Há quatro elementos que atravessam esta reportagem do princípio ao fim: a História, a água, o verde e o silêncio.

Concelho do Sabugal - Castelo de 5 Quinas

Agora que já pode voltar à estrada, fica aqui a sugestão para conhecer melhor os castelos medievais do concelho do Sabugal. Ao longo de toda esta vigem por terras raianas, aproveite bem tudo o que o rio Côa tem para lhe oferecer
Há quatro elementos que atravessam esta reportagem do princípio ao fim: a História, a água, o verde e o silêncio.

Estamos quase em cima da linha que separa as duas nações ibéricas mas, ao contrário de muitas outras zonas de fronteira – um pouco por toda a Europa – nesta, não há sinal de pujança demográfica nem de um lado nem do outro.

Do lado português, temos um concelho do Sabugal povoado de pequenas aldeias (mais de 40), mas que atravessamos sem nos cruzarmos com quase ninguém. Do lado Espanhol, abre-se a imensa região de Castela e Leão, num planalto praticamente vazio de gente, onde sobressaem algumas explorações agrícolas de gado e porco preto, a perder de vista.

A boa notícia é que, o que falta em demografia é, de alguma forma, compensado pela pujança de uma natureza generosa e luxuriante, que vale a pena desfrutar ao pormenor.

PONTE DE SEQUEIROS
De volta ao elemento ‘água’, e já nas margens do rio Côa, começamos esta viagem junto à Ponte de Sequeiros. Uma obra de engenharia notável, de estilo românico, assente em três arcos, cuja construção remonta ao século XIII.

Esta ponte poderá ter sido uma espécie de marco de fronteira entre Castela e Leão, no período anterior à incorporação das terras de riba-Côa no território português, pelo Tratado de Alcanizes.

A imensidão da paisagem é quase do tamanho do silêncio que, desde logo, monopoliza a nossa atenção.

Ainda nem sequer visitámos nenhum dos cinco castelos medievais das terras sabugalenses e já notámos algo, no mínimo, surpreendente: as águas do rio Côa correm ao contrário [do que é habitual]. Isto é, deslizam de sul para norte, em direção ao rio Douro. Nascem na aldeia sabugalense de Foios e entroncam no Douro em Vila Nova de Foz Côa.

Vilar Maior

Da Ponte de Sequeiros partimos à descoberta do primeiro castelo desta viagem: Vilar Maior, a cerca de oito quilómetros dali, andando para leste.

A história desta muralha começou recua a meados do séc. XI, inícios do séc. XII, tendo sido envolvida em 1280, por uma segunda cintura de muralhas para maior proteção dos habitantes.

Em 27 de novembro de 1296, D. Dinis concedeu-lhe carta de foral e acrescentou ao castelo, a Torre de Menagem.

A vila (que deu origem a Vilar Maior) fez parte do Reino de Leão até à sua conquista por D. Dinis. Com a integração no território nacional em 1297, o monarca reforçou o castelo com a torre de menagem adossada.

No seu interior existiam edifícios até ao séc. XVII, recentemente postos a descoberto. No exterior ainda se podem observar alguns vestígios de uma barbacã, que ajudava a proteger a muralha.

ALFAIATES
19 quilómetros depois, percorridos ali já bem junto da linha de fronteira com Espanha, alcançamos o castelo de Alfaiates. Terra que durante algum tempo também foi chão de Castela e que, tal como Vilar Maior, também passou para Portugal depois de assinado o tratado de Alcanizes.

A origem desta fortificação não tem uma data precisa mas estima-se que possa ter surgido no final do século XII.

D. Manuel I mandou edificar uma nova fortaleza e uma cerca em Alfaiates, projeto apenas (parcialmente) concretizado em 1641, com aproveitamento de muros e alicerces previamente existentes.

Brás Garcia de Mascarenhas, governador desta praça-forte entre 1641-1642, apresenta a primeira descrição, com algum pormenor das estruturas existentes e trabalhos feitos.

Assim, o que hoje podemos encontrar são vestígios da fortaleza/cerca por ele edificada ou reconstruída.

Durante as invasões francesas em 1811, o castelo desempenhou um papel importante na defesa da zona fronteiriça.

O castelo apresenta uma dupla cintura de muralhas, ambas de planta retangular. O interior ostenta duas torres quadrangulares, colocadas em vértices opostos, sendo a torre de menagem a de maiores dimensões.

Na fachada principal encontra-se o brasão real de D. Manuel I, enquadrado por duas esferas armilares, tal como na janela existente na torre situada a sudeste.

