Na verdade há uma disjunção cada vez maior entre economia e ética, texturas que na maioria das ocasiões se desconhecem e se repudiam.

A construção civil é quase sempre um dos sectores que abarca mais empresas e, consequentemente, recursos humanos, financeiros e técnicos. Trata-se de um sector de enorme emaranhamento contabilístico, fiscal e financeiro.

Sinceramente, não necessito de ser um especialista em orçamentos e obras públicas para ter a perfeita noção de que o Estado gasta importâncias significativamente elevadas em obras de qualidade duvidosa ou em empreitadas que, pura e simplesmente, não existem. A confecção honesta dos orçamentos que servem de substrução para a licitação, concurso e subsequente execução das obras públicas constitui uma condição essencial para a adequada aplicação dos recursos públicos. A obra pública é uma espécie de sistema ornamentado por dissemelhantes fases, às quais estão aglutinados diversos agentes públicos e privados. Deste modo, preparar de forma cuidadosa um orçamento e controlar convenientemente o custo de construção representam semblantes de enorme importância e comprometimento.

Na verdade há uma disjunção cada vez maior entre economia e ética, texturas que na maioria das ocasiões se desconhecem e se repudiam. Infelizmente esta conjuntura também se exterioriza entre política e ética. Estes hiatos devastam a tela da salutar coexistência humana, bem como a fragrância da equidade social.

O orçamento “circunstanciado” aconchega a função de destrinçar os custos directos e indirectos adjacentes às empreitadas. A fiscalização de obras públicas deve ter sempre em conta o orçamento detalhado e contemplá-lo como um instrumento indispensável para descortinar correctamente e celeremente a totalidade dos procedimentos e a “integridade” das características da própria obra. De todas as deformidades arroladas às contratações públicas, aquelas correspondentes aos custos das obras são as mais proeminentes e nefastas, uma vez que acarretam avultados detrimentos ao “erário” público. Ou seja, um preço perfeitamente exagerado ou uma desmesurada facturação constituem ambiências que provocam não só o empobrecimento das comunidades, como também o conflito, o cepticismo e a corrupção social.

As responsabilidades e os compromissos de cada agente envolvido na empreitada pública devem ser redigidos em modulações cristalinas. O assentamento e divulgação dos mesmos são fundamentais para que os agentes abrangidos sejam obrigados a responder pelas dificuldades e contrariedades que vão sendo destapadas ao longo da execução das empreitadas.

Qualquer projecto tem que agasalhar metas, bem como o conjunto de tarefas a realizar para que as mesmas se cumpram. Posteriormente define-se a duração, as técnicas e ferramentas mais sofisticadas, os colaboradores responsáveis e o custo intrínseco a cada tarefa. No período de execução, as actuações para a construção definitiva da obra estão intimamente associadas às especificações do próprio projecto. Inspecções periódicas posteriores à construção da obra também assumem enorme relevância, pois através delas conseguimos responsabilizar os agentes envolvidos.

Um arquétipo de planeamento convenientemente delineado possibilita não só maior perspicuidade aquando da contratação, como também superior “intendência” da empreitada e análise da economicidade da obra, particularmente no que diz respeito aos sombrios trabalhos a mais. As improvisações devem ser constantemente afastadas, uma vez que são perniciosas para que a concretização da obra seja financeiramente exequível e sobrevenha sem incorrecções de ordem técnica. O grau de sofisticação das obras, a pluralidade de recursos técnicos, a diversidade de competências dos recursos humanos, e os limites temporais e financeiros são condições que devem desfilar com bastante ponderação e premeditação.

Concluída a obra pública, e precedentemente à sua aceitação, os administradores públicos devem verificar a assemelhação da mesma com o conjunto de projectos e respectivas especificações. A recepção absoluta da empreitada apenas deve acontecer quando a totalidade das imperfeições forem corrigidas. O orçamento alberga dois ingredientes que em conjunto determinam o preço derradeiro da obra. Um é ovacionado em função das pormenorizações dos materiais e dos preceitos de concretização dos serviços desenhados nos projectos, nas memórias descritivas e nos cadernos de encargos. O outro é um elemento aplicado sobre o custo directo, tendo a finalidade de se poder observar os dispêndios indirectos e os ganhos dos “mestres-de-obras”. Salientar também que a constituição do preço unitário acaba por ser um género de correspondência, tendo em conta a sua utilização, entre as matérias-primas, recursos humanos e equipamentos necessários para a materialização das empreitadas.

