Os vértices que indumentam os subornos têm a capacidade de incitar os funcionários públicos e os agentes das empresas privadas a ultrapassar obstáculos legais de “ingresso” em determinados sectores.

Desta forma, fundam-se grupos de pressão que acabam por ter vigor suficiente para comprimir e conduzir os parlamentos para a confecção, segundo as suas conveniências, de novas leis e remodelados princípios legais. Será que a corrupção, em função do fornecimento de subornos, não consegue encurtar os procedimentos burocráticos legais exigidos? Será que os agentes de corrupção passiva, nos quais se enquadram os funcionários públicos e políticos corruptos, não empregam o seu poder institucional para elaborar e promulgar certas leis?
A corrupção acaba por atingir todas as classes sociais, especialmente as mais desfavorecidas, uma vez que o desencaminhamento de fundos reservados ao desenvolvimento atravanca a capacidade de qualquer Governo para aprovisionar serviços básicos. Logo, podemos seguramente afirmar que a corrupção acalenta a desigualdade e a iniquidade e, simultaneamente, desmoraliza a cooperação externa e os índices de investimento, viola os direitos humanos e destrói a qualidade de vida. Será que a corrupção não diminui a “disponibilidade” e circulação de bens e serviços à sociedade e, consequentemente, aos cidadãos? Será que a mesma não vai inflacionar o custo dos negócios na economia? Será que a corrupção não faz minguar o jogo capitalista da competição entre as empresas? Será que a corrupção não coloca em causa a democracia e o Estado de Direito?
A corrupção, no seio do investimento público e no âmago de avultados empreendimentos, hospeda a capacidade de proporcionar propostas de suborno altamente generosas. Os agentes de corrupção passiva, com a finalidade de promover ou encobrir estas negociações e convenções, aproveitam a concepção destas descomunais e extraordinárias empreitadas para amplificar a complexidade dos diagramas e projectos dos sectores públicos, bem como dos requisitos de competência técnica em negócios similares. Desta forma, os agentes corruptos conseguem diminuir a possibilidade de aparecimento de outros concorrentes. O objectivo passa por manter o elo de ligação entre os pretendentes corruptos e as licitações fraudulentas. Será que nas “sinuosidades” das grandes obras públicas, nomeadamente auto-estradas e pontes, nunca existiram escalões e trampolins de corrupção? Será que as grandes obras públicas não abastaram, de modo pérfido e sórdido, inúmeras famílias já abastadas? Será que o dinheiro desviado das obras públicas beneficiou a redução da pobreza? Será que alguns políticos e empreiteiros não mereciam estar presos de tanto roubarem? Será que o desempenho económico franzino não está profundamente coligado com a corrupção? Será que a corrupção organizada e constante não deve ser diferenciada da corrupção esporádica e pontual?
Ao defender as empresas ligadas, por vínculos de corrupção, aos colaboradores públicos corruptos, a corrupção acaba por possibilitar a continuidade e o desenvolvimento de empresas ineficazes para o aprovisionamento de bens e serviços úteis à sociedade, instigando, de modo simultâneo, o descaminho das empresas competentes e frutuosas que não estão associadas aos agentes e mecanismos de corrupção. Os Estados enfrentam diariamente a criminalidade organizada e a corrupção. Estes contextos prejudicam gravemente a sociedade no seu todo. Será que a criminalidade organizada e a corrupção podem ser contempladas como problemas de natureza unicamente local? Será que as mesmas não agasalham a chancela transnacional?
