Como sabemos a China e os chineses já desfilam em Portugal há muito tempo. Até agora tinham tido um comportamento pautado pela reserva e confidência. A sua maior “visibilidade” estava intimamente associada ao retalho, à restauração e às famosas “lojas dos trezentos”. Portanto, há um antes e depois no relacionamento e encadeamento entre a China e Portugal a partir de 2011, com os investimentos volumosos de empresas estatais chinesas na EDP e na REN.
A venda de 21,35% que o Estado detinha no capital social da EDP a uma empresa de capitais públicos chineses, de nome “Three Gorges”, representa que o Governo abdicou da sua função num sector tão importante e estratégico como é o da energia. Este projecto acaba por constituir mais uma conduta de administração danosa, contraditória e inconsequente por parte do Governo, incompatível com as efectivas conveniências nacionais. Em Fevereiro de 2012 foi a vez da venda da REN, com os chineses da State Grid a ficarem com 25% do capital, enquanto os restantes 15% ficaram nas mãos dos árabes da Oman Oil Company, num montante total de 593 milhões de euros. Só a State Grid pagou 387 milhões de euros pela posição na empresa gestora das redes energéticas nacionais. A 15 de Fevereiro de 2012, assistiu-se à inauguração do centro tecnológico da Huawei em Portugal, um investimento de 10 milhões de euros, que se juntou aos 40 milhões de euros que a multinacional já tinha investido no mercado português. Realçar também a empresa Fosun, que ficou com a Fidelidade e ganhou a corrida à ES Saúde. A Fosun é uma empresa de cariz privado, todavia os privados também têm recurso e ingresso às apelidadas ajudas de Estado, e estão integradas numa estratégia delineada pelo Estado chinês. É de facto privada e não podemos amalgamar tudo, mas tem uma correspondência de grande proximidade em relação ao Governo chinês, até pela via do financiamento. Em alguns casos, são os bancos públicos que garantem os mecansisnos para este processo de internacionalização.
Com os arquétipos de inclusão económica em grupos regionais e com a globalização dos mercados, os mercados nacionais têm a propensão para se incorporar em mercados substancialmente mais abrangentes, diluindo-se o poder político dos Estados nacionais sobre o seu cabimento económico e geográfico.
Os sectores estratégicos de um determinado país podem ser considerados como aqueles onde o Governo deve preservar uma posição de controlo e superintendência, permitindo-lhe desse modo exercer uma vigorosa influência nos custos de produção das empresas, bem como no desembolso e conforto dos cidadãos. Alguns “departamentos” que podem ser considerados estratégicos para qualquer País são o da energia, comunicação, saúde e ensino. Qualquer venda que incida sobre os sectores estratégicos tem adjacente uma diminuição do controlo e da fiscalização, assim como do poder de influência sobre as políticas económicas, financeiras e sociais mais relevantes.
De salientar também que a regulação não é mais do que o estabelecimento de regulamentos e normas para todas as circunstâncias em que as fragrâncias de eficácia económica não são alcançadas pela livre intervenção e transacção das empresas privadas. Os monopólios naturais implicam quase sempre regulação económica com o objectivo de impossibilitar excessos de poder por parte das empresas monopolistas. No fundo, o monopólio natural está profundamente relacionado às imperfeições do mercado, justificando-se desta forma uma intervenção pública que agasalhe a fixação de preços e critérios de qualidade. Quase sempre há um regulador económico para cada sector de actividade, uma vez que de sector, para sector, as contendas são dissemelhantes. Pelo facto de o poder de mercado se acomodar velozmente, há a necessidade de circunscrevê-lo sem adversar as particularidades inerentes do processo produtivo. Neste contexto, podemos afirmar que a regulação acarreta um entremetimento nos sectores com a subsecutiva regulação das empresas nesses mesmos sectores.
