Contágio, poema que reflecte a conjuntura de emergência que vivemos.

A tua comparência é uma invitação constante para a depressão

Os mais descuidados são contagiados pela tua malévola condição

Os rostos amargos e tristes fazem-me sofrer

Tantos corações inocentes, descrentes e a fenecer.

A noite surge tão perdida e perturbada

O tempo não cura todos os desgostos, nada é sarado de mão beijada

São poucos os elementos que parecem autênticos

Os alicerces do espírito não são sempre satisfatórios nem pragmáticos.

Os idosos já não lacrimam, a conjuntura cáustica roubou-lhe as lágrimas e estão obstruídos

Os jovens já não caminham, estão perturbados, moribundos e enfraquecidos

Os adultos, mergulhados em telas de desassossego, esperam por laços de solidariedade

Olhares fugazes coligados aos lugares fechados e às texturas de instabilidade.

Lágrimas que escorrem da alma e do coração

Morte que edifica desalento, melancolia e inquietação

Subsistem as memórias de um tempo que já não tenho, a angústia é veloz e feroz

Pedaços de mim caem no leito de um rio de margens brandas que demora em afluir na foz.

Há refúgios em lugares ermos

Têm janelos, tectos baixos, portas de madeira quebradiça, espantalhos e trajes enfermos

A estrela perdeu brilho, assim como o ponto de água

Infelizmente um doente dorme sempre com mágoa.

Depois da tempestade ficaremos aliados para aquilo que resta das nossas vidas

Nenhum de nós se vai sentir mais desprotegido, ficam assim as carências suprimidas

Eu sou o teu abrigo e tu és o meu percurso

A cidade vai voltar, entregamos a alma neste sinuoso discurso.