VILA DO TOURO
A próxima etapa desta viagem por terras de riba-Côa é um pouco mais longa. São cerca de 27 quilómetros até Vilar do Touro, com uma nova travessia do rio que anda de sul para norte, algures entre Vale das Éguas e Rapoula do Côa.

Abrimos aqui um pequeno (mas muito importante) parêntesis para deixar bem claro que é nestas pequenas localidades que se situam, provavelmente, as duas mais belas praias fluviais do Côa, em território sabugalense – e são muitas e variadas as zonas de veraneio ao longo das águas límpidas e frescas deste rio

No caso de Vale das Éguas, recomendamos especial atenção ao trajeto de cerca de um quilómetro que liga a aldeia à praia fluvial. Uma rua/estrada estreita – onde não se cruzam dois carros – empedrada, ladeada por uma vegetação luxuriante e por uma sequência de árvores frondosas que transformam aquela breve deslocação numa experiência sensorial única. Uma espécie de sinfonia de cores, aromas e jogo de sombras, absolutamente a não perder e, se possível, para percorrer a pé e não de carro, como muitos ainda insistem em fazer.

Mas, retomando então a rota dos castelos medievais do concelho do Sabugal, avistamos finalmente Vila do Touro. Desde logo duas recomendações: desloque-se com atenção pelas ruelas entre o casario, pois a sinalética para descobrir onde fica o castelo é escassa e de pequenas dimensões. Por outro lado, tente não ir de carro até ao limite da muralha, pois não há li espaço para estacionamento e trata-se de uma rua sem saída.

Já agora, uma terceira recomendação: não eleve demasiado as expectativas pois, há muito pouco para ver em termos de edificação muralhada. Ainda assim, merece uma visita pausada e atenta. Aliás, da sua zona mais elevada da edificação, avistam-se as principais elevações da região de forma bem nítida e demarcada, como por exemplo o Cabeço de São Cornélio, o Cabeço das Fráguas, a cidade da Guarda, Sabugal Velho, entre outras.

Sobre o castelo (ou o que resta dele), o que se sabe é que no início do séc. XIII, Pedro Alvites, Mestre da Ordem do Templo concedeu Carta de Foral à Vila do Touro. Entre as obrigações da população, encontrava-se a de construir o castelo.

Atualmente, subsistem, apenas dois troços de muralha, aproveitando o relevo entre as rochas graníticas pré-existentes, sem vestígios de ali se ter erigido qualquer torre.

Provavelmente, a construção ficou inacabada. Segundo as inquirições de 1290, terá sido destruído pelo concelho da Guarda, preocupados que estavam com a ameaça que esta fortificação poderia representar para manutenção do seu predomínio nesta zona.

Em 1319 a Vila do Touro, com a extinção da Ordem do Templo, passou para a Ordem de Cristo, tendo visto o seu foral renovado em 1510, por D. Manuel I.

SABUGAL
Uma dezena de quilómetros para sul, ao longo da margem esquerda do Côa que vai correndo, mansinho, para norte, alcançamos a sede de concelho: a cidade do Sabugal, onde se situa um dos castelos mais imponentes deste território raiano.

Trata-se daquele que é conhecido pelo castelo das cinco quinas, devido à forma pentagonal da enorme torre de 28 metros de altura. Há mesmo um ditado popular que eternizou o feito: “Castelo de cinco quinas, só há um em Portugal. Fica à beira do rio Côa, na vila [agora cidade] do Sabugal”.

Reza a historia que a cidade do Sabugal terá tido ocupação humana muito remota, como atestam as escavações realizadas na zona.

No entanto, apenas na Idade Média se encontram referências precisas a estas terras, com a reconquista cristã. Fazendo parte do Reino de Leão, em finais do séc. XII, D. Afonso IX de Leão, fundou a vila do Sabugal e deu-lhe foral.

D. Dinis, pelo tratado de Alcanizes em1297, ficou com as terras da margem direita do Côa e, para assegurar a defesa do Sabugal, mandou reforçar o castelo, construindo uma imponente torre de menagem de planta pentagonal regular. Confirmou o foral existente e a sua feira franca.

Ao longo dos tempos, o castelo foi perdendo importância militar, quer pela distância em relação à fronteira, quer pelas novas exigências defensivas.

Como resultado do seu pouco interesse prático, foi transformado em cemitério, em 1846, o que implicou a demolição das construções existentes no seu interior. Apenas por volta de 1927, com a construção do novo cemitério, volta a ganhar relevo histórico, mas foi considerado monumento nacional logo em 1910.