Contíguas à regulação dos mercados estão as imprescindíveis políticas de concorrência. Estas têm como principais finalidades: a proibição das texturas de concentração; a repressão sobre os abusos de poder; o veto aos acordos entre empresas, dos quais advém um conjunto de balizamentos à concorrência entre as mesmas; os “condicionamentos” das vendas; e o aumento do poder de escolha oferecido aos clientes. Ressalvar ainda que a política de concorrência move-se do círculo nacional para o espaço regional.
A verdade é que o Governo acabou por mentir quando afirmou que o País não podia possuir, devido a uma exigência de Bruxelas, participação pública na EDP. Todavia, uma empresa chinesa de capitais públicos já pode, e deve, ter intromissão no departamento energia. Parece-me inadmissível que Passos Coelho tenha alienado parte do capital da EDP. Com esta aquisição, a Republica Popular da China acabou por entrar para a sala VIP do nosso País. Na verdade, trata-se de uma política expansionista, aparentemente cristalina e quase ao preço das lojas dos trezentos, bastante mais eficiente e competente que a guerra. É desta forma que o “comunismo” Chinês vai conquistando o capitalismo global.
Convém não esquecer que o processo de privatização foi celebrado no seio de uma conjuntura muito desvantajosa dos mercados financeiros. As cotações da EDP e da própria REN estavam em baixa. Logo, esta altura não foi de todo a mais indicada para se preceder à privatização, ou espécie de privatização, da EDP.
Será que devemos vender as pulseiras antes de vender os pulsos ou vender os fios antes de vender os pescoços? Contudo, esperemos que a venda das pulseiras ou dos fios não tenha adjacente a venda, em configurações céleres, levianas e incautas, dos pulsos e dos pescoços.
Sinceramente não me parece que do ponto de vista financeiro e económico tenha sido uma venda péssima, não foi boa, longe disso, mas também não foi péssima. Todavia, os problemas e as inquietações surgem do lado de fora da congeminência financeira. Apesar da crise global em que habitamos, os governantes portugueses não deviam ter dado tanta importância aos yuans chineses. Critérios como o superior interesse nacional; a segurança do país; a tranquilidade e conforto dos portugueses; a escravatura; a perseguição política; a exploração infantil; e a apropriação ilegítima de territórios não tiveram nenhuma espécie de ponderação por parte dos nossos governantes.
Na realidade, foi mais uma privatização que se encaixa perfeitamente na tela das transferências, para logótipos forasteiros, de empresas estratégicas para a economia, independência e soberania nacional. A personalidade subordinada e submissa de Portugal sai reforçada com este negócio. Actualmente boa parte da EDP já é gerida a partir do estrangeiro. Logo, com esta entrega de capitais, a mesma acabará por deixar de ser uma empresa “nacional”. Com a perda do controlo e soberania nacional, Portugal esbanjará autonomia e emancipação, bem como receitas através dos impostos e dos “rendimentos”, postos de trabalho, segurança, simetria e competitividade económica.
É no mínimo sarcástico e fatídico que se tenha retirado uma empresa estratégica do domínio público português para a outorgar a capitais “equitativamente” públicos, porém estrangeiros. O sector da energia eléctrica pode ser contemplado como sendo quase um monopólio natural. Neste sentido, dificilmente os consumidores portugueses terão alguma coisa a ganhar com esta “suputação”.
Existem inúmeras dificuldades quando se celebram “privatizações” com empresas estrangeiras em sectores chave, uma vez que as outras Nações jamais terão o mesmo sentimento de pertença por Portugal, podendo até ficar em causa não só alguns serviços e obrigações, como também a população.
Fazendo alusão à Alemanha e ao Brasil, ressalvar também que com este negócio da China, unicamente para os chineses, não conseguimos robustecer a sustentabilidade do posicionamento europeu de Portugal, nem tão pouco reiniciar o fortalecimento do cabimento de expressão portuguesa.
