Penamacor, terra que já foi de linces, luta agora para não perder as gentes

Por ironia, é no lar e no cemitério que se encontram mais vestígios de vida. O retrato de um concelho do interior, que já é o mais envelhecido de Portugal.

Os sinos dobram cerca de 50 vezes por ano em Penamacor, três vezes mais do que os nascimentos celebrados na totalidade das 12 freguesias que constituem este concelho do distrito de Castelo Branco e que estudos recentes consideraram como o mais envelhecido do país. As povoações assemelham-se cada vez mais a velhos postais, onde figura apenas o casario fechado. As escolas primárias já são metade das que existiam há duas décadas. Os lares têm gente como nunca. Tal como os cemitérios, que, passe a morbidez e o contra-senso, parecem ser os locais mais movimentados.

“A câmara municipal e o Lar Residencial Dona Bárbara Tavares da Silva são os maiores empregadores do concelho, cada qual com cerca de 350 funcionários”. É assim que Filipa Manteigas, socióloga do Gabinete de Ação Social do município, classifica a vida na zona do país que, de acordo com um estudo da presidente da Associação Portuguesa de Demografia, Maria Filomena Mendes, já é a mais envelhecida do país, com um total de 545 pessoas com mais de 65 anos de idade por cada 100 jovens até 15 anos.

“Todos os anos, há mais ou menos 50 óbitos em Penamacor e apenas 15 a 20 nascimentos em todo o concelho”, diz a responsável camarária, salientando a dificuldade em inverter o recuo demográfico. “Existem algumas pequenas empresas familiares e duas ou três com alguma dimensão, uma delas exporta azeite para 15 países, e há também outra que negoceia em mel e outra em leite e queijos. Mas não surgem novos empregos, e os jovens partem para Lisboa, para Coimbra ou para outras cidades grandes, e só voltam nas férias”, explica.

Metade das 12 freguesias do concelho ainda possui ensino básico, sendo que o 1.º ciclo absorve um total de 131 crianças. A maior parte (84) está em Penamacor, que, tal como Aldeia do Bispo (15 estudantes), tem vindo a absorver as crianças das aldeias onde as escolas têm vindo a encerrar. Mesmo sem definição oficial, não se augura grande futuro para as primárias de Águas, Salvador e Benquerença, respetivamente com cinco, seis e nove alunos.

Da taberna para o táxi

Fernanda Baites não quis engrossar a taxa de desempregados em Penamacor, que, segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE), atingia em 2001 os oito por cento. Em setembro do ano passado, Fernanda deixou uma vida de “25 anos de taberneira” e agarrou-se ao volante de um táxi.

“Se isto dá?… Há quatro táxis em Penamacor. Quanto a mim, são de mais. Por vezes até penso que um só já chegava. Não fosse o centro de saúde a dar trabalho (muitos doentes vão de táxi às consultas a Castelo Branco, a 50 quilómetros de distância), e ninguém ganhava nada com esta vida. Temos de agradecer à doutora Sílvia [do centro de saúde local], porque, quando o centro acabar, acabam-se os táxis”, diz Fernanda.

Meia centena de metros abaixo, lembrando tempos em que só a vila tinha mais habitantes do que aqueles que existem hoje em todo o concelho (cerca de 5.500), mantém-se alva e altiva a frontaria da antiga Garagem Petronilho. As bombas de gasolina já não existem e a carreira já não faz ali paragem para apanhar e largar passageiros. Lá dentro, já nem há aprendizes de mecânicos e bate-chapas. Está apenas um homem, rodeado de lápis, papéis, trapos, vestidos, caixas de plástico, bugigangas de toda a cor e todo o formato. A antiga Garagem Petronilho, antiga propriedade de José Nunes Petronilho, homem que a PIDE (a antiga polícia política) conduziu a Lisboa em diversas ocasiões, é hoje o mais recente estabelecimento comercial da zona: uma loja chinesa.

Se os táxis andam ao sabor das consultas, e o comércio tradicional definha, os restaurantes da vila praticamente só trabalham no período do almoço. Conseguir uma refeição depois das 22 horas é quase como acertar na combinação vencedora do Euromilhões. “Não se vive mal, porque todos têm uma pequena horta, mas há cada vez menos gente”, diz Filipa Manteigas, lembrando que nem as benesses camarárias, tais como a redução das taxas de licenciamento, parecem capazes de seduzir novos investidores. “Existe um programa de incentivo à criação de novas empresas. Até agora, tivemos [câmara municipal] duas candidaturas”.

Não sabem nada do Portas?

O antigo quartel onde esteve sediada a 1.ª Companhia Disciplinar do Exército é hoje um núcleo museológico onde são lembrados os militares portugueses que combateram nas trincheiras da I Guerra, em 1914/18, e também Álvaro Cunhal, o líder histórico do PCP, que por ali esteve encarcerado durante dois meses.

“Eu sou de Fóios [Sabugal], mas lembro-me bem de como era a vida. Metade da terra era de quatro famílias, que tinham os prédios e os terrenos. O resto das pessoas trabalhava para eles. Os homens ganhavam dez ou doze escudos por dia, que dava para um litro de azeite. E as mulheres ganhavam metade. Depois havia o quartel e os militares”, lembra um idoso que, sem querer identificar-se, se orgulha do seu passado de contrabandista. “Havia noites em que passávamos para Espanha de 150 a 200 cavalos carregados de café e de minério”, lembra.

Ao lado, à sombra de uma árvore, na zona histórica da vila, onde quase não se vê vivalma, a mulher do antigo contrabandista tenta saber novas de Lisboa. “Não sabem nada do Paulo Portas? O Miguel ainda vai aparecendo por aqui, agora o Paulo não diz nada há muito tempo… Uma cartinha ou outra e nada mais…”, diz a idosa, explicando que há muitos anos serviu na casa onde cresceram os políticos, em Vila Viçosa. “Aqui já não vem quase ninguém… Não há gente…”, lamenta. E o lince da Malcata? “Linces? Isso já não há. E qualquer dia não há gente”.


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