O Governo deliberou não conceder tolerância de ponto neste Carnaval.

Nestes períodos festivos o vocábulo produtividade deve invariavelmente ficar ofuscado pelo conceito economia local, pois muitos funcionários irão trabalhar “mascarados”. Mais uma vez Passos Coelho demonstra não compreender a realidade de Portugal, bem como não ter a noção que o Carnaval é um “acontecimento” que cria riqueza local, regional e nacional. O Carnaval é a festa do investimento, é a fuga ao stress e o julgamento às hierarquias.

O Primeiro-ministro acabou por esquecer-se do dinheiro já investido nos festejos de Carnaval, assim como do prejuízo que essa medida agasalha aos municípios, aos cidadãos e aos comerciantes. Passos Coelho já devia ter compreendido que o chicote não funciona como mecanismo de progresso e harmonia social. Logo, o Governo tinha por obrigação saber que o lazer, o descanso e o convívio constituem factores muitíssimo importantes para o alargamento dos índices de produtividade. Estes governantes, que vendem a soberania nacional a preço de saldo, jamais devem tentar metamorfosear os portugueses em chineses.

Incautamente o Governo divide o Produto Interno Bruto (PIB) por 365 e depois assevera, com toda a autoridade e arrogância, que em cada dia que não se labora Portugal perde o equivalente a 1 sobre 365 do PIB. Puro engano! Mesmo quando não se trabalha também se produz riqueza, disso são exemplos as deslocações, a alimentação, as dormidas e os espectáculos. Ao contrário do Governo, o gáudio não é prejudicial, nem perigoso para os portugueses.

O Carnaval, sendo uma “expressividade” de festa, deve ser arquitectado como um efectivo fenómeno social, no qual toda a população se manifesta, embora em formatos diferentes e até contrapostos. Será importante recordar que a identidade cultural é um instrumento relevante para o reconhecimento de uma região ou de um país.

Sempre passei o Entrudo em família num ambiente de festa, divertimento e animação. São inumeráveis as famílias que andam num autêntico frenesim com a finalidade de proporcionar um dia alegre e diferente aos mais novos. As Câmaras Municipais investem nos cortejos de Carnaval e as avenidas embebedam-se em cor e fantasia. O Carnaval, para além de diversão, jovialidade e exultação, também é maquilhagem, iluminação, música, camaradagem, planeamento, responsabilidade, tradição, ritmo, magia, cultura, folia, animação, suor, sorriso, simbolismo, pigmentação, sátira, consumo e “economia”. Deste modo, os festejos carnavalescos espelham as interlocuções e voltagens da própria sociedade que os organiza.

Cada fantasia reproduz uma vontade e uma voluntariedade, estabele­cendo um epílogo com os vários papéis desempenhados. Na realidade as personagens edificam um espaço social com diversos significados, no qual existe lotação para todos os cidadãos.

A festa do Carnaval é uma anástrofe de tudo aquilo que está instituído, bem como um desfile de máscaras intimamente ligado à manifestação desafrontada dos sentimentos e estados de espírito. Portanto, de uma forma salutar e inteligente, são íntimas ao Carnaval inúmeras dimensões conflituais e subversivas. O Carnaval troca as disposições e “coerências”, unifica contextos sociais opostos e dissemina papéis tendo em conta a humanidade revolvida. Neste contexto, o Carnaval enclausura incalculáveis significados políticos, económicos, culturais, sociais e religiosos.

Os excessos que qualificam e embelezam o Carnaval funcionam como uma lufada de ar fresco antes da abstinência Quaresmal. . Contemporaneamente, o Carnaval transformou-se numa espécie de “evento-empresa”, uma vez que se trabalha, para que a festa seja verdadeiramente colorida, com bastante afinco e abnegação durante vários e longos meses. Os carros alegóricos, o fabrico de fantasias e a preparação dos desfiles constituem realidades que requisitam avolumadas doses de trabalho, sapiência, perícia, perseverança e espírito de sacrifício. Os “profissionais” do Carnaval vão constantemente encontrando e exibindo novos materiais que utilizam na produção de disfarces, imagens, afigurações e ornamentos. A realidade patenteia que o amadorismo já não faz parte do vocabulário carnavalesco. O Carnaval pode, e deve, ser contemplado e consequentemente compreendido como um autêntico manancial gerador não só de empregos directos, como também indirectos. Cada vez mais, a magnificência do espectáculo convoca uma série de “bifurcações” culturais, transfigurando-se num acontecimento essencial para a economia.

Eficácia, “apropriação”, qualidade, variedade, competência e imaginação constituem os predicados do cortejo. Estes devem ir ao encontro das pretensões das populações, ou seja dos contextos de fascinação e magnetização. O êxito dos desfiles de Carnaval estimulou consideravelmente a transmutação produtiva dos mesmos. A concorrência, indumentada de robustos traços de rivalidade, acabou por entusiasmar e “encorajar” os movimentos, planeamentos, vivacidades e funcionamentos das próprias localidades.

