Na realidade, as características físicas, económicas, sociais e culturais relacionadas com a água fazem com que o aparecimento e a gestão de políticas eficazes da água se transforme numa empreitada bastante intrincada e fragosa.

A água pode ser definida como um recurso natural renovável, insubstituível, vital e escasso. Através da precipitação, a água renova-se naturalmente ao longo do ciclo da água, cientificamente denominado ciclo hidrológico, sendo este movimento infinito e circular. Todavia, é importante realçar que nem toda a precipitação se expressa em água disponível, uma vez que boa parte da mesma se perde por evaporação, no curso natural das ribeiras e dos rios, e no processo de absorção das plantas.

A água disponível anualmente no mundo, no formato natural, representa sensivelmente metade das necessidades anuais de consumo. Embora a água seja profusa na natureza, a sua repartição espacial e temporal é profundamente assimétrica, não estando sempre disponível no espaço e no momento em que é necessária. Logo, podemos asseverar que a água é um recurso limitado. Será que a água não é um bem imprescindível e capital para a vida? Será que essa chancela não confere à agua o estatuto de bem público? Será que o bem público cristalino, não é um bem cujo consumo não é rival e cuja exclusão não é desejável?

A água deve estar disponível para todos e o consumo de um determinado indivíduo não deve afectar o consumo dos outros indivíduos. Para o uso no regadio esta “categorização” patenteia algumas imperfeições. A disponibilidade de água é limitada e o aumento da sua escassez avoluma a competição pelo bem, e, consequentemente, os índices de rivalidade e antagonismo disparam. Portanto, em determinados contextos, o consumo de uns diminui a capacidade dos outros consumirem.

A satisfação das necessidades de água da sociedade divide-se entre usos consumptivos, nos quais desfilam o abastecimento urbano e industrial, e a agricultura de regadio; e os usos não consumptivos, nos quais se destacam a produção de energia eléctrica, a refrigeração de unidades industriais, a aquicultura e as torrentes com propósitos ambientais e paisagísticos. Os usos não consumptivos consomem franzinas quantidades de água, todavia acabam por condicionar os usos consumptivos, pois a água tem de estar disponível, e com a qualidade pretendida, nos momentos e espaços assinalados. Será que a agricultura não é o maior consumidor de água? Será que a mesma não representa uma volumosa percentagem do consumo total de água na superfície mundial? Será que no nosso País, a agricultura de regadio não representa quase a totalidade dos usos consumptivos?

O aumento da população mundial e o paradigma de desenvolvimento perfilhado nos últimos cinquenta anos estão na génese de uma procura gradual da água e de um crescente “contratempo” em saciar as necessidades. Esta circunstância tem tonificado a competição entre os dissemelhantes sectores utilizadores da água.

As recentes utilizações da água para fins recreativos, ecológicos e paisagísticos, intitulados caudais ecológicos, são responsáveis pelo aumento dos índices de competição. A competição já não é unicamente pela quantidade de água disponível, mas também pela qualidade. Será que a quantidade disponível de água para dissolver a contaminação não é cada vez mais reduzida? Será que a crescente competição não metamorfoseia cada vez mais a água num bem escasso e precioso? Será que a agricultura, pelos massivos volumes de água que consome, não agasalha uma relevância vital na gestão económica da água? Será que o aumento da escassez e da competição pela água não exige a elaboração e a aplicação de medidas e políticas de gestão eficazes e competentes? Será que essas medidas não devem incentivar o uso sustentável do bem e a imparcialidade na sua distribuição?

Na realidade, as características físicas, económicas, sociais e culturais relacionadas com a água fazem com que o aparecimento e a gestão de políticas eficazes da água se transforme numa empreitada bastante intrincada e fragosa. A água sendo uma substância química líquida entranha-se e evapora-se ao longo do seu ciclo hidrológico. Esta condição acaba por atravancar a sua medição e identificação e, naturalmente, a aplicação de direitos de propriedade exclusiva, direitos esses que constituem o alicerce de uma economia de mercado.

