A sociedade deve estar preparada para lidar com a inclusão, acolhendo e respeitando, de forma integral, os princípios da mesma.

Meditar sobre o corpo e sobre as suas particularidades permite-nos referenciar que o corpo, presente nas comunicações e nas manifestações que foram sendo edificadas ao longo da história e autenticadas pelas próprias exteriorizações de dança, só pode efectivamente dançar se for virtuoso, sagaz, completo e perfeito para o conjunto de imposições, sobretudo de ordem técnica, decretado pela concretização de algumas danças. Este contexto acaba por espelhar a existência de uma profunda discriminação em relação aos corpos que não se encaixilham nesse padrão. São corpos que acarretam, na sua própria corporeidade e dimensão, traços da idade, da conjuntura social ou da presença de uma determinada deficiência, seja sensorial, cognitiva ou física. Será que observar um determinado corpo e vislumbrar unicamente as suas marcas não é balizá-lo e restringi-lo? Será que é importante que os corpos desfilem segundo os “preceitos” decretados pela sociedade? Será que esses preceitos não são discriminatórios? Será que o mais relevante não é saber o que o corpo sente em todos os momentos e etapas da sua vida?

Quando o corpo é estigmatizado ou desvirtuado nos cabimentos cultural e afectivo acaba por deixar de ser apreciado ou considerado como uma “entidade” que se movimenta, desestagna, comunica e participa como qualquer outro que não patenteia sinais corporais que o evidencie como “especial” ou diferente. Na realidade, torna-se elementar que o corpo com “deficiência” tenha desejos e ensejos de se conhecer, amar, gostar, estimar, apreciar e compreender enquanto corpo singular não só na circunferência física, como também nos outros tipos de circunferência.

Os corpos vivos possuem inúmeros sistemas em funcionamento, podendo também aquartelar alguns sistemas desligados ou desactivados. Todavia, é oportuno referir que esta circunstância não significa que os mesmos não sejam seres capazes de se organizar e estruturar, actuando e arrolando-se pela compreensão do Universo que os envolve. Neste contexto, podemos certamente afirmar que esses corpos respondem ao meio envolvente e à sociedade através de leituras, sonhos, desejos, pretensões, descobertas, criações e transfigurações.

A dança e a música podem ser degustadas como objectos privilegiados e fundamentais de análise da evolução histórica e cultural do homem, na qual os “protagonistas” da dança são assinalados, na superfície corporal, por práticas sociais e culturais características de cada época. Estes objectos de observação e de análise proporcionam uma espécie de edificação e de reedificação do corpo embebido em significações, interpretações, preconceitos, intolerâncias e comportamentos. Será que esta congeminência não pode representar uma “interlocução” entre arte, ciência, sociedade, conhecimento, interacção, cultura e educação?

A inclusão aborda as correspondências humanas que se erguem na “sequência” da complexidade, do poder e do incompleto, uma vez que se parte da premissa que a mesma articula e projecta elementos, dados e recursos históricos da nossa evolução política, social, económica, laboral e cultural. O planeamento de mecanismos e de actividades pedagógicas inclusivas acaba por exprimir a “compreensão” da sociedade. Será que a dança e a música não podem ser consideradas educação quando arrogam o pacto de informar e de formar cidadãos analisadores e conhecedores dos papéis sociais que representam num determinado espaço e tempo? Será que não existem múltiplas questões que precedem e escoltam a meditação sobre práticas pedagógicas inclusivas? Será que não existem ainda práticas pedagógicas que contemplam a diferença como uma desvantagem, procurando persistentemente a uniformização? Será que reflectir sobre práticas educativas inclusivas não é também promover a formação contínua de professores? Será que os professores não devem desenvolver e fomentar encadeamentos inclusivos? Será que a promoção de debates e de espaços que foquem a importância da implementação de práticas educativas inclusivas, junto da comunidade em geral, não é uma condição relevante? Será que não é importante que as comunidades tenham instituições e estabelecimentos de ensino capazes de desenvolver trabalhos na área da inclusão? Será que a dança e a música inclusiva não promovem verdadeiros diálogos corporais, bem como índices de improvisação, de emoção, de conhecimento, de criação e de educação?

A sociedade deve estar preparada para lidar com a inclusão, acolhendo e respeitando, de forma integral, os princípios da mesma. As vivências e experiências na dança e na música inclusiva actuam de modo a edificar territórios de confraternização entre as pessoas. Os espaços sociais, que permitem a permuta de experiências, ainda são escassos. Será que aprender a fraternizar com a multiplicidade humana não é essencial? Será que não devemos reverenciar e valorizar as diferenças? Será que não temos a obrigação de ser compreensivos e cooperantes? Será que não devemos, em determinadas ocasiões, alterar a nossa postura e atitude em relação aos outros? Será que não devemos estimular a capacidade de cada indivíduo? Será que o conceito de dança é estático? Será que não devemos alargar o próprio conceito de dança? Será que não é importante amplificar o conceito de corpo? Será que o universo não é metamorfoseado pela arte, educação, cultura e encadeamentos humanos?

A dança, paralelamente ao teatro e à música, pode ser saboreada como uma das principais “artes” que desfilam na sociedade, caracterizando-se por empregar movimentações corporais compassadas e antecipadamente acordadas ou improvisadas ao som e cadencio de uma ocasionada música. Neste cenário há seguramente uma volumosa e dinâmica exteriorização de sentimentos e de emoções. Infelizmente a dança inclusiva é um fenómeno historicamente recente, pois ainda agasalha parca tradição e disseminação. Será que não é importante lidar e dançar com as diferenças? Será que não é relevante promover a expressão corporal de todas os indivíduos? Será que para a arte existe algum tipo de trincheiras?

A criação artística tem como alicerces a emoção, a “alma”, o estado de espírito e o sentimento, afastando-se dos itinerários do stress, da sujeição e da opressão. A criação artística acaba por estruturar os raciocínios e os instintos. Estas configurações acabam por apadrinhar o aperfeiçoamento, o entendimento, a concepção, a observação, a análise e a inteligência. Será que estes factores não agasalham uma colossal preponderância no processo de aprendizagem? Será que um indivíduo que não movimenta os seus membros superiores e inferiores não pode dançar? Será que não conseguimos dançar somente com os olhos?

Apesar de se reconhecer que as actividades sociais, culturais e desportivas inclusivas são benignas para a sociedade ecuménica, a verdade é que as “oportunidades” ainda ficam muito aquém dos patamares desejáveis. Desafortunadamente, em múltiplas ocasiões, as questões de natureza financeira, burocrática e arquitectónica embaraçam fortemente esse panorama ideal. Será que não é determinante para a sociedade legitimar os corpos reais?