A corrupção encontra-se especialmente coligada ao abuso de poder, abandono de funções e denegação de justiça.

No fundo, é aquiescer, esperar, acatar, implorar ou asseverar uma vantagem indevida, de cariz patrimonial ou não patrimonial, para si mesmo ou para terceiros. Este tipo de comportamento, se for costumeiro e ininterrupto, acarreta danos colossais para a economia, edificando, ao desarranjar a economia do investimento, os contextos de crise.

O combate à corrupção deve ser uma preocupação constante nas sociedades modernas. Todos conhecemos a promiscuidade e a miscelânea existente entre o universo da política e o mundo dos negócios. Infelizmente, a percepção da esmagadora maioria dos cidadãos sobre a corrupção é de prostração na perseguição, correcção e punição dos salteadores. Será que alguém enriquece, em funções do Estado, sem nenhum motivo suplementar? Será que a regulamentação jurídica não necessita de incluir, de uma forma mais abrangente e corpórea, a criminalização do enriquecimento ilícito? Deverá este crime designar-se por enriquecimento ilícito ou infundamentado?

O tema enriquecimento ilícito é algo controverso. Os “cânones” que indumentam as sinuosidades do crime de enriquecimento ilícito germinaram como uma espécie de aparelho de combate à corrupção, ao corrompimento e à delinquência organizada. Estas conjunções acabam, desafortunadamente, por banhar inúmeros Estados. Os indivíduos podem e devem enriquecer, todavia esse enriquecimento deve estar sujeito aos mecanismos e procedimentos de aquisição de riqueza lícitos, transparentes e cristalinos. Será que o crime de enriquecimento ilícito foi alvo de um tratamento saliente e rigoroso por parte da doutrina jurídica nacional? Será que a formulação e enunciação do crime de enriquecimento ilícito não podem acarretar alguns problemas e dilemas para o ordenamento jurídico nacional?

Os comuns e tradicionais instrumentos de combate à corrupção eram, e alguns deles ainda continuam a ser, franzinos e ineficientes. A comunidade internacional foi como que obrigada a desenvolver novas ferramentas de luta contra o crime. O crime de enriquecimento ilícito acabou por ser uma dessas “novidades”. Deste modo, será certamente pertinente afirmar que esta “configuração” de crime visa, fundamentalmente, combater o enriquecimento alcançado através de formatos ilegítimos. Será que os cidadãos não observam amiudadamente várias exteriorizações de riqueza? Será que os mesmos não se cruzam diariamente com essas manifestações? Será que algumas dessas exteriorizações não libertam odores putrefactos?

Na verdade, são estas manifestações, de pigmentação ininteligível, que constituem vigorosos indicativos de que algumas procedências de riqueza têm que ser forçosamente contempladas e saboreadas como ilegais. A “conjuntura” torna-se bastante mais complexa quando essa ostentação acontece no grupo dos governantes, uma vez que se instigam os ambientes de desconfiança e de descrédito nas instituições, bem como se incrementam os padrões do logro, da evasão, do subterfúgio e da iniquidade. Será que não é fundamental uma profunda análise sobre a criminalidade organizada? Será que não é elementar conhecer os fenómenos transnacionais que manuseiam e confeccionam a “transparência” da sociedade e do Estado? Será que a névoa não ofusca sempre a transparência? Será que as taxas de êxito granjeadas na investigação criminal não são quase sempre exíguas? Será que a lentidão que escolta os processos no tribunal não é desmotivante para os cidadãos e benigna para a corrupção? Será que as comunidades não têm assistido a um autêntico desinvestimento na investigação criminal?

As condições de trabalho no seio da investigação criminal são, em diversas ocasiões, precárias; os mecanismos disponíveis para os investigadores são insuficientes; os grupos de pressão que procuram manipular todas as acções estão cada vez mais densos e estruturados; e a falta de peritos para as desenvolturas necessárias acabam por constituir contextos que embaraçam e entorpecem as telas da investigação criminal. A corrupção jamais pode ser considerada como um crime de simples investigação, uma vez que a sonegação de corruptores e corrompidos acaba por tornar penosa e emaranhada a produção de prova. Quando mencionamos o vocábulo corrupção, consideramos sempre que o mesmo representa a livre aquiescência de condutas que transgridem os princípios morais e jurídicos, e visam benefícios indevidos.

A posse de determinados bens, sempre que esteja em total descoincidência com os rendimentos declarados e não desfrute de fundamentação legal sobre a sua proveniência, deve caracterizar um crime de enriquecimento ilícito e, simultaneamente, ser alvo de punição. A Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção adoptada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 31 de Outubro de 2003, e posteriormente validada por Portugal em 2007, vem estabelecer, assinalar e identificar, no seu artigo vigésimo, o crime de enriquecimento ilícito. Será que não é relevante perceber a origem e a anfractuosidade deste tipo de crime? Será que não é importante saber os fundamentos da “concepção” de um crime que “compreende” os funcionários públicos? Será que não é fundamental conhecer qual o itinerário lícito que podemos encontrar no nosso ordenamento jurídico?

Na realidade, a corrupção pode desenhar-se em diversas superfícies, todavia será seguramente na investigação da corrupção política que iremos contemplar um maior número de analogias com o crime de enriquecimento ilícito. A corrupção política pode ser enquadrada no uso das competências dos funcionários públicos, sendo substantificada para desfechos privados ilegais e injustificados. Deste modo, podemos afirmar que a mesma não só emprega o poder que tem para fins perniciosos, como também é uma conduta ilegítima concretizada por um determinado funcionário público no exercício das suas funções. Logo, qualquer comportamento ilegal executado por um funcionário público, no exercício das suas funções, acaba por incorporar a tipificação necessária à classificação de corrupção política.

