O arquétipo de provocações e de disputas entre grupos dentro das prisões produz configurações grosseiras, impolidas e extremamente violentas entre os detidos, metamorfoseando o ambiente prisional em algo totalmente incomportável, inconciliável e inaceitável.

Alguns grupos criminosos, altamente estruturados, dominam a existência material, corpórea e espiritual, bem como o modo de operar da maioria dos condenados. Instituem um conjunto de regras, cânones e procedimentos que caso não seja perfilhado pelos reclusos, torna-se num fundamento suficiente para a aplicação de métodos violentos, pardacentos e impetuosos. Portanto, todos aqueles que não acompanhem, adoptem e disseminem a sua “legislação” acabam por ser alvo de condutas agressivas, hostis e imorais.

A ineficácia e a incompetência dos Estados na promoção e supervisão da “doutrina” prisional acabam por descerrar fendas para que, ainda que paulatinamente, estes grupos criminosos edifiquem uma nova disposição ideológica, económica e política. Será que a sobrelotação que desfila na maior parte dos estabelecimentos prisionais; a inexistência de fiscalização por parte do Estado; e o aumento dos índices de corrupção não constituem condições favoráveis para o aparecimento e aperfeiçoamento destas organizações flagiciosas?

Estes grupos crescem de modo silencioso e aparentemente tranquilo no interior das prisões, sendo quase imperceptível para aqueles que estão no exterior dessa ambiência. Este tipo de grupos sabe perfeitamente conceber contextos económicos e sociais para ascender ao poder e, consequentemente, fundar e derramar a sua ideologia. Será que estes grupos não emergem principalmente como resultado de um sistema prisional falido, truncado e incompleto?
Convém seguramente salientar que a afirmação e a disseminação destes grupos nem sempre foram alcançadas de forma pacífica. A anuência destes grupos, por parte da população presidiária, acontece através de um emaranhado sistema em que se misturam receio e admiração, assim como medo e indispensabilidade. Será que ao longo dos tempos os eixos económicos e sociais da criminalidade não sofreram alterações?

De realçar que estes grupos criminosos também dominam algumas superfícies das cidades. Será que esta conjuntura não acaba por embaraçar o patrulhamento policial? Será que esta circunstância, em alguns casos, não administra o encadeamento e a conexão entre os moradores?

Estes grupos, ainda que muito recentemente em Portugal, fundaram também os tribunais do delito. Estes tribunais julgam e sentenceiam desvios de conduta por parte de indivíduos ligados, ou não, ao grupo. Os membros podem ser julgados, por exemplo, por deixarem apreender drogas pelas autoridades; provocarem a morte de outros membros; refutarem apoio solicitado pela organização; acusarem parceiros; denunciarem transacções do grupo às forças policiais; desviarem dinheiro da facção; e praticarem violência física ou sexual voluntária em comunidades onde a organização criminosa actua.

Geralmente estes grupos criminosos têm as suas regras e finalidades bastante bem definidas numa espécie de código ou manual. Esse “documento” acaba por ser distribuído e assimilado nas prisões. O comando capital é na realidade o cérebro da organização, aquele que define o modo como serão projectados os tribunais do delito, os julgamentos e a aplicação de penas.

Dentro dos estabelecimentos prisionais, estes grupos ministram autênticos cursos que ensinam múltiplas práticas criminosas. Alguns exemplos dessas práticas são: acondicionar e transportar drogas; assaltar estabelecimentos comerciais e financeiros; e fazer explodir caixas multibanco ou outro tipo de cofres.
Na realidade, estes tribunais imitam o arquétipo existente na vida real, ou seja há o réu, o acusador, a possibilidade de defesa, os “juízes” e a punição. Uma das maiores diferenças, em relação ao modelo que desfila na sociedade, é que nestes tribunais não existe o perdão. Acabam todos por ser condenados. As sanções podem ir desde o afastamento temporário ou definitivo dos negócios do grupo até à execução do “arguido”.