O imaginário tecnológico, para além de fomentar variadíssimas abordagens científicas, também divulga o corpo como objecto essencial para a observação e compreensão das “vicissitudes” da época digital.

O corpo, para além de ser um “cabimento” de prazer, de alegria e de vida, também abraça e patenteia o padrão social e histórico em que nasce e se desenvolve, manifestando contemporaneamente valores éticos específicos. Morte e sexo, antes de se terem transformado num paradigma cultural e científico, e mesmo antes de fazerem parte das nossas alegorias, mitos, crenças, “estimações” e valores, constituem “argumentos” naturais que na sua verdadeira essência pretendem conservar uma afinidade. O corpo humano é edificado socialmente e determinado factualmente, ou seja, possui e narra uma história a partir de seus modos de construção, e não a partir das suas dissemelhantes definições e enunciações.

Ainda que muitas vezes nos esqueçamos, o homem desempenha a sua função sexual num determinado espaço de tempo e é influenciado pela economia, política, teologia e religião. Por exemplo, numa óptica religiosa, o corpo raramente é interpretado pela perspectiva biológica, mas sim por sistemas culturais que aquartelam uma configuração e estruturação simbólica.

Frequentemente, as definições de pornografia têm uma essência normativa, ou seja, funcionam como “doutrinas” reguladoras das condutas dos indivíduos. Todavia, o material pornográfico agasalha um “recheio” peculiar que o distingue do “ornato” erótico. A própria origem do vocábulo pornografia acarreta uma aparência comercial e consumista que, mais do que nunca, se metamorfoseia na principal finalidade da indústria pornográfica. Porém, as distinções entre o erótico e o pornográfico adquirem mais sentido e valor quando analisamos e comparamos rigorosamente o contexto onde essas manifestações são produzidas.

Por exemplo, e ao contrário do que acontece na escrita pornográfica, a voluptuosidade e o erotismo na escrita constituem uma configuração de arte como outra qualquer, aprendendo-se a lapidar e a “fantasiar” as palavras com a finalidade da obtenção do corpo, da satisfação e do desejo. As imagens são comutadas pela suavidade e encantamento das palavras, que, sem pausa mas sem pressa, vão inaugurando um ocasionado desejo aos leitores. Isto, jamais pode ser considerado pornografia, pois trata-se de um salutar delineamento de vocábulos que é responsável por activar a excelência do “saber ler” e do “saber descobrir”.

Enquanto que a pornografia está e estará perpetuamente ligada ao prazer, e este dependente da convenção com a ideologia que ela própria difunde, o erotismo hospeda e realça um arquétipo não utilitário de prazer, alvitrando a satisfação como desfecho em si. Neste sentido, será útil afirmar que o erotismo é um fenómeno vigoroso, revolucionário e subversivo porque se move em direcção à junção dos seres. Portanto, na direcção antagónica ao erotismo caminha a pornografia que teima em perseverar a amputação dos seres, através do consolo faccioso, aparente, epidérmico, interesseiro e egoísta.

O imaginário tecnológico, para além de fomentar variadíssimas abordagens científicas, também divulga o corpo como objecto essencial para a observação e compreensão das “vicissitudes” da época digital. As representações dos corpos femininos, muitas vezes aportadas a uma beleza manifestamente ilusória e artificial, comportaram evidentes e explícitas mediações estéticas, que são constantemente difundidas nos meios de comunicação social como modelos de sensualidade e de erotismo. Do ponto de vista da estética corporal, o modo como os corpos corrigidos pela tecnologia são expostos e a estruturação do seu posicionamento nas prédicas dos meios de comunicação social, constituem factores importantíssimos para a percepção das entoações do imaginário da sociedade actual. Assistimos, por diversas vezes, a aparições femininas com contornos e saliências entusiasmantes, que têm como pano de fundo um árduo trabalho tecnológico. Neste entrecho, será pertinente referir que as pressões para o “progresso” da excelência e da beleza tornaram-se sistemáticas.

À medida que os meios de comunicação social propagam essas figurações de corpos femininos, e simultaneamente os exibem e os retratam, como atraentes e desencaminhadores, fazem com que eles próprios sejam parte activa do sistema de formação de um imaginário, no qual a lubricidade e o erotismo estão profundamente ligados ao consumo dessa mesma tecnologia. Será que o corpo, manuseado e manipulado por arquétipos tecnológicos, não alcança uma importância simbólica? Será que a crescente utilização da cirurgia plástica não pode ser entendida como um sinal de sucesso, de estatuto, de visibilidade social e de efectivação pessoal?

A sociedade de consumo em que vivemos é instigada por preceitos de mercado que utilizam a disponibilidade para a paixão, como meio essencial para a prossecução e consecução de um total “temperamento” capitalista. Os meios de comunicação social “fabricam” os sujeitos de que o mercado reclama, uma vez que é o consumo que organiza, teórica e subjectivamente, os comportamentos dos indivíduos na sociedade.

A indústria cultural, com o adjacente propósito da obtenção do lucro, fomenta a comercialização do erotismo utilizando para isso o desejo, a paixão, os ícones sexuais e a fantasia. É certamente por este motivo que as imagens imersas em erotismo invadem frequentemente os meios de comunicação social.