As consequências da corrupção política facultam o encadeamento com outros tipos de crime. Estes podem ser a açambarcação de bens públicos, a apropriação de serviços e dinheiros públicos, o favoritismo, o recebimento de subornos, a usurpação, a espoliação, a concretização de fraudes em licitações públicas, a extorsão e a permutação de influências políticas. Será que existe algum tipo de consenso, por parte dos Estados e legisladores, quando se discute a criminalização do enriquecimento ilícito? Será que o enriquecimento ilícito não concebe benefícios e lucros que devem ser apreendidos? Será que a corrupção nos Países em desenvolvimento não acaba por ter um resultado ainda mais aniquilador? Será que as instituições bancárias não são cúmplices do enriquecimento ilícito, bem como de todas as outras configurações de corrupção? Será que as mesmas denunciam a procedência ilícita de determinadas verbas depositadas? Será que as instituições bancárias não optam por também elas enriquecerem à custa da corrupção? Será que não existe um sentimento de impunidade e intocabilidade, no seio das organizações criminosas, perante a Justiça? Será que essa impunidade não é totalmente real e preocupante? Será que a intocabilidade que indumenta a corrupção não provoca um conjunto de dubiedades jurídicas, assim como elevadas doses de desconfiança popular em relação aos agentes e instrumentos de justiça, e às instituições do Governo?
Contemporaneamente a contabilidade pública constitui uma das disciplinas que mais interesse e curiosidade desperta nos universitários e nos profissionais. A contabilidade pública, no nosso País, tem sofrido vigorosas metamorfoses, resultantes da reforma administrativa e financeira do Estado, do plano oficial de contabilidade pública e de alguns “projectos” sectoriais públicos. A implementação destes planos almejou a conquista de padrões superiores de harmonização contabilística. Com a restruturação da contabilidade pública passámos de um arquétipo de informação de cariz orçamental, norteado principalmente para a prestação de contas e controlo da legalidade, para um sistema de informação timonado para a tomada de deliberações. Na Administração Pública este tipo de contabilidade acaba por assumir uma função de extrema relevância. Os delineamentos habituais da contabilidade pública facultam e autorizam uma nova gestão pública. Será que a contabilidade pública e a auditoria executada pelo Governo não constituem contextos que auxiliam os processos contra a corrupção, bem como a transparência e controlo social? Será que as medidas e iniciativas de adaptar as práticas de controlo interno e externo às autênticas indispensabilidades da sociedade estão em ininterrupto aperfeiçoamento? Será que o aperfeiçoamento deve ser descontinuado?
Relembrar apenas que o crime de enriquecimento ilícito, tendo em conta a observação e o estudo das soluções e deliberações perfilhadas por inúmeros Estados, agasalha dois vértices. Por um lado a disformidade entre o enriquecimento e os rendimentos legítimos declarados, por outro a ausência de fundamentação legal para a origem desses rendimentos. A criminalização do enriquecimento ilícito foi apresentada como um emblema de luta contra a corrupção. É fundamental que o combate à fraude fiscal também tenha um abrigo na mesma. Deste modo, será relevante afirmar que a criminalização do enriquecimento ilícito não se deve balizar unicamente aos detentores de cargos políticos ou aos funcionários públicos. Ou seja, este tipo de crime também deve compreender os restantes cidadãos. Será que a criminalização do enriquecimento ilícito não alberga alicerces morais e sociais indubitáveis?
Habitualmente os crimes de corrupção podem ser degustados como autênticas transgressões consensuais. Na realidade, tanto o corrompido, como o corruptor combinam previamente as práticas da contravenção. Neste contexto, e tratando-se de transferências de propriedade, estes procedimentos acabam por ser voluntários e naturais. Não existem vítimas concretas, as vítimas assumem a indumentária do abstracto, uma vez que as mesmas são a própria sociedade ecuménica. Será que a inexistência de vítimas “corpóreas” não constitui um repto ao paradigma usual de aplicação da legislação?
O assentimento de suborno, em determinadas ocasiões, é tão imperceptível que pode unicamente abranger um trejeito ou uma permuta de vocábulos sem importância e “autoridade” ética. É muitíssimo provável que o suborno aconteça em textura particular, sem testemunhas ou cúmplices, sem documentos, declarações ou outros recursos de prova e confirmação. Os processos, relacionados com subornos, que têm “êxito” no campo da justiça são, maioritariamente, executados e organizados em contextos de flagrante e inquestionável delito. Este sucesso está, em boa parte das vezes, intimamente associado à insatisfação dos corruptos. Esse descontentamento provoca sentimentos de vingança nos transgressores, levando-os a cooperar com as forças policiais e Ministério Público.
