A “Guarda 2027” esteve longe de ser um projecto de âmbito regional e o propósito de desenvolver o nosso território não passou de uma miragem.

“O que correu mal foi o júri ter engraçado com uns e não ter engraçado com outros.” Esta foi uma das declarações de Pedro Gadanho, Director Executivo da Candidatura “Guarda 2027”, pouco tempo depois de saber que a Guarda tinha ficado de fora da lista de finalistas a Capital Europeia da Cultura em 2027. Esta afirmação, se não fosse tão trágica, até dava vontade de rir!


Pedro Gadanho, com um contrato milionário, nunca fez um esforço para conhecer e compreender o território. A ausência de empatia com as nossas gentes e a falta de sentimento de pertença pela região assumiram, desde muito cedo, um papel fundamental para o fracasso. Obviamente que Pedro Gadanho não foi o único responsável por este falhanço. O resultado não surpreende ninguém! A derrota era evidente!


Em Abril de 2018, na Assembleia Intermunicipal da Comunidade Intermunicipal das Beiras e Serra da Estrela, foi aprovada, por unanimidade, uma Moção de Apoio à Candidatura da Guarda a Capital Europeia da Cultura 2027, apresentada por Albino Bárbara. Na qualidade de Autarca, fiz algumas intervenções sobre a “Guarda 2027” na Assembleia Municipal do Sabugal e na Assembleia Intermunicipal, alertando para a forma, inconsequente e epidérmica, que estava a ser perfilhada pelos promotores e responsáveis da Candidatura. Em 2021, fui candidato derrotado na eleição de um representante da Assembleia Municipal do Sabugal para integrar a Comissão de Acompanhamento da “Guarda 2027”. Esta eleição aconteceu em todas as Assembleias Municipais, de modo a ter um representante por Concelho. Penso, ainda que sem certeza, que não se realizou nenhuma reunião entre os Comissários Concelhios e os promotores da “Guarda 2027”. Será que se a eleição tivesse sido realizada antes de 2021 não tinha dado alguns frutos?


Sinceramente, senti em todos os espaços que as pessoas estavam distantes desta Candidatura. Os Municípios que apoiaram a Guarda, dois deles espanhóis, sempre estiveram afastados, desconhecendo os processos, os projectos e as finalidades.


A “Guarda 2027” esteve longe de ser um projecto de âmbito regional e o propósito de desenvolver o nosso território não passou de uma miragem. A vida das nossas gentes não se valorizou e a dimensão cultural da região não foi promovida. O projecto, ao contrário do que se pretendia, não foi estruturante para o nosso território. Afinal os tão badalados contratos de prestação de serviços, as comissões, a hilariante proposta de ciclovia, a inauguração da sede, a pomposa Comissão de Honra e o dúbio Conselho Estratégico não foram “ofuscados” por um conjunto concertado de medidas e iniciativas capaz de nos fazer acreditar nesta Candidatura.


Enquanto Dirigente Associativo, percebi que as associações culturais, as empresas, a comunicação social, a sociedade civil, os órgãos dirigentes nos Municípios e os artistas não tinham sido convocados. Este projecto não foi seguramente de todos e para todos. Os projectos de envolvimento associativo foram, por culpa dos promotores, apenas uma ilusão, uma mão cheia de nada.


Devemos questionar e exigir respostas aos promotores e responsáveis da Candidatura, pois a afirmação da região na superfície nacional e europeia não passou de uma quimera. É importante que os cidadãos tenham a noção das verbas avultadas que foram aplicadas neste projecto e do legado franzino oriundo dessas mesmas verbas.


O encontro de culturas e de experiências, assim como o debate, a partilha e a cooperação entre as instituições culturais dos Municípios envolvidos, e entre estas e as das cidades geminadas não aconteceu, impossibilitando a criação de uma abrangente rede de permutas artísticas e culturais.


Os visitantes raramente foram presenteados com a oportunidade de aperfeiçoar o seu potencial de criatividade através de uma participação activa na captura de experiências no local de destino, com acostagem nas áreas educacional, emocional, intelectual, cultural e social. Estas convivências e trocas de experiências pretendiam-se verdadeiras e genuínas, conjecturando a participação na aprendizagem das artes, do imaterial e do património, e apadrinhando a conexão com os residentes e a cultura local.
A região devia ter-se transformado num lugar de inovação, não só no que diz respeito às políticas culturais e de “renovação” artística, como também de “modernização” ambiental, urbana, social e económica. Não se criaram novos artistas, nem tão pouco se conceberam novos públicos. Não se articularam os diferentes campos do conhecimento. Nunca se meditou verdadeiramente na região sob o prisma da produção artística. Não se aproximou a arte ao espaço urbano e ao espaço rural, nem houve diálogos persistentes entre a arte e a gestão cultural. O encadeamento entre a cultura e a educação foi simplesmente ténue. Os agentes e recursos culturais locais não foram aproveitados.


A Guarda, pelo trabalho desajustado e incongruente que foi concretizado, não merecia ser Capital Europeia da Cultura. O processo devia ter deixado um legado relevante que acrescentasse valor à região. Nunca sentimos que este “projecto de território” tivesse alma e estivesse no caminho certo.