O conceito de turismo jamais pode ficar circunscrito a uma descomplicada definição, uma vez que este fenómeno sobrevém em diferenciadas conjunturas da realidade social.

O turismo também aconchega fortes traços de interacção social e cultural, pois entre o turista e a comunidade local existem inúmeras fragrâncias de influência e “afinidade” recíproca. Os turistas de alguma forma disseminam os seus hábitos, valores, interpretações e conhecimentos, e quando chegam aos destinos estão sedentos por beber as distintas particularidades dos locais.

A coligação ponderada entre cultura, turismo e crescimento económico acaba por ser salutífera, uma vez que o turismo é um fenómeno em ininterrupto aperfeiçoamento, tendo ao longo dos tempos conquistado maior pertinência e fulgor. Esta conjuntura está profundamente associada à “cubicagem” que o mesmo hospeda para promover impactos, embora alguns deles sejam de índole negativa, sobre a economia, a cultura, a política, o ambiente e as correspondências sociais. O discernimento dos habitantes sobre o turismo é fundamental, tornando-se, desta forma, indispensável que a comunidade local esteja de corpo e alma com o desenvolvimento turístico.

Os ajuntamentos de cidadãos, imóveis ou em circulação, assinalam o mergulho penetrante do indivíduo na massa populacional. Esta situação acarinha a perda, ainda que momentânea, da clarividência individual, ou seja a vontade colectiva ofusca por momentos a escolha individual.

Em tempos de crise, o Carnaval devia trazer tranquilidade aos portugueses. Seria certamente profícuo esquecer, ainda que por instantes, os problemas, fugindo, dessa maneira, aos contextos de rotina e uniformidade. As festas populares não devem ser contempladas como simples circunstâncias de folguedo, pois as mesmas aconchegam dissemelhantes e basilares significados sociais para a integridade dos cidadãos, bem como para a indagação da definição de identidades sociais. Os comportamentos e acontecimentos culturais, pelas ressonâncias que desfrutam no amago das comunidades, estão visceralmente aglutinados às afinidades e aos antagonismos sociais. Logo, todos estes “processamentos” têm lugar em conjunturas relacionais, nas quais os agentes sociais confraternizam ou pelejam, estabelecendo-se, desse modo, um conjunto de “enredos” de sociabilidade que em diversas circunstâncias acaba por ser excessivamente complexo.

No Carnaval estabelecem-se novos vínculos sociais que são verdadeiramente humanos e solidários. A discriminação hierárquica é aniquilada e as metáforas superabundam. Existe como que uma desvinculação dos papéis desempenhados no quotidiano. Por sua vez, nas festas formais e oficiais há uma certa tendência para homenagear e avigorar o regime do poder. Tudo é estandardizado, limitando-se, dessa forma, a criatividade, a autonomia e a própria espontaneidade. Será oportuno ter a consciência que a imagem da população em festa é muitíssimo regeneradora.

Os contextos e as práticas culturais, que como sabemos agasalham incontáveis semblantes da realidade e da aparência social, não são mais do que exteriorizações heterogéneas, de temperamentos e princípios distintos, uma vez que podem ser inventadas, modernizadas, integradas e agregadas tendo em conta outros proscénios de manifestações. Neste sentido, podemos asseverar que as mesmas se tratam de “disciplinas” bastante emaranhadas, e dissemelhantes, para serem consideradas telas completamente identificativas de um determinado e específico grupo social.

A festa pública, por fugir a alguns cânones sociais, não é mais do que uma extensão que desperta incalculáveis, e sucessivos, interesses e conveniências. Esta situação, em certa medida, modifica os arquétipos de produção e aceitação. O diagrama que embrulha o Carnaval está estreitamente associado a enormes dificuldades e esforços naquilo que diz respeito ao planeamento, à gestão, à estruturação e à divulgação. Numa perspectiva industrial, somos obrigados a “legitimar” uma textura altamente racionalizada e reflectida que é patenteada pela repartição do labor.

Infelizmente, em Portugal, o território da melancolia, da crise, dos golpes, dos impunes, do descontentamento, do dissabor e da confusão, é proibido ficar contente. A alegria é um estado de espirito desconfortável para os nossos políticos. Vivemos a tirania do desgoverno.

O Carnaval é um género de distensão em relação às voltagens que ocorrem na sociedade, pois nesse período os regulamentos sociais ficam “pendurados”. Caro Passos Coelho a imagem, ainda que só por uns dias, de um povo contente e folião tinha constituído um símbolo de união e sentimento de pertença, bem como um mecanismo para “exportar” valores e procedimentos. Convém que o Governo não esqueça que as pretensões colectivas têm bastante força, e que o Carnaval tanto aplaude, como destrona.