As comunidades terapêuticas, ao longo dos tempos, foram obrigadas a acomodar-se às novas realidades.

O público-alvo das comunidades terapêuticas, indivíduos dependentes de substâncias psicoactivas, acabou por espelhar essa evolução não só naquilo que se refere aos novos contextos de descomedimento em relação à dependência de substâncias, como também nos “dilemas” psíquicos e sociais coligados à toxicodependência. Estas metamorfoses promoveram o aparecimento de novos subgrupos de enfermos, com problemas inventariados com o exagerado consumo de substâncias psicoactivas e com a consequente ampliação das telas de dependência. Estes subgrupos foram adicionados aos cidadãos já conhecidos, cuja difícil progressão pelos estádios da vida, também começaram, e de forma idêntica, a evidenciar necessidades de interposição. Neste sentido, podemos seguramente asseverar que os mecanismos de intervenção tiveram forçosamente que se acomodar aos novos enquadramentos e às novas especificidades, transformando e adequando as suas respostas, medidas, soluções e programas terapêuticos às populações específicas. Realçar que fazem parte das populações específicas os consumidores e os policonsumidores de substâncias psicoactivas ilegais ou lícitas; os portadores de mais do que uma doença física e psíquica; a população toxicodependente mais envelhecida; as mulheres grávidas toxicodependentes; os casais toxicodependentes com crianças menores de idade; os menores que apresentam sinais de dependência química; e os indivíduos com itinerários judiciais extensos e graves. Será que cada comunidade terapêutica, de modo a solucionar e a abreviar cada uma destas problemáticas, não deve “contabilizar” e conhecer a capacidade de resposta que realmente possui?

Das múltiplas modificações que a evolução do fenómeno toxicodependência acabou por conceber no que concerne aos públicos-alvo para tratamento em comunidade terapêutica, merecem especial proeminência as questões intimamente ligadas com os menores. Sempre que seja exequível, é profícuo que se interceda junto da família de origem, de modo a comprometê-la como parte integrante e activa em todo o sistema de mudança. O ingresso na comunidade terapêutica antevê a existência de um estudo com todo e qualquer candidato a residente. Nesse estudo, que deve ser concretizado por um ou mais terapeutas de renome, avalia-se não só o conhecimento e a motivação para este modelo de intervenção, como também a aclimatação individual e contextual para a aplicação deste recurso terapêutico. Será que as propostas, os programas e os métodos de atendimento terapêutico não mudam tendo em conta a conspecção do mundo em termos políticos, culturais, sociais, económicos, religiosos e ideológicos dos dissemelhantes grupos e instituições, governamentais ou não, intervenientes nesta superfície?

Na verdade, os consumidores de substâncias psicoactivas que ambicionam ou que necessitam de tratamento têm ao seu dispor uma pluralidade de opções, como sejam: a abstinência total; a diminuição de danos; os grupos de ajuda; o tratamento medicamentoso; os programas governamentais; e as comunidades terapêuticas. Será que esta conjuntura, não evidencia que os indivíduos toxicodependentes agasalham a hipótese de poder escolher a opção mais adequada ao seu perfil ou às suas necessidades? Será que a abordagem deste tema pode ser concretizada como se existisse simplesmente uma solução ou uma configuração eficaz de “ponderação” ou de “cuidado” à submissão química?
O tratamento; a saúde; a prevenção; a reintegração; a reconquista; o recobro; a reinserção social; e a diminuição dos danos sociais constituem configurações que desfilam abundantemente na legislação e nas políticas públicas vocacionadas para esta “problemática”. Será que essas configurações não são válidas, vigorosas e relevantes? Será que as mesmas não contribuem para a compreensão de toda a extensão da problemática, bem como para o seu enfrentamento e abreviação? Será que não é fundamental debater a implementação das políticas públicas com as comunidades terapêuticas no atendimento e no tratamento aos consumidores de substâncias psicoactivas? Quais são as efectivas competências do Governo e das comunidades terapêuticas em matéria de toxicodependência? Será que não é essencial compreender, de uma forma autêntica e equilibrada, a função histórica que estas organizações têm preenchido no cenário hodierno? Quais são as parcerias possíveis entre essas organizações e o Governo, através da aplicação de políticas públicas, para a concretização das suas finalidades? Será que não é relevante procurar e encontrar a unidade na diversidade, abandonando algumas noções e conceitos confusos que nos desviam da direcção correcta, ou seja de verdadeiros e abrangentes atendimentos a todos os indivíduos que ambicionam e procuram o tratamento?
A dependência química pode ser degustada como um conjunto de estados fisiológicos, comportamentais e cognitivos, no qual o consumo de uma substância ou de um aglomerado de substâncias atinge uma relevância bastante superior para um determinado indivíduo, do que outros procedimentos e contextos que precedentemente hospedavam muitíssimo mais valor para o mesmo. Será que uma “particularidade” explicativa fulcral da síndrome de dependência não é o desejo vigoroso e indeclinável de consumir drogas psicoactivas?