Sem querer estar a ser demasiadamente puritano, penso que também será oportuno realçar que o Governo chinês veste a indumentária da ditadura, não agasalhando o mínimo respeito pelos direitos humanos e animais, nem pelo ambiente. A produção de energia eléctrica na China não é exactamente um movimento sustentado, uma vez que a China é uma das Nações mais poluidoras do planeta. Será salutar rememorar que o Governo chinês nem sequer colocou a hipótese de assinar o protocolo de Quioto, insistindo na utilização do carvão como principal combustível nas suas centrais termoeléctricas. Desafortunadamente os problemas ambientais e a falta de ética não desassossegam os chineses. E foi a este País que Portugal vendeu parte de uma das maiores e mais valiosas empresas portuguesas.
Com o sector nacionalizado conseguimos alcançar a completa electrificação do País e, simultaneamente, o aperfeiçoamento de programas que agasalharam importantes aproveitamentos hidroeléctricos. A privatização e “fragmentação” da EDP aconchegaram a edificação de empresas como a REN e a liberalização do sector energético, assistindo-se, desde então, a fortes quebras não só no investimento, como também no aproveitamento de recursos e “abrigos” nacionais. Esta conjuntura foi escoltada por investimentos no estrangeiro altamente enigmáticos e polémicos, assim como por despedimentos, aumentos constantes dos tarifários energéticos e cortes nos direitos dos trabalhadores. São fragrâncias que infelizmente contribuíram para a agonia em que muitas famílias vivem e paralelamente para o afunilamento da economia nacional. A independência da REN em relação à EDP facilitaria certamente a liberdade de escolha dos consumidores aquando da aquisição de energia aos produtores.
Esta “iluminada” venda poderá ser arquivada ao lado das seguintes “pastas”: “exterminação do nosso aparelho produtivo”; “dimensão titanesca dos juros cobrados em função da dívida pública”; e “permanente e estável evasão de capitais”. Aquilo que alguns apelidam de “auxílio externo”, não é mais do que um colossal furto organizado ao nosso País. Com esta escolha, o Primeiro-ministro demonstra que nem nos cânones democráticos e liberais acredita. Afinal este Governo acredita em quê?
Esperemos que a gestão energética não facilite, ou abra caminho, à gestão da água, uma vez que a água é o petróleo do futuro. Felizmente que Portugal possui uma considerável área de mar, mas infelizmente para os portugueses o mesmo, apesar de ser tão cantado, desenhado, fotografado e filmado, tem sido bastante mal tratado e mal “lavado”.
O Primeiro-ministro, através das “implícitas” nomeações para o Conselho de Supervisão da EDP, demonstrou a sua preferência em proteger e fortalecer alguns ricalhaços, cidadãos com reformas altamente adiposas. Cavaco Silva também não está fora do estratagema, utilizando subtilmente os “crachás” presidenciais para recompensar os amigos. Passos Coelho, sempre escoltado pela sua quadrilha, está a colocar Portugal na melindrosa orla do “vácuo” de mercado económico estratégico. Caso o Euro termine, em que local desfilará este povo fortemente fragmentado? Qual será a postura que terá o Governo numa reunião do Conselho de Segurança, quando as conveniências da China estiverem do outro lado da barricada das da União Europeia? Quais são os preceitos, valores e autonomias nacionais que Passos Coelho está disposto a transaccionar com os chineses? Será que o Primeiro-ministro quer transformar Portugal numa perfumada “loja dos trezentos”?
O investimento e o aumento da influência da China em Portugal acaba por ter implicações para a gestão dos encadeamentos entre a União Europeia e a China que, ao longo dos tempos, demostrou pretender evitar uma frente coesa que negoceie e proponha um conjunto de regras no relacionamento bilateral.
A melhor estratégia é, evidentemente, ir dividindo e conceber afastamento de interesses entre os múltiplos Países europeus. Será que Portugal não perfilhou completamente a lógica da China? Será que não há uma espécie de relacionamento bilateral assimétrico? Será que Portugal deve ficar prisioneiro dessa pardacenta correspondência? Será que a mesma não acarreta problemas futuros?
Há um antes e depois no relacionamento e encadeamento entre a China e Portugal a partir de 2011, com os investimentos volumosos de empresas estatais chinesas na EDP e na REN.