É elementar descobrir, classificar e organizar alternativas, fora do carimbo “compressivo”, que combatam os problemas e os dilemas produzidos pelas drogas.

O direito penal é convocado a desempenhar um papel fulcral na sociedade actual, amputada pelas crises económica e social, e produtora de volubilidade, periculosidade e insegurança não só pelo debilitamento do Estado social, como também pela crise de valores existente, na qual a permissividade, o egocentrismo e o consumismo reprimem e controlam. Será que este umbroso cenário não contribui, de forma significativa, para o crescimento e disseminação da criminalidade?

O Estado demonstra amiudadamente as enormes dificuldades que hospeda em mediar e gerir problemas como: o desemprego; o absentismo escolar; a ineficiência da formação profissional; a perda de valores morais; e a marginalização social. Paralelamente e paradoxalmente a estes problemas, vivemos numa sociedade cada vez mais exigente em matéria de qualificação profissional. O direito penal aquartela a obrigação de desempenhar, através do sistema sancionatório, uma função capital no estabelecimento da tranquilidade social e na reincorporação social dos criminosos. Será que a ressocialização não constitui uma das finalidades do sistema penal? Será que o crescimento da população prisional e a subsecutiva sobrelotação das cadeias não comprovam inequivocamente a “insolvência” das penas privativas de liberdade, bem como a necessidade de procurar penas alternativas mais humanas e eficazes na reintegração social do condenado e na salvaguarda do equilíbrio social?

O direito penal somente será eficaz se considerar as peculiaridades que envolvem cada situação em particular, procurando, desse modo, a melhor resposta penal para cada delito e perspectivando sempre o impacto social e pessoal resultante. É importante que o direito penal se aproxime da efectiva função social da pena, bem como da concreção do bem comum.

As penas de substituição, aplicadas e executadas em vez de uma pena principal de prisão, têm implícito um conteúdo político e criminal “peculiar”. Logo, esta “categoria de penas” apresenta um lineamento comum, ou seja, um temperamento não institucional ou não detentivo, sendo as penas cumpridas em liberdade. É fundamental que os cidadãos tenham a noção de que as penas de substituição não são, nem sanções de constrangimento ou de compressão, nem “meio de permuta” para evitar a pena principal de prisão. O seu cumprimento não deverá estacionar na disponibilidade e na receptividade do condenado, deixando a reintegração social “à sorte” e exonerando-se o Estado dessa função, uma vez que tal itinerário contraria claramente os princípios inclusos. Será que a salvaguarda dos direitos do homem não constitui uma marca identitária e histórica do direito penal português? Será que essa marca não reconhece ao Estado o poder e o papel de actuar em proveito da comunidade, asseverando a segurança dos cidadãos; a prevenção e coibição do crime; e a reintegração do criminoso? Será que não é indispensável repensar e reformular a aplicação das penas de substituição, ultrapassando as barreiras que estorvam a sua aplicação mais generalizada?

É elementar descobrir, classificar e organizar alternativas, fora do carimbo “compressivo”, que combatam os problemas e os dilemas produzidos pelas drogas. O tráfico de drogas, devido à sua enorme dimensão e abrangência, atinge, de modo indiscriminado e pernicioso, o tecido social com ressonâncias de vigoroso impacto no seu próprio desmembramento. As populações acabam por ambicionar, projectar e legitimar a perfilhação de um conjunto de políticas altamente repressivas e severas de peleja a essa prática criminosa. Será que não é necessário acalmar as populações? Será que o tráfico de drogas não agasalha múltiplos vértices? Será que esses vértices não devem ser analisados de forma rigorosa e individual? Será que não é importante destacar e compreender o conceito de drogas e o conceito de substâncias entorpecentes escritos na legislação portuguesa vigente?

A Europa é um dos principais destinos da droga, nomeadamente da cocaína. As organizações criminosas internacionais, em relação à maioria da mão-de-obra “serviçal”, optam por escolher uma única nacionalidade. Também procuram incorporar mulheres para que as mesmas actuem como “mulas”. O aumento do ingresso de mulheres neste tipo de crime é espelhado pelo incremento do número de mulheres nas prisões.

Infelizmente em Portugal, na última década e meia, o número de correios de droga detidos triplicou ou quadruplicou. Alguns desses correios de droga são muito jovens, existindo contemporaneamente, e devido sobretudo às fragilidades sociais e económicas, maiores índices de disponibilidade dos cidadãos para este género de “actividade”. Salientar que o número de aliciadores e de recrutadores também é cada vez mais volumoso. Será que antigamente a esmagadora maioria dos correios de droga não era composta por indivíduos encaixados no meio da droga? Será que essa conjuntura não sofreu algumas metamorfoses? Será que actualmente o “grupo” dos correios de droga não abrange pessoas que nada têm a ver com o mundo da droga, mas que passam graves dificuldades sociais e económicas? Será que parte do recrutamento de cidadãos para este tipo de crime não é manufacturado e concretizado nos estabelecimentos prisionais?

No tráfico de estupefacientes há jovens, pessoas casadas, pais e mães desesperados e gente sem a mais pálida ideia ou perspectiva de futuro. Para muitos é unicamente o tempo de receber a encomenda, de a colocar no local combinado e de tentar viver sem sufocos financeiros. Uma ilusão! Um péssimo caminho! O abismo!

Portugal acaba por ser uma palatável e perscrutada porta de entrada de drogas na Europa, através de pessoas que assumem a função de correios de droga, uma ocupação em crescendo no nosso País. É seguramente urgente, e como resposta a esta pardacenta conjuntura, que o sistema legal e penal português saiba reagir.