O poder que a Europa detém acaba por patentear a capacidade que a mesma aconchega para persuadir os outros a consentir os valores e os modos de vida europeus.

Será que esta conjuntura não assenta no inelutável apelo dos nossos ideais e traços culturais? Será que a mesma não estaciona, “despudoradamente”, na presunção de superioridade dos valores e ideais europeus? Será que não existe uma aterradora sobranceria eurocêntrica? Será que é fácil supor ou admitir que a nossa configuração de vida possa ser rejeitada eticamente e conscientemente pelos outros intérpretes sociais? Será que os islamitas não odeiam tudo aquilo que o Ocidente e a Europa têm de melhor? Será que os islamitas não repudiam tudo aquilo que nós idolatramos? Será que os europeus não devem sepultar o conceito de comunidade muçulmana?

Sempre que um dirigente europeu “certifica” uma comunidade muçulmana, esse líder está a insidiar os indivíduos muçulmanos que pretendem actualizar o Islão. A linguagem politicamente correcta, que embrulha a sociedade muçulmana, não possibilita a análise às ditas “comunidades” muçulmanas, escondendo, simultaneamente, tudo aquilo que os islamitas europeus confeccionam. Todas as iniciativas para tranquilizar os muçulmanos radicais e os chefes das comunidades muçulmanas são contempladas como desenhos de traição por parte daqueles muçulmanos que ambicionam reestruturar o Islão. Será que a preponderância da linguagem identitária não está a desarmar e a destruir o espaço público europeu?

Contemporaneamente as sociedades europeias são reconhecidas por albergarem comunidades fechadas entre si. Os grupos falam unicamente para dentro das suas fronteiras e raramente dialogam uns com os outros. Na verdade, perdeu-se a consideração e o respeito por uma razão comum e por uma “terminologia” análoga. Todavia, temos a obrigação de tratar os muçulmanos que desfilam na Europa como cidadãos iguais, em incumbências e direitos, aos outros cidadãos. Será que não devemos deslembrar o conceito de diálogo de civilizações? Qual o motivo para que os investigadores raramente associem os muçulmanos às variáveis políticas, ideológicas e económicas?
Há quem distinga o muçulmano moderado do muçulmano radical. O primeiro, em teoria, será apenas menos fanático e entusiasta do que o segundo. A elite ocidental jamais deve “procurar” esses muçulmanos moderados, mas sim os muçulmanos que agasalham, como qualquer europeu, inúmeras identidades. Será que as expressões comunidade muçulmana, diálogo de civilizações e Islão moderado não transmitem mais informação sobre a fragrância intelectual europeia do que propriamente sobre os muçulmanos? Será que a Europa é capaz de lidar com o outro sem o paternalismo epistemológico?

No mundo islâmico, as sociedades, embora paulatinamente, estão a mudar para um itinerário mais liberal, democrático e aberto. Todavia, na sinuosidade da Europa, o Islão é incapaz de perfilhar a mudança, ou seja é na Europa que descobrimos o Islão mais fechado e tolhido. Será que as políticas de integração europeias têm revelado elevados índices de eficácia?
A esmagadora maioria das disposições de poder do sistema internacional actual encontra-se sob controlo de uma única grande potência, os Estados Unidos, que procura, através do processo de mundialização de correntes de informação, de conhecimento, de capital, de tecnologia e de pessoas, ampliar e aplicar o seu império à totalidade dos vértices desse mecanismo. Contra essa actuação hegemónica norte-americana, múltiplos movimentos de resistência e reacção têm operado com a finalidade de desequilibrar as estruturas da disposição internacional. Será que o terrorismo islâmico internacional pode ser degustado como uma consequência colateral dessa ordem hegemónica unipolar? Será que o mesmo pode ser considerado como uma resposta contra-hegemónica em relação a esse processo de soberania?

