O Governo pode estar a preparar-se para aumentar o IVA, aplicar novos cortes sobre os salários da Função Pública e usar, pelo menos parte, da almofada orçamental. O chumbo do Tribunal Constitucional (TC) a três normas do Orçamento do Estado abriu um buraco nas contas públicas de cerca de 610 milhões de euros.
A ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, e o secretário de Estado Adjunto do primeiro ministro, Carlos Moedas, estiveram ontem reunidos a discutir o plano para fazer face ao chumbo do TC que poderá ser apresentado no Conselho de Ministro extraordinário a realizar amanhã, segundo fontes citadas pela SIC.
A decisão dos juízes do Palácio Ratton foi conhecida na passada sexta-feira. Três das quatro normas em análise foram declaradas inconstitucionais. A saber: os cortes salariais em vigor desde o início do ano – e que reduziam entre 2,5% e 12% os salários acima de 675 euros -, as taxas sobre o subsídio de doença e de desemprego e os cortes sobre as pensões de sobrevivência. Ao contrário do habitual, o chumbo dos cortes salariais vale apenas desde o dia da decisão, por motivos de “interesse público”, justificou o Constitucional.
O impacto orçamental imediato nas contas do Estado é de cerca de 610 milhões de euros. Segundo números da Comissão Europeia, os cortes salariais permitiam uma poupança avaliada em 700 milhões de euros em termos líquidos. A não obrigação de devolução dos cortes reduz a poupança para cerca de 290 milhões e abre um buraco de 410 milhões de euros. A este juntam-se os 100 milhões de euros que estavam previstos com as taxas sobre os subsídios e outros 100 milhões de euros com as pensões de sobrevivência.
Desde sexta-feira, o Governo está a analisar a decisão do Tribunal Constitucional para ver que portas ficam abertas depois do chumbo. Passos Coelho diz que o Governo não se vai precipitar, mas os calendários não deixam muita margem. Até meio de junho é preciso informar o Fundo Monetário Internacional para fechar a última avaliação ao programa. E quanto mais o Executivo demorar, menos tempo de aplicação terão as medidas alternativas que forem escolhidas e que ainda terão de passar no Parlamento. A subida de impostos é admitida pelo primeiro-ministro e parece ser bem aceite pelo Constitucional que vê nas soluções de caráter tributário “melhores garantias de fugir, à partida, a uma censura decorrente da aplicação do princípio da igualdade”, diz o acórdão. O aumento do IVA é visto como a hipótese mais provável. De acordo com os cálculos que o Governo fez para o Documento de Estratégia Orçamental, uma subida de 0,25 pontos na taxa normal corresponde a uma receita de 150 milhões de euros. Ou seja, um ponto (passagem de 23% para 24%) representa uma receita de 600 milhões de euros. Porém, a nova taxa não será aplicada durante um ano completo e, por isso, para conseguir a mesma receita é preciso aumentar mais a taxa.
Além disso, o Governo pode ainda reformular a medida dos cortes salariais. Desde o início que a ideia do Executivo era repor os cortes de Sócrates em caso de chumbo constitucional – reduções entre 3,5% e 10% para remunerações acima de 1.500 euros. Em 2013, a medida valeu uma poupança de 500 milhões de euros, mas a saída de funcionários públicos num ano retira eficácia à medida e, uma vez mais, o facto de ter aplicação por poucos meses torna-a menos rentável, tendo em conta os objetivos.
O Governo tem ainda uma almofada de 900 milhões de euros, mas que não pode ser esgotada, já que serve para imprevistos e o ano vai a meio, faltando ainda conhecer a decisão do Constitucional sobre o agravamento da Contribuição Extraordinária de Solidariedade (e que vale uma poupança de 300 milhões). A decisão do TC deixa ainda uma enorme incerteza sobre 2015. No DEO, o Governo comprometeu-se a devolver 20% do corte salarial. Mas o que o TC disse agora é que a totalidade dos salários tem de ser devolvida já.