O Islão é a denominação de uma religião que despontou historicamente no século VII e que com o decorrer do tempo passou também a “representar” uma civilização e cultura. O Islão Político é aquele que acaba por estar intimamente ligado ao Islamismo, podendo definir-se como uma ideologia, e nunca como uma religião, que embrulha uma desafogada conspecção de “deslocações” políticas hodiernas que eventualmente tem a capacidade necessária para perfilhar uma multiplicidade de configurações.
Islão político, ou Islamismo, é a designação que arrecada um conjunto diverso de doutrinas, cânones e procedimentos políticos que fundamentalmente amparam e protegem o Islão como identidade e sustentáculo para superintender os dissemelhantes domínios de estruturação social, económica e política do Estado. O Islamismo agasalha temperamentos políticos. Contudo, será que o Islamismo, à medida que se foi derramando entre as massas de muçulmanos, não se foi tornando simultaneamente menos político?
Os devotos do Islão designam-se muçulmanos e os partidários do Islamismo chamam-se islamitas que podem, ou não, ser muçulmanos. O vocábulo muçulmano conduz-nos para uma prática ou experiência religiosa. Salientar que os muçulmanos doutrinaram ao mundo a medicina, a geometria, a álgebra, a trigonometria e os algarismos arábicos; realizaram inúmeros trabalhos de astronomia, medicina e matemática; concretizaram importantes traduções; inseriram conceitos astronómicos; transferiram a bússola, a pólvora, o papel, os ácidos e o álcool; e fundaram inúmeras unidades hospitalares.
Os episódios de mobilização política, sob a chancela do Islão, têm sido contemplados e degustados nos mais distintos formatos, ou seja em dimensões de autoritarismo, de fundamentalismo, de ressentimento, de primitivismo e de despotismo. Será que não existe uma certa inabilidade para analisar o Islamismo como algo mais do que um conjunto de respostas e resistências obsessivas a determinados desenrolamentos ocorridos no Universo? Será que essa conjuntura não expressa que, e enquanto matéria de investigação, o Islamismo ainda permanece sombrio, desordenado e confuso? Será que a disposição mundial contemporânea, nas fisionomias militares, económicas e culturais, não está centrada quase exclusivamente no Ocidente? Será que não são necessárias, quer em qualidade, quer em quantidade, práticas de esquadrinhamento e de aprofundamento do fenómeno Islamismo? Quais são os encadeamentos do Islamismo com o eurocentrismo? Será que actualmente o eurocentrismo não se observa de alguma forma cotejado com o perseverante recurso ao Islão para “conclusões” políticas? Será que a dissertação do eurocentrismo desassossega o entendimento daquilo que é e significa o Islamismo? Será que o Islamismo não está acorrentado a uma sucessão de imagens e “circunstâncias” recorrentes? Será que o Islamismo não acaba por representar um lineamento elementar para o Islão? Será que o Islão e o Islão Político não trocaram inúmeras carícias ao longo dos tempos? Será que é possível ou desejável desvincular completamente o Islão do Islão Político?
Desde as suas etapas iniciais que o Islamismo tem sido saboreado como um esquisito e desusado padrão de moda, perpetuamente na iminência de se “ausentar”. Torna-se difícil não escutar algumas observações que celebram o fim do mesmo, assim como dos seus seguidores. Todavia, esses raciocínios sobre o enfraquecimento do Islão Político são imediatamente colocados em segundo plano quando um recente paradigma de fundamentalismo islâmico alcança os “principais” títulos dos meios de comunicação social. Será que não é fundamental conhecer a forma como as concepções e compreensões populares sobre o Islamismo circundam as explanações de circunferência jornalística?