O “desmoronamento” do muro de Berlim e a decomposição da União Soviética manifestaram o desabar de uma arrumação internacional que predominara durante a Guerra Fria e dividira o mundo em dois volumosos conjuntos com estratégias, planos, ambições e políticas contrárias durante quase cinco décadas. A altercação bipolar entre os Estados Unidos e a União Soviética significava bastante mais do que o conflito entre dois arquétipos de organização política e social. Para além do conflito na superfície ideológica, ocasionado pela incompatibilidade presente entre o capitalismo de mercado e o socialismo de Estado, a conservação da Guerra Fria representava a fortificação de uma ordem internacional emergente no pós-II Guerra. Todavia, as metamorfoses sobrevindas na geografia política mundial no pós-Guerra Fria e a moderna disposição das forças políticas e sociais anunciaram à “doutrina” internacional um panorama bastante mais activo e diligente do que o anterior, sustentado com os vértices de uma renovada configuração de poder, que se ampliava através da chancela de hegemonia unipolar norte-americana. Os norte-americanos não desperdiçaram o ambiente de optimismo no palco internacional para apresentar, acomodar e empregar a sua “organização” como valorosa, talentosa e decisiva para alcançar uma benigna reputação mundial. A nova ordem mundial estava associada a generalização dos princípios liberais, tolerantes e democráticos. Predominava a noção de que os princípios personificados pelos Estados Unidos se desenvolveriam e difundiriam a todas as sociedades sem qualquer espécie de problema ou contratempo. Com a prostração do socialismo, a globalização económica, escorada nos cânones elementares do liberalismo, sublinharia o alargamento do mercado. O equilíbrio internacional seria procurado na medula da imutável ampliação e constante consubstanciação do regime liberal e democrático. O projecto de expansão norte-americano possui o seu sustentáculo principal na extensão militar sob o fundamento de o mesmo ser uma espécie de guarda-costas da ordem internacional e administrador do “regime”. Será que os Estado Unidos não computam as suas acções e movimentações segundo a indispensabilidade de concretização das suas próprias conveniências?

Este período de supremacia norte-americana tem sido assinalado por formatos de resistência no panorama internacional. Esses formatos emergem, na maioria das ocasiões, coligados a Países localizados nos “subúrbios” do doutrina capitalista, a partir de movimentações, raciocínios e exercícios sociais que almejam digladiar os processos de globalização hegemónica. Esses lineamentos de resistência à dominação também podem ser escoltados por vindicações de cariz cultural ou étnico, modeladas num fundamentalismo religioso que edifica o antagonismo entre valores espirituais e materiais. Existe uma espécie de senso comum que afirma que os homens-bomba são dementes, intolerantes, maníacos, obcecados ou de contexto económico pobre. Todavia, muitos desses homens tiveram passagem, e com bons resultados, pela educação secular e superior, sendo oriundos de famílias com avultados recursos financeiros.

Geralmente, os mecanismos de resistência e reacção conquistam temperamento extremista a partir do instante em que a sobrevivência, imaginativa ou verdadeira, das comunidades locais se encontra ameaçada e atemorizada. É certamente na medula de um sistema de segmentação cultural que os actos de impetuosidade e violência se desenvolvem. Na realidade, esta conjuntura acaba por apadrinhar o aparecimento de comportamentos radicais.
No século XXI, este género de “fragmentações” desenvolve-se através da amplificação das acções praticadas pelos grupos terroristas. Este alargamento está intimamente ligado a um recrutamento de fisionomia transnacional, com inúmeras finalidades políticas e económicas, e a algumas actuações, no seio de uma filosofia bastante própria, que visam a perturbação de toda a sociedade. Deste modo, podemos afirmar que a actuação terrorista internacional agasalha um símbolo de resistência à dominação hegemónica. Será que essa resistência não está coligada a uma doutrina histórica e cultural? Será que não é fundamental compreender como se desenvolveu o processo histórico nas sociedades islâmicas?

O controlo político do Médio Oriente acaba por ser degustado como um requisito capital para a dominação hegemónica dos Estados Unidos no panorama internacional. Na verdade, esse território aconchega inúmeras e volumosas reservas de recursos naturais, principalmente petróleo. Outro factor importante passa pela sua configuração geopolítica, uma vez que a sua localização facilita a contenção de eventuais forças desafiantes e antagónicas. Será que a história recente do Médio Oriente não é caracterizada por um conjunto de intercessões, espoliações, depredações, recalcamentos e episódios de dominação perpetrados pelas potências ocidentais? Será que o propósito de legitimar a autoridade europeia sobre as colónias não foi fundamental para a salvaguarda das conveniências das elites influentes?

Ao longo do século XX, os espelhos e as imagens da soberania ocidental estiveram presentes em quase todos os conflitos e altercações que embrulharam os Países da periferia do sistema, especialmente no Médio Oriente. Será que essa conjuntura não foi responsável pelo incremento do número de guerras civis e pelo aparecimento de grupos fundamentalistas? Será que os muçulmanos não devem beber nos mananciais da sua própria história?
A procura incessante das nascentes de autonomia, legitimidade e veracidade, bem como a animadversão à hodiernidade configurada com o Ocidente, acabam por constituir insígnias elementares para o desenvolvimento do fundamentalismo religioso islâmico. No âmago desta configuração, podemos seguramente asseverar que a religião acaba por possuir a capacidade de “aprovisionar” uma fragrância de unidade e identidade fundamental na laboração ideológica de edificação de arquétipos de reacção e objecção. Será que a religião não é aproveitada como uma manifestação de rejeição do sistema? Será que o conceito de religião não é manipulado para fins de exterminação da disposição actual? Será que nesse processo não se procura o regresso ao passado? Será que esta configuração não é executada através da aplicação de instrumentos contemporâneos e evidentemente modernos?

