Contemporaneamente o indicador de desaprovação da pedofilia é elevadíssimo, todavia, e infelizmente, a presença dessa conduta, contemplada como frequente e admissível, foi usual no passado. A pedofilia hospedou o papel de suporte das mais diversificadas culturas da antiguidade, tendo admitido, ao longo dos tempos, persistentes metamorfoses não só no contexto valorativo social, como também na evolução das suas práticas e procedimentos. Portanto, a existência da pedofilia atravessa um volumoso espaço temporal, bem como uma enorme diversidade de conjunturas socioculturais.
A criminologia e algumas investigações avisam-nos que a reincidência criminal dos predadores sexuais é bastante superior à verificada noutras espécies de crime. Esta circunstância é demonstrada pela realidade judicial, pelo exercício policial e pelos próprios dados estatísticos. As configurações adjacentes à motivação ou à decisão daqueles que praticam tais comportamentos, como a enfermidade, a malignidade, a inconstância intelectual repentina ou a frivolidade, nada importam às crianças que, repentinamente, se veem vítimas de disposições de abuso sexual ou aos pais que observam os seus filhos avassalados a actos criminosos e indecorosos.
Desafortunadamente a sociedade convive com descomedidos problemas e perigos, contudo o crime de abuso sexual, especialmente o praticado contra menores, será porventura o crime mais hediondo que a mesma agasalha. Por esse facto, este tipo de crime devia ser “presenteado” com o tecto máximo das penas criminais em Portugal. Será que a sociedade não tem obrigatoriamente de ser mantida fora da tenebrosa teia dos agressores sexuais? Será que os predadores sexuais merecem ser tratados em formatos anónimos? Será que o acesso, por parte da população, a uma lista pública de predadores sexuais não pode ser útil para proteger as crianças das investidas sexuais? Será que essa lista não deve ser saboreada como um mecanismo importante que permitirá aos pais acautelarem as crianças contra possíveis violadores? Será que nos caminhos da agressão sexual, há espaço para configurações preestabelecidas? Será que somente as forças policiais é que devem ter acesso às listas de pedófilos? Será que o acesso às listas conceberá telas de vingança? Será que o acesso às mesmas não gerará unicamente prevenção? Será que é justo e profícuo declinar o acesso dos pais a uma lista pública de agressores sexuais, tendo como pano de fundo a privacidade? Será que o acesso à lista de pedófilos origina um ambiente de desconfiança e de acusação? Será que o acesso à mesma substitui ou embaraça o sistema judicial? Será que esse acesso aniquila a justiça ou permuta a lei pelo embuste? Será que não foi já alcançado, por parte daqueles que estão contra a “publicação” da lista e o acesso dos pais à mesma, o limite de argumentos?
Vivemos num tempo conturbado, no qual todas as semanas a opinião pública é confrontada com um assunto que, devido sobretudo à sua abrangência e complexidade, invade e preenche as manchetes jornalísticas, e as directizes noticiosas ou informativas. A célebre e pertinente lista pública de condenados por abuso sexual de menores acabou por ser o tema de múltiplos momentos. Na realidade, concebemos textos legislativos com estéticos prefácios, porém sem qualquer tipo de impacto real ou corpóreo em relação à salvaguarda das crianças. Será que no âmago da concordância jurídica, não devia desfilar e sobressair o superior interesse público? Será que o acesso à lista de pedófilos apela, de forma encoberta, a algum género de justiça popular? Será que os nossos políticos não perfilham quase sempre o itinerário que prescreve o “deixar tudo na mesma” ou o “deixa andar o barco”? Será que para o Estado não é mais importante limar os arquétipos penais abstractos? Será que essa “filosofia” acarreta justiça e evolução?
Alguns defendem que a divulgação dos nomes dos condenados pode comprometer gravemente a reinserção social dos mesmos e aumentar a perturbação social, outros afirmam que essa situação pode acarretar comportamentos embebidos em vingança e em “justiça pelas próprias mãos”. Infelizmente esses argumentos não tocam ou focam o fundamental, ou seja, o superior interesse das crianças. O agressor sexual ao se sentir incluído na lista pública de condenados talvez medite mais nos seus vergonhosos actos e vacile perante a vontade de os praticar novamente.
Em conjunções de desaparecimento de menores ou de suspeitas de abuso sexual, a própria comunidade, utilizando essa base de dados, podia alcançar resultados positivos e céleres na descoberta do autor ou dos seus cúmplices. Talvez até possam ocorrer, neste tipo de procedimento, abordagens dispensáveis ou insinuações iníquas, todavia o foco essencial deve passar pela protecção das crianças.
