Exportações da agricultura e floresta triplicaram nos últimos dez anos

Nos últimos 10 anos, o valor da produção agrícola estagnou, mas as exportações explodiram – em 2015 o setor primário cresceu 5%. O que explica a aparente contradição? Hoje, os agricultores são menos e trabalham uma área muito menor, mas são muito mais produtivos e com nova capacidade empresarial.

Há apenas meia dúzia de anos poucos ousariam acreditar que o setor agrícola, visto como um arcaísmo devorado pela Política Agrícola Comum (PAC) europeia, pudesse algum dia tornar-se numa das estrelas da economia portuguesa. Mas foi o que aconteceu.

Um estudo do Gabinete de Planeamento, Políticas e Administração Geral (GPP) do Ministério da Agricultura fez o balanço da internacionalização do setor na última década e meia e chegou à conclusão que as exportações do setor agrícola aumentaram 409% entre 2000 e 2015, passando de 207 para 1046 milhões de euros (a preços correntes, ou seja, sem a correcção da inflação).

Este desempenho pode ser explicado com o facto de o ponto de partida ser muito baixo, mas exprime uma tendência que se registou em todas as dimensões do setor primário. Se considerarmos as exportações do «complexo agro-alimentar», que inclui os produtos agrícolas, a pesca e a agroindústria, notamos que o crescimento em valor atingiu os 196%, passado de 1969 para 6133 milhões de euros. E se a este valor juntarmos as vendas ao exterior da fileira florestal, chega-se a uma subida de 106%, tendo as exportações passado de 4,7 para 10 mil milhões de euros.

Uma vez mais, as exportações do complexo agroalimentar e da floresta cresceram no ano passado acima da exportação média da economia portuguesa.

Os produtos agrícolas aumentaram as suas vendas para o exterior em 5%, mas se a estes bens se acrescentar a produção da fileira florestal esse valor sobe para 5,5%.

Ora o total das exportações portuguesas ficou-se pelos 3,6%. Os dez mil milhões de euros de bens exportados (num total de 49,8 mil milhões de euros das vendas de Portugal ao estrangeiro) ainda não bastam para cobrir por completo o valor das importações, que no ano passado atingiram os 11,4 mil milhões de euros.

Porque há produtos para os quais a agricultura portuguesa não consegue responder, como os produtos de pesca e, principalmente os cereais. Mas a taxa de cobertura das exportações pelas importações voltou a melhorar em 2015. Situa-se agora na ordem dos 89,4%.

Uma leitura rápida destes indicadores pode sugerir que a agricultura portuguesa emergiu da crise e das últimas reformas da PAC como um setor poderoso e em rápida recuperação. Mas não é exatamente assim. Um estudo assinado pelos académicos Francisco Avillez e Mário de Carvalho, publicado nos cadernos de análise prospetiva do GPP, dão conta que o valor acrescentado bruto da agricultura portuguesa (indicador que representa o valor da produção descontado de consumos intermédios, como fertilizantes ou energia) regrediu 7% entre 1994 e 2013. Ou seja, a preços constantes, atualizados com a inflação, a produção agrícola nacional vale menos agora do que quando Cavaco Silva era primeiro-ministro. O que coloca aos estudiosos da economia agrária pelo menos uma questão: como pode um setor que tem um valor de produção menor registar crescimentos tão intensos na exportação?

Luís Capoulas Santos, ministro da Agricultura, considera que «o que aconteceu foi uma alteração do perfil produtivo». Ou seja, os agricultores portugueses deixaram de produzir bens alimentares que só faziam sentido no tempo do mercado protegido e dedicaram-se a cultivar produtos «nos quais são mais competitivos à escala europeia», continua Capoulas Santos.

Dá um exemplo: hoje produz-se muito menos cereais, mas investe-se muito mais na produção de frutos e de legumes. Francisco Avillez sustenta que os indicadores que estudou servem de alguma forma para provar que o contributo da agricultura para o crescimento da economia não foi tão grande como nos últimos anos foi hábito afirmar, mas o caso muda de figura quando entra em questão a agroindústria. As exportações das indústrias agroalimentares, segundo o GPP, passaram de 1700 milhões no ano 2000 para pouco mais de cinco mil milhões em 2014. Ou seja, a indústria reforçou o valor da produção base.

Na «evolução selectiva» de que fala Capoulas Santos vale a pena notar o desempenho de setores como o vinho e, ainda mais, dos hortofrutícolas. No espaço de uma década (2004/2014), segundo dados do INE, a exportação de produtos hortícolas passou de 108 para 212 milhões de euros e, progresso ainda mais impressionante, o setor das frutas subiu as suas vendas ao exterior de 137 para 438 milhões de euros.

