“A ausência de competitividade entre os dois mercados de arrendamento tende a ser reforçada por algumas configurações…”

Algumas condições que aumentam o hiato entre os dois “principais” mercados de arrendamento existentes em Portugal são: a estruturação específica de cada mercado; as próprias tipologias de construção; a dissemelhante constituição dos agregados familiares; os díspares rendimentos; as diferentes finalidades; a dotação de habitações com impulsionamento manifestamente desigual, devido às leis da procura e às “telas de necessidade”; a presença de requisitos normativos sobre as rendas e sobre a definição dos seus montantes iniciais e concernentes aumentos; os aumentos de renda totalmente distintos em cada mercado; os diferentes tipos de apoio, por parte do Estado, a cada um dos mercados; os regimes tributários e fiscais bastante distintos, ou seja segundo o tipo de senhorio e o mercado em que actuam; e a restringida mobilidade dos inquilinos entre os dois mercados de arrendamento. Neste sentido, podemos seguramente afirmar que quanto menor for a competitividade entre os dois sectores, mais pronunciada será a distância entre os mesmos.

A ausência de competitividade entre os dois mercados de arrendamento tende a ser reforçada por algumas configurações como sejam: a inexistência de estandardização quanto às eventualidades de adquirir o imóvel a título definitivo; a forma como a optação, por parte das famílias, em aquiescer a um ou a outro mercado está comarcada à sua capacidade económica e não à sua vontade; a estruturação das habitações tendo em conta o mercado a que se destina; a promoção da segregação da procura em aferidores distintos; a proibição da actuação de entidades privadas, com fins lucrativos, nos dois mercados; e a forma como as políticas de habitação do Estado são organizadas e promulgadas para cada sector. Na realidade, quanto mais destacadas forem as descoincidências, fundamentalmente naquilo que respeita ao público-alvo e à conexão entre qualidade e preço, entre o mercado privado de arrendamento e o arrendamento em superfície de habitação social, assim como as ausências de competição entre os mesmos e de homogeneização regulamentar aplicável, mais circunscrita será a proximidade existente entre os dois mercados e mais evidente será a indispensabilidade de um sector de mercado intermédio que abrevie o afastamento.

Em espaço de suposição, podemos asseverar que se o Estado operasse de forma a garantir, através de subsidiação e de um alicerce legislativo e estatutário, a uniformização total das particularidades de oferta e de procura nos dois mercados, assim como a competição entre os mesmos, o próprio conceito de “habitação social”, enquanto mercado de habitação distinto, deixaria de existir, ainda que os princípios que lhe são intrínsecos prosseguissem o desfile na qualidade de insubstituíveis.

A abolição, por parte do Estado, de todos os factores, agentes e fenómenos impulsionadores da separação entre os dois mercados acaba por ser, pelo menos a curto e médio prazo, inexequível. A resolução, tal como já foi supramencionado, passa pela concepção de “um sector intermédio de habitação” eficaz. Somente, desse modo, conseguimos erguer uma “ligação” directa entre esses mercados.

É nesta conjuntura que desponta o conceito de mercado social de arrendamento, sendo metaforicamente semelhante a uma “ponte” entre os dois mercados. Na realidade, poderá agasalhar uma respeitável volubilidade de propósitos e ser corporalizada em dissemelhantes configurações, tendo como alicerce as particularidades e os requisitos dos mercados cujo distanciamento se procura diminuir ou revogar. Será que o conceito de “mercado social de arrendamento” não pode, em certa medida, ser degustado como uma reestruturação competitiva dos mercados?

Neste contexto, parecem despontar dois sustentáculos teóricos diferenciados para a sua consecução ou implementação: o primeiro tem como alicerce a reorganização regulamentar dos próprios mercados, ou seja o mercado social de arrendamento enquanto sistema integrado; e o segundo que recomenda a concepção de um sector intermédio de habitação. Será que a finalidade principal não é “inerente” e consensual?

