A investigação sobre os múltiplos arquétipos de personalidade possibilita o entendimento dos dissemelhantes contextos de resposta para as conjunturas que vão aparecendo. Será que a contextura de personalidade e as desiguais sensações desacorrentadas pela mesma não influenciam o magistrado na “pronunciação” de um julgamento? Como se processa a intromissão de alguns “temperamentos” psicológicos na acção de sentenciar? Será que o acto de julgar não ultrapassa a formação jurídica do juiz? Será que a magistratura, para além dos conhecimentos teóricos, não obriga a que o juiz compreenda como as suas configurações psicológicas e as de todos os intervenientes no litígio intercedem no próprio acórdão? Será que não é importante agasalhar a convicção de que é fundamental o entendimento absoluto dos fenómenos e não o estudo isolado dos seus componentes ou outorgantes? Será que essa convicção não habilita o juiz a interpretar os assuntos intrapsíquicos que envolvem uma volumosa tela de condições conscientes e de factores involuntários?
No âmago de uma deliberação ou sentença, existem mais matérias do que a “descomplicada” utilização ou aplicação dos preceitos jurídicos à circunstância concreta. A compreensão e a actuação do magistrado devem alcançar os fenómenos mentais que o abrangem ou atingem, bem como os “planos” psíquicos das partes, das testemunhas e dos advogados. Será que o magistrado não é um ser humano? Será que o mesmo não está desprotegido em relação aos diferentes sentimentos? Será que esses sentimentos, em determinadas ocasiões, não influenciam a sua deliberação?
Transforma-se em credulidade pensar ou admitir que o juiz hospeda a faculdade de se desenroupar do conjunto das suas crenças, valores, apreços e referências sociais para enunciar um veredicto. Será que o magistrado não pode sentir temor, fúria, raiva, amor, amizade, comiseração, inflexibilidade, bem-querer, repugnância, revolta, melancolia, prepotência e despotismo? Será que estas “disposições” lhe retiram o compromisso ou o pacto de controlo emocional? Será que o repto não consiste em o juiz comover-se sem se infeccionar pelas comoções próprias e pelas emoções dos participantes? Será que esse cenário não corresponde a um verdadeiro exercício de identificação e de gestão dos próprios sentimentos? Será que alguns recursos emocionais não podem ser aplicados, de modo fecundo, para a “expugnação” e concretização da sentença?
Por exemplo, o emprego da intuição para descobrir se um determinado indivíduo profere, ou pretende proferir, inverdades. Perfilhando o itinerário da intuição, o magistrado abandona o uso exclusivo da cogitação racional e dos sentidos, com a finalidade de alcançar matéria relevante nos outros intervenientes. Neste sentido, podemos asseverar que a intuição pode constituir um mecanismo proveitoso para a Justiça, sempre que seja escoltada pela verificação objectiva do magistrado. Embora o julgamento espelhe, de forma indeclinável, a personalidade do magistrado, o conhecimento e entendimento de seus “conspectos” emocionais pode impedir que ele abrigue ou decline, instantaneamente, os fundamentos das partes envolvidas porque coincidem ou contrariam os seus valores, crenças, emoções e sentimentos. Será que o juiz pode contrapor-se à realidade somente porque a mesma é oposta ao seu pensamento preestabelecido ou previamente constituído? Será que o magistrado não deve circunscrever o seu pensamento com o propósito de não desaprimorar e de não desaproveitar alguns vértices que podem ser fundamentais para o desemaranhe do processo, e que eventualmente auxiliarão, como argumento, para uma deliberação mais íntegra? Será que é o caso “corpóreo” que se deve harmonizar ao sistema conceitual do magistrado? Será que não compete ao juiz a perfilhação de renovadas reflexões de acordo com o exigido pelo acontecimento submetido a julgamento? Será que não existe a propensão involuntária do magistrado para aplicar os seus próprios valores na análise e no julgamento do comportamento de terceiros?