Na sua generalidade, as obras públicas nacionais hospedam inúmeros e dissemelhantes problemas de ordem técnica, assim como incalculáveis, e bem calçados, corruptores e corrompidos. Existem burlas e subterfúgios nas licitações, na aplicação e tipo de materiais, nas inspecções e auditorias, e no emprego das técnicas. Em diversas ocasiões os contribuintes pagam serviços que nunca foram executados e materiais que foram colocados somente em sonhos. Obviamente que será difícil calcular com exactidão o montante de recursos públicos inconvenientemente consumidos em cada padrão de desnivelamento catalogado à realização de obras públicas. Talvez um dos maiores problemas nas edificações custeadas pelo cofre público esteja interligado com a qualidade e “proficiência” das mesmas.

Obras arquitectadas e erigidas sem os condimentos necessários acabam por manifestar parca durabilidade e perigo para os cidadãos, assim como por agasalhar contingências que envolvem compensações pagas com o tesouro público, contratações de emergência, estratégias de cariz paliativo e novos investimentos, de modo a rectificar as imperfeições, num reduzido espaço de tempo depois da conclusão da obra. A Administração Pública tem por obrigação exigir às empresas que contrata a minuciosidade do orçamento da obra de maneira a evitar, como em boa parte das vezes sucede, o pagamento dos custos em dose dupla.

Numa fase “prematura” podemos decompor os clientes em três categorias elementares: a Administração Pública; as empresas privadas; e os clientes particulares. Para quem é efectivamente realizado o orçamento? Será que os orçamentos são elaborados sem diferenciação do cliente final? Será que não são aplicadas metodologias e procedimentos divergentes tendo em conta o tipo de cliente? Será que os índices de rigor e de honestidade são sempre iguais na elaboração de todo e qualquer orçamento?

Convém rememorar que na Administração Pública o financiamento é oriundo, de forma objectiva ou dissimulada, dos impostos que os cidadãos pagam pela compra de produtos ou serviços, bem como pelos descontos nos seus vencimentos. São os cidadãos que escolhem os seus governantes para os representarem e caracterizarem, sendo estes últimos que definem o destino do dinheiro no que toca aos investimentos. Seria com toda a certeza salutar que o Governo aplicasse o dinheiro dos nossos impostos em superfícies prioritárias e que procurasse acompanhar e satisfazer as indispensabilidades das comunidades, contudo esta espécie de prédica não passa de pura teoria e demagogia. Será que o Governo não precisa de reformular as leis, decretos-de-lei e “jurisprudências” para, e de uma vez por todas, empregar convenientemente o dinheiro público? Não será profícuo para todos substituir o vocábulo desinvestimento por investimento? Não será vantajoso para Portugal permutar a palavra deslealdade por lealdade? Não será proveitoso para o país abandonar a incompetência e perfilhar a competência? Será que se privilegiássemos o interesse público não estaríamos a ir ao encontro dos princípios constitucionais que prescrevem a rectidão, racionalidade, transparência, eficácia e economicidade? Será que a perspicuidade, consideração, segurança e firmeza não são os temperos que engrandecem o “banquete” social? Será que todos os políticos são farinha do mesmo saco, ou seja invisuais e inábeis? Será que as conveniências privadas devem ofuscar os interesses públicos?

Os portugueses têm observado que os gestores públicos, na irreflectida azáfama de acudir de modo simultâneo a inúmeras carências da sociedade e na constante preocupação com os sufrágios, acabam por iniciar uma enorme quantidade de obras sem garantir premeditadamente os “abrigos” económicos necessários. A consequência dessa política é o crescimento do número de empreitadas “neutralizadas”.

Em abono da verdade também será importante afirmar que o sistema de adjudicação assenta primordialmente no critério do menor preço. Em múltiplos concursos de obra, as empresas acabam por concorrer com preços bastante baixos para garantir a “concessão”, contudo as mesmas, e porque ainda não fazem milagres, ou fogem aos materiais a aplicar ou recebem os controversos trabalhos a mais. Esta conjuntura proporciona amplos “cabimentos” de pobreza ao país.

É seguramente fundamental conceber e disseminar rigorosas auditorias de obras públicas alicerçadas na qualidade e finalidade dos investimentos. Na realidade para serem correctamente interpretadas as limitações das inconsequentes auditorias tradicionais e, simultaneamente, as proficuidades das verdadeiras auditorias de qualidade torna-se relevante o entendimento dos cânones que levam ao cumprimento da obra e à longevidade da mesma. As políticas públicas, que incontestavelmente devem sempre visar a tranquilidade e comodidade dos cidadãos, em diversas circunstâncias são aprisionadas por os interesses desleais e umbrosos dos privados. Infelizmente, os “bandos” que tiram proveito desses aromas de imunidade costumam estar muitíssimo bem “organizados” na sociedade.