«Em 2010 estávamos como estão hoje os suinicultores, com problemas de preços e de escoamento e decidimos criar a associação PortugalFresh para explorarmos os mercados externos», diz Manuel Évora, que dirige a associação.

Este ano, o conjunto de setores que representa (hortícolas, frutas e flores) espera exportar 1200 milhões de euros e, nos próximos quatro anos, a expectativa é que esse valor suba para 2000 milhões.

«Estamos a conseguir promover a imagem de um país com condições únicas para a produção hortofrutícola», acrescenta, porque «entre a floração e a frutificação temos um tempo ótimo, o que permite a produção de fruta e legumes excelentes na cor, nos aromas e na textura».

A afinação da agricultura e da agroindústria e a especialização em produções nas quais Portugal é competitivo é consequência de um processo longo e lento. Que começa com o abandono e a descrença e acaba, em anos recentes, com a chegada de uma nova geração que provoca «uma das maiores mudanças no setor» ao introduzir-lhe uma «capacidade empresarial muito maior», na leitura de Francisco Avillez. Mas o facto é que, nos últimos 20 anos, 1,3 milhões de hectares, ou seja, quase um terço da superfície agrícola cultivada, deixou de o ser. Seguindo as orientações da política europeia, uma grande parte dessas áreas foram destinadas a pastagens, principalmente no Alentejo. E, como consequência dessa profunda transformação estrutural, o número de explorações agrícolas de menor dimensão (20 hectares ou menos) reduziu-se de 425 para 240 mil, ainda segundo dados de Francisco Avillez e Mário de Carvalho.

A redução de áreas de cultivo e a diminuição drástica de explorações e da população ativa é considerada a principal causa da estagnação do valor acrescentado bruto do setor nos últimos anos. O que quer dizer que, com muito menos área e com muito menos ativos, os agricultores de hoje produzem quase o mesmo valor do que há 20 anos.

Faz-se menos cereal em terras secas, mas produz-se vinho que, em termos internacionais, consegue preços razoáveis; produz-se menos carne, mas num curto espaço de tempo Portugal tornou-se uma potência exportadora no setor do azeite e está a caminho de se consolidar como uma marca mundial no setor das frutas.

«Fizemos o caminho que devíamos ter feito», diz Capoulas Santos, que a propósito recorda uma medida política muito polémica do ex-ministro Fernando Gomes da Silva, no Governo de António Guterres, que decidiu orientar os apoios da PAC para os setores da agricultura mediterrânica – que hoje estão a dar trunfos.

Com as mudanças em curso, a agricultura portuguesa caminha agora para uma nova etapa. No ano passado, os agricultores correram a grande velocidade para obterem ajudas ao investimento inscritas no âmbito da PAC, o que «mostra uma grande apetência dos agricultores pela modernização», diz Luís Capoulas Santos.

Os projetos apresentados representam já 95% da totalidade dos cerca de 4000 milhões de euros disponibilizados pelo Programa de Desenvolvimento Rural. Mas o que fazer? Capoulas Santos diz que, face aos compromissos, dispõe de curta margem financeira, mas a que lhe sobra «terá em conta critérios de maior seletividade».

O azeite, ou a amêndoa, uma produção com procura crescente, são setores que se enquadram nesses critérios. Ou o setor da fruta, no qual Manuel Évora diz haver investimentos em curso capazes de duplicar nos próximos anos a capacidade de produção de pera rocha, por exemplo.

Francisco Avillez propõe uma visão diferente. Para ele, é questionável que o Governo deva definir prioridades de investimento – o que interessa é a viabilidade dos projetos apresentados. E o que de facto considera prioritário é a aposta «nas condições tecnológicas» da agricultura portuguesa. Para ele, é importante renovar o olhar sobre os solos marginais e perceber melhor por que razão os agricultores portugueses são pouco eficientes no uso dos fatores de produção (adubos, energia, água, etc…).

«Temos de apostar na agricultura de precisão, que nos permite produzir mais com menos ‘inputs’, mas também na agricultura de conservação», diz Avillez.

Essa atitude implica a adopção de técnicas (estudadas por Mário de Carvalho) que permitem aos agricultores reter mais água ou mais húmus no solo, evitando o recurso a produtos químicos. Mas, para lá chegar, é necessário inverter uma tradição dos últimos anos: «Marginalizámos o nosso sistema de conhecimento» e esse esquecimento torna mais difícil o combate as «problemas tecnológicos sérios» com que a agricultura nacional se confronta, acrescenta.


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