Em pleno século XX surge uma nova força política no Médio Oriente, a Irmandade Muçulmana, que procurava fazer do Islão um regime constitutivo extraordinário e irreprovável, decidido a abranger e a organizar todas as actividades humanas. Logo, a Irmandade Muçulmana é uma organização islâmica fundamentalista que ambicionou reconquistar os ensinamentos e mandamentos do Corão, estabelecer um programa de mobilização para ascensão ao poder e edificar uma nova sociedade, declinando qualquer espécie de influência ocidental, bem como recusando o Islão “institucional” e liberal. Será que o exemplo da Irmandade Muçulmana não acabou por impulsionar o aparecimento de outros movimentos de asseveração identitária? Será que na abordagem fundamentalista, e como recurso para reabilitar e revalorizar a identidade, o passado não faz o papel do presente?

O Islamismo é bastante diverso e, em determinadas ocasiões, dissemelhantes organizações islamitas entram em colisão, pois cada uma delas defende ser a única representante do Islão verdadeiro. A combinação do fundamentalismo religioso e do terrorismo, apoiada e legitimada em habitantes desmoralizados e mergulhados em pobreza extrema e sujeição política, constitui uma tela ideal para os grupos extremistas acalentarem as suas ideias e incorporarem novos combatentes. Será que o fundamentalismo é exclusividade do Islamismo?

Devemos seguramente realçar que o fundamentalismo é um fenómeno político central contemporâneo, ou seja um movimento que procura conquistar, e posteriormente conservar, o poder político e social. As sociedades islâmicas passam a estar munidas de alguns pressupostos intemporais, bem como fechadas em valores tradicionais, conservadores, extremistas e violentos. Por sua vez, o Ocidente continua o seu processo, a partir de um mecanismo de tentativa de uniformização cultural e estabilização de uma disposição de sistema, de entremetimento e expansão.

Convivemos com um célere e feroz sistema de globalização, que interliga, na perspectiva económica e tecnológica, habitantes de diferentes áreas do globo. Os comportamentos terroristas vão adquirindo estatuto internacional, e podem ser degustados como movimentos de repulsa e resistência em relação aos valores disseminados pelos grupos hegemónicos. A contemporânea sequência de atentados praticados contra alguns dos “atributos” de civilidade ocidental acaba por assinalar o progresso recente do terrorismo internacional. Esta intensificação actual do terrorismo pode ser denominada de terrorismo de resistência. O terrorismo de resistência procura a desarmonia do Estado através da aplicação de planos embebidos em violência. Esta situação vai acabar por gerar telas sistemáticas de tensões no âmago das sociedades ocidentais.
Devemos ter em consideração a vulnerabilidade existente nas comunidades periféricas, uma vez que as mesmas aquartelam relevantes segmentos de população em situação de gigantesca instabilidade e pobreza. Assim, os episódios de desequilíbrio na política internacional deixam de ter os seus princípios e bases em acometimentos e conflitos entre os Estados, passando a despontar uma cadeia de desacordos assimétricos entre a sociedade expansiva ocidental e os grupos contra-hegemónicos fundamentalistas. Será que não é no seio dessas sociedades periféricas que os ideais, impregnados de detestação, rancor e exterminação, amadurecem e engrossam? Será que o fundamentalismo extremista religioso e o terrorismo de resistência não procuram, de forma incessante, a inconstância do sistema, assim como a perfuração da presente ordem internacional? Será que o terrorismo não é um fenómeno ético e político ímpar?

A campanha terrorista internacional pode ser representada como um movimento contra-hegemónico que procura espicaçar directamente a ordem hegemónica que pretende dominar o cenário internacional. Os terroristas internacionais atacam grupos estrangeiros e Estados que reconhecem como aliados dos seus inimigos. O terrorismo internacional não tem como finalidade específica a conquista do poder. O seu grande objectivo é a desarrumação do regime vigorante através do derramamento de condutas de horror e terror.

As antinomias desencadeadas pelo paradigma da globalização e da simultânea expansão de valores ocidentais, assim como os choques proporcionados pela modernização constituem condições algo complexas que em algumas sociedades menos preparadas redundaram em preocupantes e titânicos dilemas sociais, culturais e económicos. Será que o terrorismo não é um espelho dos paradoxos internos e externos que o próprio sistema, controlado pelo Ocidente, lhe determina e impõe? Será que a violência e o terrorismo podem ser ligados a uma doutrina religiosa? Será que a luta contra o terrorismo e o mito do terrorismo mundial não se embrulham modelarmente nas estratégias de política nacional e internacional dos Estados Unidos? Será que essas condições não acabam por ajudar a legitimar a aplicação da norma de actuação unilateral através da política de combate ininterrupto e do intervencionismo hegemónico?

Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.