A Organização Mundial de Saúde declara que a dependência química mais não é do que um estado psíquico, e em determinadas circunstâncias físico, decorrente da interacção entre um organismo vivo e uma substância. Podemos certamente referir que esse estado é caracterizado ou assinalado por alterações comportamentais e outras reacções ou manifestações que continuamente envolvem o estímulo a usar a substância, ou as substâncias, de forma permanente ou frequente, com o propósito de experimentar os seus efeitos psíquicos, bem como de evitar o desaconchego da privação e da necessidade. Portanto, a tolerância pode estar presente ou não. Será que a dependência química não pode ser considerada como uma doença, na medida que existe variação na estrutura e no funcionamento normal do indivíduo? Será que a mesma não é o resultado de uma sucessão de factores físicos, psíquicos, espirituais, sociais e emocionais que actuam em simultâneo?
O diagnóstico de dependência química é confirmado quando existem alguns comportamentos como sejam: enorme e inabalável desejo de consumir substâncias psicoactivas; abandono crescente de deleites, de contentamentos ou de pontos de interesse alternativos; e a negação clara e enérgica das consequências evidentemente prejudiciais que o uso das substâncias psicoactivas acarreta. Será que a dependência química não compreende o consumo de todos os géneros de substâncias psicoactivas? Será que as substâncias psicoactivas não podem ser definidas como sendo qualquer tipo de droga que metamorfoseia o comportamento e que pode provocar dependência química? Será que a mesma não atinge todas as classes sociais?

Salientar também que sem o tratamento adequado, a dependência química tende a agravar-se cada vez mais com o passar do tempo, conduzindo o indivíduo a uma exterminação progressiva de si próprio e colocando em causa a sua vida pessoal, profissional, social, familiar e económica. Será que não existe a necessidade de ultrapassar e de abandonar a etiqueta dependentes químicos? Será que os indivíduos toxicodependentes não devem ser respeitados na sua dimensão humana? Será que os cidadãos que procuram ajuda para o combate à dependência química, não são os mesmos cidadãos que descortinaram que de forma isolada nunca derrotarão essa dependência?
O dependente químico e a família, contemplada nesta temática como co-participante activo, constituem o motivo primordial e derradeiro de toda a controvérsia que envolve a dependência química; as distintas formas de “atenção” e de “ponderação”; as políticas formuladas e implementadas; o aparecimento de todas as comunidades terapêuticas; e as diversas formas de atendimento e de tratamento. Logo, cada dependente químico que pretenda ajuda deve usufruir de um projecto terapêutico objectivamente definido, bem como de uma equipa terapêutica com profissionais de dissemelhantes “cabimentos”. Será que a definição de políticas e de competências nessa área deve transformar-se num panorama de disputa de poder, bem como de desresponsabilização de tarefas e de funções? Será que a definição das fronteiras de acção das políticas públicas envolvidas e das comunidades terapêuticas é uma empreitada fácil e descomplicada? Será que não estamos a abordar um trabalho conjunto em que as competências, as jurisdições e as atribuições até se podem confundir?

O tratamento embrulha o robustecimento físico, psíquico e espiritual, para que o doente se mantenha sóbrio e abstémio pelo maior tempo possível. Algumas políticas públicas “contemplavam” a dependência química como “matéria de polícia” e não como um verdadeiro e pardacento caso de “saúde pública”. Será que algumas das políticas públicas, acerca da questão da dependência química, não passaram totalmente ao lado do problema, sendo, por essa razão, improficientes? Será que ao longo do tempo, os doentes das comunidades terapêuticas não passaram a ser observados e considerados na sua dimensão integral? Será que o contexto social e familiar deve ser desincorporado do paciente? Será que as comunidades terapêuticas não chegaram à conclusão de que para além de sobreviver, também necessitam de sobreviver com qualidade social?