O Universo da prostituição, no qual todos os intervenientes aldrabam, é assustadoramente umbroso, espinhoso e sinistro.

Quando coabitamos com o vértice mais ominoso e impiedoso da natureza humana, deparamo-nos com impactos mortíferos na alma que a decepam ininterruptamente. A pardacenta e penetrante hipocrisia social acaba por ostracizar as “virtuosas do amor”, continuando a comprimi-las até ao ponto de apenas sobejarem fragmentos de carne “amoxamada” e desabitada. Trata-se de uma espécie de vício exasperado dos consumidores da carne, disponíveis e capazes de penhorar a sua existência, honra e consciência por uma porção, fingida e desbotada, de paixão, de êxtase e de afecto. Os afagos, os carinhos e os beijos são profundamente falsos, estando embrulhados em lençóis de inverdades, enganos, vigarices, desacertos e infidelidades. O Universo da prostituição, no qual todos os intervenientes aldrabam, é assustadoramente umbroso, espinhoso e sinistro. Será que não é fundamental reflectir relativamente ao crime de lenocínio em vigor no regime jurídico português? Será que o bem jurídico tutelado por este género de crime não representa uma das disciplinas mais intrincadas, polémicas e controversas nos cabimentos da Doutrina e da Jurisprudência? Será que não existem investigadores que defendem a inconstitucionalidade deste tipo de crime devido ao facto de ser complicada a identificação do bem jurídico, bem como de o mesmo tutelar e embrulhar valores morais?

O autêntico impulsionador do negócio das organizações criminosas, também denominadas de máfias, não reside na multiplicação e na disseminação de mulheres dispostas a meretriciar-se para abandonarem contextos de indigência, nem tão pouco nos proxenetas, nos chulos, nos traficantes e nos empresários proprietários de bordéis. Na realidade, os verdadeiros instigadores do negócio do sexo são os próprios clientes ou prostituidores, aqueles que procuram fervorosamente o produto e, consequentemente, engrossam a oferta. Será que a prostituição não aparece directamente associada ao crime de lenocínio? Será que a mesma não representa uma prática identicamente emaranhada e questionável? Será que não é fundamental abordar a importância e a pertinência jurídica adjudicadas à prostituição em Portugal? Será que não é essencial conhecer, no que concerne a este tema, a legislação e a regulamentação existentes em outros Países? Será que não existem Países que reconhecem a prostituição como uma actividade profissional lícita? Será que não é elementar definir o conceito de prostituição? Quais são os novos formatos de promoção e de vulgarização dessa prática ou actividade? Será que não é fundamental estabelecer uma correspondência entre os regimes do crime de lenocínio existentes nos diferentes Países europeus? Será que não é relevante conhecer e analisar as principais deliberações, relacionadas com este tipo de crime, dos tribunais, nomeadamente do Tribunal Constitucional? Será que não é obrigatório analisar este género de crime segundo a teoria do bem jurídico e a natureza subsidiária do Direito Penal? Será que não é relevante comparar a actividade da prostituição e o crime de lenocínio com outros tipos de crime, designadamente o comércio de pessoas, e o lenocínio e prostituição de menores? Será que aquilo que está em causa não é a exploração sexual da pessoa? Será que esse cenário não classifica o ser humano como objecto? Será que essa classificação é coerente com a dignidade da pessoa humana? Será que ao longo dos tempos não vão despontando novos arquétipos de criminalidade sexual?

O art.º 169.º do Código Penal Português, mais concretamente no ponto 1, esclarece que: “Quem, profissionalmente ou com intenção lucrativa, fomentar, favorecer ou facilitar o exercício por outra pessoa de prostituição é punido com pena de prisão de seis meses a cinco anos.”. Este artigo acaba por “personalizar” o cognominado crime de lenocínio. O tipo de crime em questão deve ser abordado fundamentalmente do ponto de vista jurídico e dogmático, contudo jamais devemos descuidar ou negligenciar a circunferência histórica e social intrínseca a toda esta temática. Será que não é importante elaborar e organizar uma investigação histórica que aborde o regime jurídico da prostituição em Portugal, considerando alguns elementos, numa perspectiva jurídica, como a censura social e a acuidade que foi sendo facultada a essa actividade? Qual é a verdadeira abrangência da tutela jurídica?

Apesar de contemporaneamente existirem, por parte da sociedade, maiores índices de reconhecimento e aceitação para com o indivíduo que se prostitui, esta actividade ainda agasalha volumosas telas de desaprovação e de reprovação na medula da ambiência social e moral. Nas últimas décadas foram inúmeras as mudanças jurídicas, no encadeamento jurídico português, perpetradas na superfície do crime de lenocínio. Quais são as condutas passíveis de integrar o crime de lenocínio? Quais são as principais medidas normativas, relativamente à problemática da prostituição e do crime de lenocínio, perfilhadas pela União Europeia? Será que não é essencial analisar essas medidas normativas? Será que não é relevante identificar as vigentes configurações herméticas relacionadas com o fenómeno do novo modelo de criminalidade sexual? Será que essa identificação não assume um papel crucial para mencionar alguns instrumentos relevantes e itinerários ajustados que permitam combater possíveis cominações consequentes da intrincada legislação em vigor? Será que o legislador deve limitar-se a uma intervenção ao nível da criminalidade sexual assente no bem jurídico da liberdade e na autodeterminação sexual? Será que o mesmo não deve promover uma regulamentação sobre as “ocupações” catalogadas com a actividade sexual? Será que o Estado não deve procurar responder, de modo convincente e eficiente, à evolução das configurações de exploração sexual através do Direito Penal?

Um dos alicerces que caracterizam a complexidade da actividade da prostituição advém da concreta arduidade que representa identificar, diferenciar e circunscrever as práticas sexuais adjacentes ao comportamento prostituído. Na verdade, todos os comportamentos de cariz sexual são susceptíveis de serem vendidos. Neste contexto, salvaguardamos a relevância de um entendimento conceptual concernente à prática da prostituição, uma vez que esta actividade patenteia o elemento capital do crime de lenocínio.

A prostituição pode ser definida como uma actividade que consiste na prática de actos sexuais e na permuta de afectos corporais entre duas ou mais pessoas, de modo não sentimental, ou seja com a total ausência de “sentimentos” e eventualmente prazer, e a troco de bens, favores ou informação privilegiada. No que respeita aos seus protagonistas, a prostituição pode ser praticada por pessoas do sexo feminino, bem como do sexo masculino. Contudo, a prostituição é maioritariamente praticada por mulheres. Será que não é pertinente conhecer a evolução do conteúdo dos conceitos que envolvem a prática em questão? Será que esses conceitos não são denunciadores da autêntica transformação da mesma?