Na realidade, os islamitas não são inimigos do mundo, uma vez que os mesmos também aformoseiam este mundo, patenteando um imenso “fragmento” da humanidade. O Islão talvez seja a religião que mais prospera contemporaneamente. Desafortunadamente, a insciência e o desconhecimento encontram topografia fecunda em espíritos que não coam e nem colocam em causa as informações ou desinformações que lhe são outorgadas. Será que devemos sentenciar um povo pelas condutas aplicadas por alguns dos seus membros? Será que o neonazismo, a inflexibilidade, o preconceito e a segregação devem desfilar num mundo que está associado por uma titânica rede de comunicação e por incalculáveis misturas e combinações raciais? Será que devemos deslembrar o fanatismo religioso em que o Ocidente esteve submerso na Idade Média e no Renascimento? Qual será a razão para que o Islamismo nunca seja patenteado como um movimento político distinto, com todas as suas duplicidades e antinomias? Será que os outros movimentos políticos também não aquartelam elevadas doses de ambiguidade e de antagonismo? Será que a actividade política, rigorosamente assinalada, não passou a ser um tentáculo do calculismo económico?
O Islamismo, munido dos seus delineamentos e projectos de refundação e reestruturação de uma ordem islâmica no seio das comunidades muçulmanas, é interpretado como tendo perfilhado uma espécie de antipolítica, ou seja uma política que está profundamente ligada à tentativa de metamorfosear em possível tudo aquilo que é impossível. A medula política do Islamismo é desaprumada para a violência, a intensidade e o fanatismo. Deste modo, podemos seguramente afirmar que surge uma espécie de espelho que acaba por representar o Islamismo como a negação da política. Esta negação tem expressividade nas narrações e exposições do Islamismo, bem como nos relatos fornecidos pelo mundo real que indicam um certo padrão de vazio, tanto na fisionomia prática, como conceptual. Será que o “projecto” islamita não agasalhou alguns traços de desapontamento? Será que a denegação islamita, em relação ao consumismo, foi uma deliberação que a população comum do mundo muçulmano desejava? Será que os muçulmanos não almejam a felicidade e a prosperidade nos mesmos moldes que a população ocidental? Será que a descrição do programa islamita não esteve avassalada pelo impedimento de aderir ao Islão fora das fronteiras de um Estado islâmico? Será que o conceito de sociedade venturosa é igual ao conceito de ordem moral islâmica? Será que o Islamismo oferece um paradigma de Governo cristalino e compacto?
Na verdade, não devemos, como frequentemente acontece, menosprezar os islamitas com os fundamentos de que são individualmente amigos da divergência, de que aconchegam políticas públicas bastante inconsistentes e de que altercam sempre assuntos vulgares. Apesar dos inúmeros esforços para edificação de uma economia “islâmica”, acaba por ser extremamente complicado suportar a opinião de que a mesma tenha capacidade para facultar uma fractura completa relativamente aos arquétipos de gestão económica contemporâneos. Será que o economicismo não se disseminou nas veias da literatura das correspondências internacionais? Será que alguma vez se consegue circunscrever a economia a um conjunto de questões, assuntos ou objectos éticos? Quais são os avanços quando se menciona que a inflação é um produto de negociantes ambiciosos? Será que as deformações económicas são corrigidas através da obediência aos “cânones” que são considerados procedimentos íntegros tendo em conta os princípios narrados nos textos do Islão? Será que o Islamismo não se arrisca a ser reduzido à comensuração de uma simples resistência à globalização, não sendo, dessa maneira, degustado como uma impugnação “sisuda” à ordem capitalista universal? Será que algum dos filiados da Organização da Conferência Islâmica (OCI) desfruta de recursos económicos suficientes para atemorizar as plutocracias ocidentais? Será que não existiram já conflitos internacionais veementes que pouco tiveram a ver com modelos concorrenciais de gestão económica? Será que os antagonismos geopolíticos somente são eloquentes quando estão em causa paradigmas económicos rivais? Será que o Islamismo não pode ser patenteado como uma espécie de activismo político que agasalha como finalidades a transfiguração da sociedade e a submissão do próprio Estado?
Na realidade, não devemos degustar o Islamismo unicamente como uma ideologia. O temperamento discursivo do mesmo embrulha elementos linguísticos e extralinguísticos. O Islamismo acaba por desabrochar de uma multiplicidade de pontos e espaços, assim como de uma pluralidade de dissertações. Será que a especificidade do Islamismo não se coloca a partir do momento em que os vértices que o compõem se estruturam em perspectivas de fronteira?