A indispensabilidade de administrar enormes volumes de água é outra empreitada de enorme complexidade e que embrulha custos elevados, ainda para mais quando comparados com o valor económico que produzem no local de destino. Outro dos problemas adjacentes à gestão da água prende-se com o facto de em boa parte dos casos a oferta e a procura serem sazonais e desencaixilhadas no tempo. Comummente, na estação húmida a oferta é profusa e a procura é franzina, sendo o seu valor marginal próximo de zero. Por sua vez, e na estação em que a ausência de água se faz notar, a procura é volumosa e a oferta é exígua, metamorfoseando a satisfação das necessidades numa empreitada intrincada e o valor marginal num valor marginal elevado. A estas configurações temos obrigatoriamente de aglutinar as características sociais e culturais, pois as mesmas são seguramente um importante vértice a ter em consideração. Na verdade, em algumas sociedades as características sociais e culturais imperam sobre as fisionomias económicas de afectação do recurso. A afectação do recurso pode ser saboreada como a forma como uma determinada economia reparte os seus recursos, também denominados factores de produção, pelas múltiplas utilizações possíveis com a finalidade de produzir um conjunto de produtos ou serviços finais. Será que o objectivo de qualquer economia não é o de fazer uma afectação do recurso eficiente? Será que uma afectação dos recursos eficiente não potencializa a produção final com o emprego mínimo de recursos? Será que esta conjunção não potencia a produtividade e a eficiência? Será que produtividade e eficiência não são conceitos que se interceptam? Será que não é importante conhecer os principais condicionamentos da gestão económica da água no uso agrícola? Será que não é fundamental perspectivar a sua utilização na agricultura em Portugal? Quais são as particularidades da água que mais circunscrevem a sua própria gestão económica? Quais são as principais políticas de gestão da água que aformoseiam a pasta agricultura? Qual é o valor económico da gestão da água? Como se caracteriza o regadio em Portugal? Será que alguém conhece a sua competitividade?

A Política Agrícola Comum (PAC) da União Europeia (UE) é, por definição, uma política dinâmica e empreendedora que, e através de ininterruptas restruturações, tem sido harmonizada aos novos reptos com que a agricultura europeia se depara. Entre esses reptos desfilam a utilização mais sustentável dos recursos naturais; as transformações climáticas; a concorrência progressiva e tendencial dos mercados; e a necessidade de preservar espaços rurais ditosos em toda a UE. A Directiva Quadro da Água (DQA), Directiva 2000/60/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Outubro de 2000, é a principal ferramenta da política da UE no que diz respeito à água, identificando um quadro de acção comunitária para a salvaguarda das águas de superfície interiores; das águas de transição; das águas costeiras; e das águas subterrâneas. Esta Directiva foi deslocada para o direito nacional através da Lei n.º 58/2005, de 29 de Dezembro. Será que a PAC garante uma produção alimentar profícua e viável, e um provimento alimentar sólido e regular? Será que não se esperava mais da PAC nos cabimentos da segurança dos alimentos, da economia rural, do bem-estar animal, e das preocupações sociais e ambientais? Será que a PAC e a DQA contemplaram convenientemente a gestão da água e dos regadios?

Nos finais do século passado, a planificação e a administração da água fundamentavam-se em cálculos das necessidades e na edificação das infra-estruturas necessárias. O propósito estava alicerçado na satisfação de uma procura gradual, “regimentando” as bacias hidrográficas através da concretização de novas obras hidráulicas. Os proveitos sociais eram conquistados sem que se tivesse uma noção concreta dos custos adjacentes. Concedia-se um tratamento especial às políticas de acção da trincheira da oferta, diligenciando a edificação de possantes infra-estruturas públicas de captação, armazenamento e distribuição de água, e prevalecendo os pareceres, as questões e os estudos técnicos. Contemporaneamente existe uma espécie de unanimidade de que os factores económicos e financeiros devem ser ponderados e respeitados na efectivação de novos projectos, para que a sustentabilidade financeira seja uma realidade. O decrescimento da disponibilidade de água e a exploração de novos “mananciais” de água têm provocado a utilização de fontes alternativas, como sejam: a dessalinização de águas; a modernização das infra-estruturas já existentes; e a reutilização de águas residuais.

Num período inaugural a procura por bens públicos legitimou uma gigantesca participação do sector público na criação e no financiamento de grandes infra-estruturas hidráulicas. Estas eram vulgarmente construções de finalidades numerosas que ofereciam serviços privados e públicos. Será que a principal inquietação não era a de emendar a mutabilidade da oferta de água?

A necessidade de conservação dos recursos está subordinada ao uso dos mesmos de forma eficiente. Esta condição tem justificado a crescente promulgação e aplicação de políticas de actuação do lado da procura, designadamente a fixação de quotas individuais de consumo de água e de preços, bem como tarifas de água e de mercados da água.