Realçar, identicamente, que a própria diversidade ou volubilidade, especialmente de Nação para Nação, das forças de interligação e de interacção entre os mercados de habitação que lhe são confinantes procria uma complicação acrescida na fundação de um conceito inequívoco daquilo que abrange o mercado social de arrendamento. Será que o propósito capital não passa pela criação de um instrumento capaz de reformular o mercado de arrendamento dual existente? Como se define um mercado de arrendamento unitário? Será que não é essencial edificar uma conjuntura que promova a liberdade integral de eleição por parte da procura? Será que não é indispensável uma reestruturação do regime de segurança social, nomeadamente no que diz respeito aos arquétipos de atribuição de habitações? Será que não estamos a abordar, pelo seu grau de complexidade e de impacto social, uma façanha a longo prazo? Será que não podemos definir, embora de modo bastante epidérmico, o conceito de mercado social de arrendamento como sendo um aparelho dinamizador de um “mercado unificador e “convergente””, numa perspectiva particularmente política e social, enquanto mediador e minimizador dos distanciamentos entre os mercados pertencentes a um sistema de arrendamento dual?

Ao conceito de “mercado intermédio de habitação” podem ser outorgados diferentes significados em dissemelhantes circunstâncias. Na realidade, pode aludir-se ao sector intermédio entre o mercado de arrendamento privado e o mercado de habitação própria, bem como ao sector intermédio entre a habitação social e o mercado de arrendamento privado. Na medula do sector intermédio de habitação, o mercado social de arrendamento poderá ser ponderado e arquitectado para hospedar agregados familiares com rendimentos significativamente franzinos para ingressar no mercado privado de arrendamento e, concomitantemente, rendimentos demasiado altos para que lhes possam ser atribuídas habitações sociais. Será que não é fundamental reconhecer que são necessárias viscerais reformas nas políticas de habitação, de forma a garantir uma maior uniformização entre os regimes de cada sector de arrendamento? Será que o arquétipo de mercado social de arrendamento, mesmo de País para País, não agasalha a tendência comum de fomentar a descensão do valor médio das rendas no mercado privado de arrendamento? Será que neste contexto, alguns inquilinos em habitações sociais que assinalem melhoramentos da sua capacidade financeira não poderão principiar a sua ascensão habitacional? Será que essa ascensão habitacional não passa pelo ingresso em mercados de habitação com maiores exigências económicas e com melhores “condições habitacionais” a todos os níveis? Será que o mercado de arrendamento social não hospeda uma superior relação entre qualidade e preço do que o mercado de arrendamento privado?

Os propósitos mais relevantes de um arquétipo de mercado social de arrendamento, cumpridor e eficiente em relação ao seu propósito, são os seguintes: o valor médio das rendas deverá estacionar entre os valores medianos praticados nos dois mercados de arrendamento confinantes, em relação aos quais se pretende edificar uma espécie de ligação, de vínculo ou de “ponte”; a função do Estado, enquanto entidade subsidiadora do conceito deverá, de modo progressivo, ser mais ponderada, quanto ao volume integral dos subsídios, do que a função desempenhada na circunferência do conceito de habitação social; os públicos-alvo são os agregados familiares que não usufruem de oferta no mercado privado de arrendamento que se harmonize com os seus rendimentos económicos; as habitações devem ser mais subsidiadas e de menor valor de renda do que as disponíveis em contexto de mercado privado de arrendamento e, concomitantemente, menos subsidiadas e mais onerosas do que aquelas disponibilizadas em situação de arrendamento em habitação social; uma forma de alojamento “mais barato” ou “mais acessível” para um patamar de necessidade menos chocante ou menos “evidente”; a finalidade não passa por albergar os agregados familiares mais carenciados da sociedade, pois estes devem ser “patrocinados” pelo conceito de arrendamento em habitação social; e não pode ser degustado como um sector intermédio entre o mercado privado de arrendamento e o mercado de compra e venda de habitação. Será que o mercado social de arrendamento não alcança maiores índices de relevância em grandes superfícies urbanas, devido às mesmas serem densamente povoadas? Será que nas grandes áreas urbanas, os desníveis nos valores das rendas entre o mercado de arrendamento privado e o de habitação social não tendem a ser bastante mais expressivos? Será que nessas áreas, as dificuldades de acessibilidade a qualquer um dos mercados de arrendamento, por parte de famílias com rendimentos médios, não tendem a ser engrossadas?

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