O magistrado desmedidamente acorrentado aos pormenores pode acabar por ter uma percepção incorrecta dos reais elementos pertinentes para o processo. Salientar que o magistrado com temperamento sinóptico pode universalizar, inapropriadamente, conjunturas com carácter desigual e que, naturalmente, requisitam julgamentos dissemelhantes e acomodados às suas particularidades. Os juízes excessivamente sintéticos propendem a reiterar acórdãos aplicados a ocorrências semelhantes, fundamentando-se unicamente na sua impressionabilidade e sensibilidade. Todavia, esta forma de laborar pode acarretar decisões iníquas. Será que o magistrado não deve estar vigilante em relação aos hábitos com que fundamenta e decreta deliberações? Será que a conduta e a condição humana se encaixilham em categorias comportamentais hirtas, ilacrimáveis e implacáveis? Será que não são abundantes as causas que determinam os comportamentos dos indivíduos? Será que os casos semelhantes devem ser degustados como iguais? Será que no “diagrama” da Justiça não devemos incluir a sofisticação e a complexidão existentes na nossa sociedade? Será que não devemos analisar e clarificar, através da medula da nossa sociedade, as decisões judiciais plásticas, volúveis e inconstantes?
O carácter do magistrado pode envolver, misturar e explanar comportamentos desiguais, como sejam: dificuldade em sentenciar; ausência de paciência; optimismo desproporcionado; posturas belicosas; telas de trepidez; persistência; colocação defensiva; sentido de humor inconsistente; raiva; arrogância; indignação; afogos; desapego; dificuldades de convivência; acanhamento; receios; desapontamentos; inactividade; disciplina; ordem; rigidez; seriedade; elasticidade; perfeição; esquecimento; requinte; segurança; stress; sensatez; desgaste; comprometimento; contentamento; empenho; competitividade; insegurança; e simetria, entre outros. Será que a capacidade de judiciar a realidade exterior não obedece, espontaneamente, ao juízo crítico de cada indivíduo em relação ao seu “cosmos” interior? Será que as configurações de personalidade são estanques? Será que as mesmas não se acavaleiram e não se ajustam, num mesmo indivíduo e em categorias desiguais, entre si? Será que as múltiplas personalidades dos juízes não “opulentam” o próprio Direito? Será que o Direito não constitui um fenómeno social em perseverante metamorfose? Será que se todas as personalidades fossem idênticas, não se edificaria uma atmosfera de inflexibilidade mental na magistratura? Será que esse contexto não era excessivamente adverso para a perfloração de novas ideias e de ambicionados conceitos?
A actuação e a interpretação da superfície psíquica do magistrado têm forçosamente que agasalhar conhecimento, determinação e controlo, de modo a amputar enjeitados julgamentos antecipados ou a desestima por elementos essenciais para a resolução do processo. Há que saber lidar com os índices de influência provenientes de alguns factores emocionais. Uma simples “distracção” pode promover o arremesso desses factores sobre as partes envolvidas, as testemunhas e os advogados. Será que o magistrado não deve desenvolver empatia, compreendida como a habilidade de se acomodar ao papel do outro, de forma a experimentar o autêntico padecimento alheio? Será que dessa forma não desenvolve um ínfimo, mas salutar e importante, envolvimento afectivo para a resolução do dilema? Será que a acção do juiz pode resultar em escassez de “sincronia” com o trabalho? Será que esse trabalho pode consistir numa doutrina meramente protocolar, uniforme, monótona e infecunda? Será que o equilíbrio e o comedimento no julgamento não são unicamente granjeados através do autodomínio do mecanismo psicológico do magistrado, possibilitando a identificação e o encaminhamento de todos os contextos que são capturados pelos sentidos? Será que o juiz não deve conceber uma desagregação profícua do ego? Será que abordar o tema subjectividade humana não é o mesmo que falar da objectividade em que coabitam os cidadãos? Será que não é importante o magistrado conseguir desprender-se dos resultados do social sobre si?