Tendo como base os dados do Ministério da Justiça, a lista de pedófilos em Portugal já conta com milhares de nomes. A lei que criou o sistema de registo de identificação criminal de todos os condenados pela prática de crimes contra a autodeterminação sexual e a liberdade sexual de menor entrou em vigor em Novembro de 2015. Este “projecto de lei” esteve sempre submerso em volumosas parcelas de polémica e de controvérsia. Por exemplo a Comissão Nacional de Proteção de Dados e a Procuradoria Geral da República exibiram inúmeros retraimentos, considerando a medida inconveniente, dispensável e abusiva pelo facto de a mesma, segundo tais entidades, ser fomentadora de discriminação e de exclusão social. Estas circunspecções ou reservas, infundamentadas na minha opinião, levaram o Governo PSD/CDS-PP a encaixar uma modificação à proposta, no dia da votação final global, muralhando completamente o acesso dos pais às identidades dos condenados. Salientar que na versão original, a lei previa que os pais, bem como todos aqueles que exercessem responsabilidades parentais sobre menores até aos dezasseis anos, pudessem interrogar as forças policiais, sempre que tivessem temores justificados e consolidados, relativamente ao teor da lista. Os pais tinham a hipótese, mediante requerimento, de questionar as autoridades sobre se um determinado nome fazia, ou não, parte da lista, bem como de solicitar informação sobre a identidade e o domicílio dos pedófilos que habitassem na sua zona de residência ou na área da escola que os filhos frequentassem. Os cidadãos ficavam obrigados a guardar segredo sobre a informação prestada pelas forças policiais. A inscrição do pedófilo na plataforma do Ministério da Justiça é realizada imediatamente a seguir ao cumprimento da pena ou à deliberação da liberdade condicional, constando na lista o nome, a idade e a residência do mesmo. A lista de condenados por crimes sexuais contra menores nunca pode ser degustada como uma restrição dos direitos ou uma espécie de perseguição a desconhecidos. Inconstitucional é não defender correctamente e vincadamente o superior interesse das crianças. Apesar de boa parte dos actos de pedofilia ocorrerem no seio familiar, os pais deviam ter acesso à lista com a finalidade de proteger os seus filhos. Infelizmente em Portugal temos o triste fado de promulgar “meias leis”.
Torna-se necessário abandonar o espaço abstracto das normas jurídicas e ingressar no espaço concreto de milhares de vitimas e de famílias visceralmente traumatizadas pelos crimes perpetrados por criminosos reincidentes. A existência de uma base de dados, à qual os pais também tivessem acesso, com os autores irreversivelmente condenados pela prática deste tipo de crime era essencial, pois o crime em questão agasalha elevadas doses de reincidência. A lista deve aquartelar a missão de combater a reincidência dos agressores sexuais. Inúmeros estudos espelham que as taxas de suicídio são significativamente mais elevadas nas vítimas dos crimes de abusos sexuais. Será que os predadores sexuais não apresentam um franzino sentimento de culpa? Será que a reincidência deste tipo de crimes não comprova essa situação?
Será que existe algum género de controlo relativamente aqueles que, com má-fé, oferecem emprego a um pedófilo, num local que lhe possibilite o convívio com menores? Será que alguém supervisiona a proibição de os pedófilos exercerem, junto de menores, profissões, funções ou actividades, mesmo que as mesmas não sejam remuneradas, durante um expressivo período de tempo? Será que essa proibição não abrange todos os condenados por abuso sexual de menores, abuso sexual de menores dependentes, e recurso à prostituição e pornografia com menores? Será que alguém averigua, de modo minucioso, se existem pedófilos a adoptar crianças, a praticar acolhimento familiar ou a exercer apadrinhamento civil? Será que nos crimes praticados contra os próprios filhos, os pedófilos ficam realmente impedidos do exercício de responsabilidade parental durante o tempo prescrito na lei? Qual é o perfil do agressor sexual? Será que o aliciamento não deve ser criminalizado? Será que os predadores sexuais não conseguem perceber os índices de sofrimento que provocam nas vítimas? Será que a elevada taxa de reincidência nos crimes sexuais não está ligada à pouca pigmentada tela de tratamento e às telas de “punição leve”? Será que não é importante saber os contextos que alicerçam a corpulenta reincidência neste tipo de crime?