Os recrutadores fazem leituras bastante específicas acerca do pensamento das pessoas, detectando celeremente as prostrações e as fragilidades de cada um.

O crime de tráfico de drogas, em alguns dos seus vértices, justifica e deve aclamar a “rigidez” da sentença. As reivindicações ou as exigências de salvaguarda da segurança da comunidade impõem a deliberação de não conceder uma suspensão da execução da pena, acavaleirando-se essas mesmas exigências à vertente benigna do comportamento ou procedimento futuro do arguido. Todavia, há casos e casos!

Existem pessoas que ingressaram nesse lamaçal pela primeira vez e que são recuperáveis. Esses cidadãos, dentro das prisões, continuam “debaixo da alçada” dos traficantes. Em contraste, a suspensão da pena outorgar-lhe-ia a oportunidade de se reintroduzirem na sociedade e de reconsiderarem a própria “existência”. Infelizmente a maioria daqueles que cumprem a pena têm as mesmas ou ainda mais probabilidades de reincidir. Será que as prisões, em determinadas situações, não dificultam e amputam as hipóteses de regeneração?

Os recrutadores fazem leituras bastante específicas acerca do pensamento das pessoas, detectando celeremente as prostrações e as fragilidades de cada um. Depois de selecionarem os indivíduos mais enfraquecidos, elaboram um plano de sedução e aliciamento para os incorporarem na actividade de transportação de drogas. Há todo um jogo ou enredo psicológico muitíssimo bem orquestrado, no qual somente desfilam facilidades e desembaraços. Será que as redes de tráfico de drogas não procuram possuir o mínimo de teias entre si?

No tráfico internacional existem aqueles que avaliam as condições psicológicas dos indivíduos; os aliciadores; aqueles que marcam os encontros e renovam os passaportes; os que adquirem os bilhetes e transportam o correio de droga ao aeroporto; os controladores nos aeroportos e dentro do avião; e aqueles que definem e traçam as rotas. Será que as organizações criminosas não procuram incessantemente apartar os correios de droga dos itinerários mais perceptíveis?
Era importante que as estatísticas da Direcção Geral dos Serviços Prisionais distinguissem, no seio dos condenados por tráfico de droga, aqueles que efectivamente são apenas correios de droga. Infelizmente o número de condenados por crimes relacionados com o tráfico de estupefacientes tem vindo a aumentar significativamente ao longo dos tempos. Realçar que o número de mulheres condenadas por este tipo de crime também sofreu um incremento considerável. Existem muitos estrangeiros, arrolados por este género de crime, nas prisões portuguesas.

Os correios de droga correm um enorme risco de vida, uma vez que o produto pode extravasar os invólucros e contaminar o organismo. Deglutir a droga acaba por não ser o único formato que os correios de droga utilizam para simular o produto que circula por linha aérea entre produtores, vendedores e clientes. Lamentavelmente não é fácil detectar estes indivíduos, trata-se de um trabalho de investigação e de “atenção”. Será que os criminosos ainda conseguem surpreender a polícia? Será que os mesmos não utilizam técnicas cada vez mais criativas? Será que os traficantes não cogitam nisso todos os dias? Será que os mesmos não têm uma imaginação fértil? Será que as próprias dinâmicas de um aeroporto não constituem obstruções à actuação das autoridades? Será que a cooperação policial entre Países não deve ser reforçada e reformulada? Será que algumas investigações, intercepções e detenções não ocorrem em moldes fortuitos? Será que a cooperação internacional não assume um papel fundamental neste tipo de crime?

Portugal é um estrado de passagem entre a América do Sul e a Europa. A droga, sobretudo a cocaína, provém maioritariamente da América do Sul. Uma pequena parcela tem como destino o mercado português, sendo que a restante é encaminhada para os outros Países da Europa. Será que o narcotráfico não está globalizado e cada vez mais aprimorado? Será que o aumento do número de condenações e de detenções não exprime o incremento do próprio tráfico de estupefacientes? Será que as desigualdades sociais e económicas cada vez mais profundas não promovem o aparecimento das denominadas “mulas do narcotráfico”? Será que a tentativa de conciliar uma “actividade económica” com o cumprimento dos deveres tradicionais de cuidar e de educar os filhos não constitui uma dissonante ilusão?

As mulas do narcotráfico transportam a droga que irá ser comercializada e encaixilhada no circuito de consumo. Este delineamento espessará os bolsos das organizações criminosas que actuam no palco internacional. Muitos desses homens e mulheres, na concretização do seu trabalho de transporte, acabam mortos ou detidos. São, na realidade, o peixe miúdo destas poderosas organizações. Será que as relações de género, aliadas às debilidades socioeconómicas, não têm vindo, ainda que paulatinamente, a traçar a configuração das redes de tráfico internacional de drogas, bem como a incorporação cada vez maior das mulheres? Será que as relações de género não constituem um vértice primordial e explicativo do motivo pelo qual as mulheres cometem cada vez mais este género de crimes? Será que muitas delas não se envolvem tendo em conta os seus encadeamentos familiares ou sentimentais? Será que as relações de género não constituem cabimentos de poder e de domínio vulgarmente dissimétricos e em prejuízo das mulheres? Será que as mesmas não permitem visualizar como homens e mulheres se embrulham, de forma dissemelhante, em actividades delituosas inventariadas com drogas? Será que não é importante edificar políticas públicas de prevenção diferenciadas? Será que as organizações criminosas não contemplam as mulheres como mão de obra barata e facilmente suprível ou prescindível? Será que as redes criminosas não fomentam a feminização da pobreza? Será que este fenómeno é exclusivo das superfícies urbanas? Será que as redes de tráfico não são peritas em identificar as mulheres mais vulneráveis? Será que a ausência ou a insuficiência de instrumentos preventivos e de protecção por parte do Estado não agudiza esta conjuntura?

O sistema de justiça e o sistema prisional estão arquitectados a partir das necessidades e das particularidades dos homens. Na realidade, as mulheres são “compreendidas” debaixo de uma imprecisa igualdade. Será que a introdução de uma perspectiva de género não possibilita a composição de políticas punitivas e prisionais que respondam às imposições e características concretas dos cidadãos? Será que os Estados não devem assumir, de modo integral, o seu papel de garantidores dos Direitos Humanos das pessoas privadas da liberdade? Será que essa congeminência não está dependente da aplicação de medidas gerais e específicas que vá ao encontro das necessidades de cada grupo dentro do estabelecimento prisional?

A reorganização do sistema prisional; a reformulação das medidas punitivas; a possibilidade de redução das sentenças para certos casos; a implementação de uma aclimatada política de drogas nos estabelecimentos prisionais; e a aplicação de uma sentença proporcional tendo em conta o papel real desempenhado por um determinado indivíduo nas redes de narcotráfico constituem contextos fundamentais para que a justiça seja cada vez mais íntegra.