A islamização procurou conservar o poder e fugir a qualquer tipo de transfiguração social verdadeira e corpórea. As cedências e vindicações epidérmicas, o aplauso às leituras conservadoras do Islão, e o arremesso do embrulho maior da islamização para os ombros dos elementos mais frágeis e franzinos da sociedade constituíam condições vividas amiudadamente. A visibilidade cada vez mais asseverada da subjectividade muçulmana não é forçosamente produto directo e espontâneo do Islamismo. Essa conjuntura, em diversas ocasiões, acaba por ser o resultado da islamização. Será que a islamização não é uma resposta ao Islamismo? Será que a islamização se traduz num irretorquível apoio popular aos delineamentos islamitas?
Nas comunidades em que a maioria da população se considera muçulmana, somente alguns islamitas tiveram a capacidade de mostrar e dilucidar que objectivamente desfrutavam de um apoio popular análogo ao número de muçulmanos existentes nesses territórios. Existem seguramente alguns motivos robustos para que esse contexto tivesse assim desfilado. Alguns partidos políticos islamitas foram, e ainda são, alvo de repressão e violência não só em moldes abertos, como também em moldes encapotados. Esta circunstância acaba por limitar os mesmos no acesso ao respectivo e fundamental alicerce popular. Estes índices de coibição contam com o apoio de uma confluência de conveniências das grandes potências internacionais, as quais contemplam no Islamismo um acometimento contra a sua própria soberania, identidade e incorruptibilidade individual, bem como contra a disposição internacional. Outro dos motivos está associado ao facto de os projectos políticos islamitas, mesmo nos casos em que os mesmos alcançaram o controlo do poder do Estado, nunca terem conseguido implementar, de forma efectiva, o seu domínio. A inaptidão para alcançar uma preeminência política islamita significou que os regimes islamitas foram obrigados a recorrer à imposição e ao constrangimento descoberto como meio de preservarem o poder, uma vez que a sua liderança intelectual e predisposição ética nunca foram suficientes, nem competentes, para que tal “empreitada” ocorresse. Na realidade, nunca conseguiram que qualquer alternativa a uma administração islamita se tornasse imediatamente e totalmente inimaginável.
Apesar de a maior parte dos muçulmanos defender que a melhor configuração de Governo será a de um Governo islâmico, quando cotejados com ensaios práticos de estabelecimento dessa fisionomia “ideal” de Governo, os mesmos têm-se apresentado claudicantes e até críticos. Contemporaneamente o Médio Oriente não é exactamente aquilo que a televisão e os jornais persistem em apresentar, uma vez que o mesmo agasalha uma imensa sucessão de progressos. O insucesso ou o sucesso do Islamismo estão sujeitos aos raciocínios, paradigmas e critérios que empregamos para elaborar algumas leituras, juízos e interpretações. Será que já existe uma definição correcta de Islamismo? Será que não é profícuo entender o Islamismo na perspectiva do seu discurso? Será que não é indispensável colocar o Islamismo no seu contexto próprio antes de decifrar se o mesmo fracassou ou não? Será que o Ocidente não tem concorrente?
A presente organização mundial aquartela algumas particularidades. O processo de globalização vai do desmoronamento da União Soviética e do aniquilamento da bipolaridade até à disposição da produção e do consumo numa categoria universal, atravessando, através dos recursos tecnológicos, a exterminação das distâncias. Em segundo temos o diagrama do eurocentrismo, que não é mais do que uma tentativa pluridimensional de reimplantar as práticas culturais do Ocidente enquanto manifestações universais. Por fim, desaguamos no processo de descentramento do Ocidente. Na verdade, assistimos, ainda que paulatinamente, ao debilitamento ininterrupto da função hegemónica do Ocidente enquanto formação e organização cultural.
Analisando mais pormenorizadamente os dissemelhantes delineamentos e projectos islamitas, chegamos rapidamente à conclusão de que todos estão associados à globalização. Na realidade, acaba por ser a globalização a “autorizar” a própria “existência” do Islamismo. Talvez um dos mais completos exemplos disso seja a própria Al-Qaeda, nitidamente um protagonista político desterritorializado e “descontextualizado”, no qual os seus elementos têm uma procedência transfronteiriça e as suas intervenções estão subordinadas às tecnologias de comunicação “gerais”. Será que é proveitoso observar o Islamismo unicamente como uma resposta à modernização ou à globalização?
Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.