Quando nos debruçamos sobre o estudo da corrupção, compreendemos com alguma espontaneidade que não é possível atribuir à mesma uma significação totalmente precisa ou degustá-la num prisma singular. Todas as perguntas e discussões devem ser consideradas, calculadas e fundamentadas pela actuação do Ministério Público no desenvolvimento das suas investigações, procurando descobrir o grau de conexão que existe entre o enriquecimento e o exercício de funções públicas. Há inúmeras fisionomias de enriquecimento que não derivam dos mecanismos de adquirição legal. Será que não é necessário encontrar ferramentas jurídicas que permitam contribuir para a obtenção de superiores índices de investigação, de competência e de eficiência por parte do Ministério Público?

Aproveitando a redacção elaborada na Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção, quando esta consigna o crime de enriquecimento ilícito, parece importante realçar a autonomia que os Estados aquartelam para aplicar esse “princípio” dentro da sua estruturação jurídica. Ou seja, os Estados não se encontram obrigados a escoltar assiduamente todos os vértices dessa “arrumação” legal. Será que já foram descobertos, analisados e ponderados todos os declives que “aformoseiam” a criminalização do enriquecimento ilícito? Será que não é essencial apresentar, de modo cristalino, as vantagens que existem em combater este tipo de crime? Será que existe um correcto e profícuo enquadramento do fenómeno corrupção? Será que as actividades entendidas como corrupção não diferem de Nação para Nação? Será que determinados exercícios de financiamento político que são legais num Estado não podem ser ilegais noutro? Será que certos funcionários públicos não têm poderes excessivamente amplos ou imperfeitamente definidos? Será que esta condição não dificulta a diferenciação entre aquilo que é lícito e ilícito? Será que as sociedades não espelham uma realidade tingida com as cores da corrupção política destravada? Será que os Estados não são governados por gatunos?

A corrupção, em diversas circunstâncias, é promovida no âmago do próprio Estado, uma vez que os políticos e os funcionários públicos observam na mesma uma configuração para alcançar enriquecimento simples e célere. Posteriormente muitas dessas “celebridades” acabam por mudar de função ou “exoneram-se” com a finalidade de laborar, por exemplo no estrangeiro, em “empresas” que também já realizaram um desatravancado e sombrio enriquecimento.

Os agentes privados não são os únicos que iniciam e desenvolvem os actos de corrupção. Os cânones legislativos, assim como os arquétipos e os regulamentos do serviço público são aplicados, em diversas circunstâncias, pelos agentes públicos para dar início às actividades ilícitas. Este género de corrupção acaba por promover o desinteresse de algumas empresas no investimento internacional, uma vez que as mesmas estão acomodadas às facilidades e aos jogos putrefactos em que “todos” ganham. No investimento internacional, e naquilo que concerne à constituição e implementação de empresas, costuma verificar-se a presença de inúmeros obstáculos burocráticos. Será que o investimento internacional, dentro da lógica de uma economia de mercado adulterada, não se pode tornar cada vez mais emaranhado e pardacento? Será que a corrupção política não procura conceber dificuldades aos cidadãos e às empresas para posteriormente transaccionar facilidades?

Nos Países com elevadas doses de corrupção, como é o caso de Portugal, são os titulares de cargos públicos que tomam a iniciativa de se avizinhar, de modo directo ou indirecto, aos agentes e aparelhos económicos, sugerindo, por exemplo, a cedência ou a desobstrução de contratos, acordos e licenças através do pagamento de determinadas gratificações. Será que este género de procedimentos não estorva o progresso económico da sociedade, edificando vigorosas deformações, mutabilidades e insuficiências no mercado?

As organizações de cariz privado também sofrem com o incremento dos custos do negócio, pois aquartelam a “indispensabilidade” de concretizar pagamentos ilegítimos aos funcionários corruptos. Será que todas as empresas necessitam de corromper ou de serem corrompidas? Será que todos os funcionários públicos são corruptos? Será que esta conjuntura não colabora para a criação de uma espécie de sulco judicial alicerçado numa acidental descoberta da ilegitimidade por parte de alguns colaboradores íntegros? Será que a corrupção não está confederada à própria concepção e publicação de leis, decretos-lei e portarias? Será que a legislação não protege algumas empresas à custa de outras, geralmente de “dimensão” inferior? Será que a lei não promove e dissemina o mercado de oligopólio?

O combate à criminalidade organizada exige a colaboração de todos os Estados, pois o fenómeno é internacional. Por todo o Mundo verificam-se incalculáveis casos e condições que têm como sustentáculo a corrupção. Infelizmente, e devido à serôdia confirmação do insucesso dos habituais mecanismos de combate, esta tomada de consciência despontou há relativamente pouco tempo. Surgiram então diversas Convenções e Tratados Internacionais que estimularam a coadjuvação entre Estados para a peleja contra a corrupção. Será que não é indispensável desenvolver um maior número de ferramentas legais, como é por exemplo a criminalização do enriquecimento ilícito, para o combate à corrupção ter elevados índices de sucesso? Será que os mecanismos processuais vigentes não necessitam de aperfeiçoamento? Será que não é necessário sacrificar alguns princípios e garantias constitucionais? Será que o princípio da presunção de inocência não necessita de ser metamorfoseado?

Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.