A percepção do mundo interno impõe o entendimento do mundo externo, uma vez que constituem dois conspectos de um mesmo sistema, no qual o homem age, transforma e edifica. Será que o apuramento da verdade não fica bastante mais facilitado quando o juiz descobre o motivo psicológico da pretensão?
São inúmeros os sentimentos que fundamentam e motivam um processo judicial. Alguns exemplos são: incompatibilidade; rancor; represália; necessidades financeiras; desejo de desculpas; e sentimento de justiça. Realçar que as particularidades dos litigantes, como sejam: os valores, os objectivos, os desejos, as crenças, as expectativas, e os recursos físicos, intelectuais e sociais; o relacionamento antecedente entre as partes; e a própria atmosfera social acabam por interferir, de modo directo, nos antagonismos e nos conflitos. Neste contexto, podemos asseverar que é fundamental existir simultaneidade emocional entre o magistrado e o entrevistado, para que o primeiro consiga mais facilmente: compreender e decifrar o conjunto de emoções que domina os indivíduos, bem como as consequências que o mesmo promove e difunde na sua conduta; reconhecer e assinalar informações pertinentes para a investigação e consecução da verdade; aplicar uma linguagem compreensível ao entrevistado; e enunciar matérias, objectos e questões acomodadas à disposição intelectual dos indivíduos.
Semelhantemente, a observação e a análise antecipadas do padrão de personalidade, assim como das conexões afectivas da testemunha possibilitam certificar se o testemunho é ou não isento. Perceber a dimensão com que acontecem as interposições emocionais sobre o testemunho amplifica as oportunidades de melhor saber laborar com a testemunha, granjeando da mesma uma descrição fáctica que seja o mais contígua possível da realidade.
Esse conhecimento ainda coadjuva o magistrado na função de concertação, autorizando a oferta de propostas com vantagens recíprocas e com superiores hipóteses de concordância pelas partes. Salientar que o juiz delibera com sustentáculo na realidade produzida pelas partes envolvidas no processo, compreendida pelos seus fenómenos mentais e pelos paradigmas culturais presentes no ambiente social. É essencial que o juiz agasalhe a noção de que a realidade patenteada pelas partes embrulhadas no processo é resultado do seu subjectivismo, pois os indivíduos interpretam os factos em consonância com as suas inclinações e vocações afectivas. Será que a realidade efectiva dos acontecimentos abriga, permanentemente, um encadeamento directo com a realidade psicológica das partes? Será que um mesmo acontecimento não pode produzir dissemelhantes interpretações, configurações e representações? Será que cada indivíduo não hospeda uma visão própria do mundo? Será que essa conspecção não é influenciada por factores que vão desde o mecanismo sensório e o desenvolvimento cognitivo até à conjuntura social e cultural envolvente?
A realidade efectiva acaba por “admitir” tantos índices de transfiguração voluntária e consciente do indivíduo como a deformação involuntária consequente da afectividade própria de cada sujeito. Os estímulos e os encorajamentos ambientais são comentados e compreendidos pelos sujeitos, de forma que um idêntico agrupamento de estímulos tem capacidade para conceber dissemelhantes entendimentos em diferentes indivíduos. As experiências e vivências de outrora, as crenças, os valores, os conhecimentos, as expectativas, as particularidades dos estímulos, os processos inconscientes e as voltagens emocionais constituem condições que influenciam visceralmente a significação, a representação e a interpretação das informações e das comunicações pelo cérebro, ou seja pelo centro das capacidades intelectuais. Será que não é a realidade psíquica, confeccionada pelas matérias intelectuais dos sujeitos, que é encaminhada ao processo para sentença do magistrado? Será que o fenómeno de distorção subjectiva da realidade também não afecta as testemunhas? Será que o sistema de armazenamento das informações não sofre amiudadamente a actuação de outros factores, como sejam: as experiências vividas; as renovadas informações; e as crenças?
Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.