em que se aproxima o início de nova época de fogos.

A 26 de fevereiro, o ministro da Administração Interna, Miguel Macedo, queixou-se na Assembleia da República do desleixo das autarquias nesta matéria.  «É uma pura perda de tempo e um desperdício aquilo que, neste momento, acontece. Todos os anos, há umas centenas de autos que são levantados pelas autoridades policiais, em particular pela Guarda Nacional Republicana. (…) As autarquias não nos informa, mas a perceção que todos temos, no terreno, é que não acontece, na maior parte ou na esmagadora maioria dos casos, nada”, afirmou, durante uma audição no grupo de trabalho constituído para analisar o que fazer quanto aos incêndios florestais.

Nessa altura, Macedo anunciou que o Governo pretendia mudar a legislação: já que as câmaras não atuavam, então mais valia retirar-lhes a competência que não exerciam. Foi o que aconteceu. O novo decreto-lei foi publicado dia 23 de maio e transfere o poder de impor coimas dos serviços municipais para a secretaria-geral do Ministério da Administração Interna. O poder de cobrar coimas fica assim partilhado entre o MAI e o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas.

A Associação Nacional de Municípios (ANMP) contesta. Os municípios dizem que não alteram uma vírgula ao que já haviam afirmado quando foram ouvidos. A ANMP foi ouvida na fase de projecto deste decreto-lei n.º 83/2014 de 23 de Maio, conforme obriga a lei, e, nessa ocasião (abril 2014) emitiu um “parecer inequivocamente desfavorável” por considerar que “retira aos municípios, particularmente ao presidente da câmara, a competência para a aplicação de coimas”, bem como “retira aos municípios uma significativa percentagem do produto das coimas aplicadas nesse âmbito”.


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