Entre 2003 e 2005 sofreu obras de recuperação e beneficiação, e conta atualmente com um anfiteatro no seu interior. O castelo integra parte da cintura de muralha leonesa da vila e, no interior da muralha, subsistem vestígios de estruturas arquitetónicas, provavelmente correspondentes aos edifícios habitados pela guarnição que ali se instalou com fins militares.

SORTELHA
Por último, mas nada, rigorosamente nada menos importante (antes pelo contrário) chegamos ao castelo de Sortelha, situado a uma dúzia de quilómetros da sede de concelho, se andarmos para poente.

E vale mesmo a pela frisar a palavra ‘poente’ pois, dali, avista-se uma dos ocasos do sol mais espetaculares de toda a região, com a silhueta da Serra da Estrela no horizonte.

Claro que os gostos não se discutem mas, Sortelha é, seguramente, uma das aldeias mais bonitas de Portugal. Com um pequeno [e penoso] senão. No aldeamento edificado no interior da muralha resiste apenas um habitante. Toda a restante população de Sortelha vive nos arrabaldes.

Recuando no tempo, importa sublinhar que em 1228, D. Sancho II concedeu Foral a Sortelha e mandou edificar o castelo, que fazia parte de um conjunto de fortificações que, de ambos os lados do rio Côa, protegiam a fronteira que era delimitada pelo seu leito.

Com as conquistas realizadas por D. Dinis na região e consequente assinatura do Tratado de Alcanizes em 1297, a fronteira avançou para leste, retirando importância estratégica a Sortelha. Apesar disso, D. Dinis e, posteriormente, D. Fernando ainda tiveram a preocupação de reforçar as suas defesas.

Apenas com D. Manuel I (séc. XVI) a vila volta a beneficiar das atenções reais. Em 1510, o soberano atribui-lhe novo foral, tentando incentivar o seu repovoamento e revitalização económica.

A distância em relação à fronteira com Espanha e a pobreza da zona fizeram com que fosse perdendo importância, até ser extinto o concelho, no séc. XIX, sendo integrado o seu território no do Sabugal.

Já no nosso tempo, em finais dos anos 90, Sortelha foi incluída no projeto das Aldeias Históricas de Portugal, sendo alvo de intensivo trabalho de reabilitação do património arquitetónico.

O castelo de Sortelha é o típico castelo roqueiro construído no pináculo rochoso mais elevado, onde a torre assentou com 11 m de altura. Constitui o último reduto defensivo.

No interior do recinto central do castelo, para além da torre de menagem, há ainda vestígios de uma cisterna e uma porta falsa. São também visíveis diversas seteiras cruciformes.

A muralha circunda todo o antigo aglomerado urbano, apresentando um traçado elíptico irregular e aproveitando alguns afloramentos rochosos.

NASCENTE DO CÔA
Agora, que mergulhámos numa verdadeira lição de História, só nos resta regressar ao fio condutor de toda esta reportagem por terras sabugalenses: as águas do rio que corre de sul para norte, mas desta vez vamos até à fonte. Ou seja, ao lugar onde tudo começa, na nascente do rio Côa, junto à aldeia de Foios – a escassas centenas de metros da fronteira com Espanha e encostado, a sul, ao Parque Natural da Serra da Malcata.

Mas esta etapa, de cerca de 35 quilómetros, a partir de Sortelha, não ficaria completa sem um desvio contemplativo sobre as margens verdejantes da barragem do Sabugal.

Se tiver oportunidade de se deslocar num carro de tração integral dispõe ótimas estradas de terra batida à volta da albufeira, a partir da zona do santuário da Sra. Da Graça. De um lado a água, do outros pinhais e carvalhais a perder de vista.

Um pouco antes de chegar à aldeia de Foios, na zona de Vale de Espinho, é obrigatório parar no Trutalcôa. Um restaurante, especializado em trutas, e com vista panorâmica para um viveiro [de trutas] aninhado nas margens do rio. Vale pela gastronomia e também para tranquilidade e beleza natural envolvente. Caso queira, pode pescar o próprio peixe que quer comer.

Daqui até ao sítio onde toda esta história começa – a nascente do Côa – são poucos mas deliciosos minutos de viagem. Mais uma vez junta-se a nós o silêncio, o verde intenso da paisagem que nos envolve e, claro, o murmúrio das águas cristalinas do rio cada vez mais jovem e mansinho.