Contudo, este comprometimento e colaboração também podem aquartelar outras fisionomias, temperamentos e naturezas como por exemplo empresas privadas que não pretendem ser “espoliadas” ou funcionários públicos que não almejam ser corrompidos, embora detectem e tenham conhecimento de toda a movimentação fraudulenta.
No que diz respeito ao desencaminhamento de fundos públicos, as dificuldades de consecução de prova são provenientes de algumas condições distintas. Ou seja, os regulamentos e normas sobre o ingresso aos fundos públicos costumam ser pouco cristalinos e rigorosos na sua estruturação, possibilitando, dessa forma, o seu simples e célere “manuseamento”. Numa outra perspectiva, os colaboradores com as funções mais “elevadas” aconchegam a capacidade e oportunidade para ocultar ou destruir provas, bem como para fazer calar os colaboradores mais “franzinos”. São poucos os funcionários públicos que se disponibilizam para ser testemunhas nesse tipo de processos, uma vez que o medo de represálias está muito disseminado e presente em todos. Será que não existem alguns traços de pressão social no momento de diminuir as manifestações de impunidade? Será que as hierarquias superiores não usam amiudadamente as fragrâncias de impunidade?
O crime de enriquecimento ilícito ergue algumas discussões relacionadas com a sua própria constitucionalidade. Por exemplo, em relação ao princípio da presunção de inocência verifica-se que os Estados têm estruturado e aperfeiçoado múltiplos aparelhos lícitos, tanto no direito civil como no comum, que consentem o estabelecimento de presunções de direito segundo as quais os tribunais continuam autónomos para avaliar as provas patenteadas pela acusação.
Na circunferência de aplicação, abordagem e investigação do crime de enriquecimento ilícito, podemos referir, e tendo em conta as diferentes disposições jurídicas, que o mesmo pode ser ponderado e degustado em vários padrões, sendo os mais relevantes aqueles que estão confederados à política e ao vértice financeiro. Logo, se a prática de funções políticas instala alguns cidadãos numa “orientação” de poder na sociedade e o poder pode ser corrompido, descomedido ou alvo de abuso, resultando dessas circunstâncias rendimentos avultados para os políticos, é admissível o critério de perigosidade concebido e manifestado sobre os políticos que têm património ou estilo de vida completamente inconciliáveis com as suas fontes lícitas de rendimento.
Por uma questão de equidade, defendo que na “concepção” do crime de enriquecimento ilícito se deve incorporar, para além do sector público, o sector privado, pelo facto de que muitas das empresas públicas, embora não fazendo parte directa do Estado ou da Administração Pública, são superintendidas por antigos elementos do Governo ou por deputados, situação que pode desenhar alguns modelos de favorecimento nas medidas ou estratégias perfilhadas pelo Governo. Será que a aplicação deste crime nestas situações é despropositada?
Na realidade, a sociedade já tem ao seu dispor medidas, algumas delas franzinas é certo, que regulamentam as “teses” relacionadas com o “afastamento” de fundos e administração daninha, todavia o enriquecimento ilícito tem a capacidade de condenar, bem como de retirar o próprio enriquecimento ilícito aos funcionários públicos corruptos. A verdade é que a criminalização do enriquecimento ilícito exige a implementação de mais projectos e estratégias, sem que as mesmas vilipendiem os preceitos constitucionais. Será que não é relevante implementar medidas que passem pela fiscalização das “poupanças” e dos bens dos funcionários públicos no princípio e no final das suas funções? Será que esta “metodologia”, a médio prazo, não poderia ser aplicada à sociedade em geral?

Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.