Para isso, acaba por ser suficiente a caracterização da existência de um dano e de um vínculo de causalidade entre a actuação e o prejuízo. Será que aquele que beneficia com uma determinada situação não deve responder pelo risco ou pelas desvantagens dela resultante?
As condutas ilícitas perpetradas pelas entidades públicas acabam por ser da responsabilidade do Estado. Portanto, o Estado tem a obrigação de indemnizar os malefícios provocados por descomedimento de autoridade. Será que as entidades públicas não devem garantir os direitos individuais e colectivos dos cidadãos? Será que as mesmas não transgridem amiudadamente as incumbências que lhes são outorgadas em legislação? Será que a fixação da obrigação indemnizatória por parte do Estado não é alicerçada na própria Constituição? Será que o apuramento das importâncias a serem pagas a título de danos materiais e morais não é pacífico na circunferência da jurisprudência, bem como na “generalidade” das “doutrinas nacionais”? Será que os valores indemnizatórios, em relação aos prejuízos materiais, não são relativamente fáceis de serem apurados? Será que as perniciosidades morais têm sido convenientemente identificadas e avaliadas em Portugal?
As significações que descobrimos na nossa doutrina espelham nitidamente a complexidade de se expressar em valores a matéria que não tem concatenação na superfície económica. Na realidade, existem determinados contextos que não deixam desconfianças de que efectivamente ocorreram danos morais ao ofendido. Todavia, as acepções, definições, interpretações e manifestações encerradas na própria legislação, assim como nas próprias ocorrências patenteiam a subjectividade adjacente aos prejuízos morais que acaba por embaraçar a imparcial e rápida valoração e, naturalmente, o equitativo ressarcimento dos danos morais. Será que não é essencial descodificar correctamente o significado de danos morais?
Danos morais podem ser definidos como “contusões” sofridas pelo sujeito na sua “riqueza moral”, em contraposição ao património material, ou seja o conjunto de tudo aquilo que não é susceptível de valor económico. Trata-se, desse modo, de um dano sem qualquer tipo de repercussão patrimonial, ocorrendo quando se trata unicamente de “conserto” do sofrimento provocado à vítima, sem qualquer espécie de eco no seu património. Será que o dano moral não pode ser considerado o dano causado iniquamente a outrem, que não afecte ou abrevie o seu património? Será que o mesmo não pode ser degustado como o sofrimento, o dissabor, a amargura, a mágoa, a aflição, a inquietação aplicada ilegitimamente a outrem? Será que o carácter distintivo do dano moral não reside no seu conteúdo? Será que o dano moral não atinge o vocábulo “sofrimento” na sua mais espaçosa significação? Será que o maior obstáculo do dano moral não reside exactamente no facto de o mesmo não encontrar conexão directa com o requisito valorativo patrimonial?
Na realidade, distinguem-se duas figuras, a da indemnização por dano material e a da reparação do prejuízo moral. A primeira é a reincorporação monetária ou indemnização “stricto sensu” ou “sentido estrito” ao invés da segunda que é a sanção civil directa ao agressor ou reparação da injúria, liquidando-se na proporção da lesão sofrida. É importante que os cidadãos tenham a noção de que o dano moral é constituído pela lesão de conveniências não patrimoniais de pessoa física ou jurídica provocada pelo acontecimento danoso. Enquanto os danos materiais incidem sobre o património, os danos de temperamento moral abrangem os bens da personalidade, como sejam a dignidade, seriedade, rectidão, autonomia, vigor e a incorruptibilidade psicológica, provocando sofrimento, melancolia, humilhação e prosternamento ao injuriado. Será que não é fulcral que o magistrado analise cada caso, confrontando todos os elementos e ambientes probatórios, assim como dissecando todos os motivos, fundamentos e contextos adjacentes?
A atribuição de um valor para indemnização de danos morais acaba por constituir uma empreitada trabalhosa e algo incómoda que necessita de ser executada com algumas doses de atenção e precaução. Procura-se, dessa forma, compensar a vítima e punir o ofensor.
A prisão ilegítima, que é um verdadeiro atentado à liberdade, desobedece a múltiplos mecanismos constitucionais e legais, sendo certo que outros tantos existem objectivando auxiliar a vítima no sentido de lhe garantir a indemnização pelo comportamento ilícito executado por agentes públicos. Será que a prisão ilegal não viola claramente a Constituição? Será que a Constituição não agasalha a missão de garantir a honra e a dignidade da pessoa humana?
Para além da ilegalidade e da lesão outorgada ao status de dignidade e liberdade consequentes do acto ilícito praticado, existem, graças ao arquétipo penitenciário português, sulcos de maior circunspecção e gravidade que colocam em causa a integridade física e saúde mental da população presidiária.
Ser ilegalmente detido acarreta, por si só, volumosas doses de constrangimento ao cidadão inocente. Os danos morais oriundos da permanência iníqua num determinado estabelecimento prisional são de difícil cálculo. Contemporaneamente a prisão acarreta uma espécie de perigo de lesão intensa. Será que o itinerário correcto não passa por exterminar a desagregação da dignidade da pessoa humana? Será que algumas celas não se metamorfosearam em autênticas masmorras obscenas, impudicas, vergonhosas e arriscadas? Será que não é perfeitamente inexequível ignorar o que todos sabem e que ninguém contesta?
A prisão é constrangimento físico, pela força ou pela legislação, que expropria o indivíduo da sua independência de deslocação. Por sua vez, a prisão imerecida significa ilegalidade e incursão lesante. Será que o sofrimento moral não é intrínseco à prisão indevida? Será que não é fundamental verificar-se a ocorrência do vínculo de causalidade entre o acto praticado pelos agentes públicos, no caso da prisão imerecida, e os danos morais experimentados pelo ofendido? Será que nos casos de prisão ilegal é desnecessário computar a ocorrência ou não de danos morais? Será que na medula da prisão ilegal não existem sempre danos morais? Será que a jurisprudência é pacífica nos nossos tribunais? Será que a posição dos tribunais é inequívoca?
O Estado está obrigado a ressarcir os particulares quando, por interpretação e actuação dos seus agentes, pratica, contra os mesmos, prisão ilegal. No caso de prisão indevida, o alicerce indemnizatório da responsabilidade do Estado deve ser baseado sobre o vértice de que a entidade estatal arroga o dever de reverenciar, em formatos absolutos, os direitos subjectivos constitucionais assegurados ao cidadão.
O Estado, ao prender erradamente o indivíduo, empreende contra os direitos humanos e provoca dano moral à vítima, com consequências negativas nos seus inúmeros papéis sociais e profissionais. A indemnização por danos morais é um género de gratificação pela dor suportada e vivenciada pelo indivíduo, ao contemplar, abertamente e publicamente, a sua dignidade atingida e o seu direito de deslocação, de intimidade e de vida privada imolado. Será que a responsabilidade civil aquartela por fundamento a culpa?
A indemnização por danos morais vem sendo litigada nos nossos tribunais que os identificam pacificamente, circunscrevendo obrigações indemnizatórias, todavia com elevados graus de simplicidade quanto ao apuramento do valor a ser pago ao ofendido. Será que a responsabilidade civil do Estado não se encaixa no contexto da responsabilidade objectiva?
Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.